Título: Comércio é questão central
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2012, Mundo, p. 12

Os Estados Unidos sempre foram um importante parceiro comercial brasileiro, e isso não deve sofrer mudanças drásticas, seja qual for o resultado das eleições presidenciais de amanhã, avaliam especialistas ouvidos pelo Correio. As relações entre as duas maiores economias das Américas vêm de longa data e são amigáveis. E mesmo as divergências atuais — de um lado, o Brasil critica os EUA por estarem inundando o mundo de dólares, o que mina a competitividade das exportações de nações emergentes; de outro, os norte-americanos, acusam os brasileiros de exacerbarem nas práticas protecionistas — não devem afastá-los. Sobretudo, porque Brasília conta com a retomada da principal locomotiva do planeta para incrementar a atividade por aqui.

Ainda que, nos últimos anos, a dependência brasileira do comércio com os norte-americanos tenha diminuindo, em parte, devido à estratégia de ampliação do leque de parceiros do país iniciada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo de Dilma Rousseff tem a exata noção de que, se a economia dos EUA vai bem, o mundo tem motivos de sobra para comemorar. São eles os maiores compradores do mundo: gastaram US$ 2,2 trilhões somente no ano passado. Não à toa, se o consumo por lá rateia, a indústria global sente imediatamente o golpe.

A participação dos EUA no total das exportações brasileiras caiu de 25,7%, em 2002, para 9,6%, em 2010, e teve uma leve recuperação desde então. Hoje, está em 11,3%. Já a China, atualmente o maior parceiro comercial individual do Brasil, compra 17,4% de tudo que o país vende no exterior. Mas é preciso ressaltar: os norte-americanos absorvem produtos industrializados, de maior valor agregado, enquanto os chineses demandam, essencialmente, itens básicos, como grãos e minério de ferro.

Competitividade

"O mercado norte-americano é competitivo, maduro e exigente. Exportar para os EUA é um teste de qualidade para o produto brasileiro. E o fato de o Brasil ter ampliado as vendas de manufaturados para lá é um sinal de que é possível seguir expandindo as vendas nacionais", diz a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento (Mdic), Tatiana Prazeres. "Hoje, o petróleo responde por uma parcela importante das nossas vendas para os Estados Unidos, mas crescem, de maneira importante, os embarques de automóveis e aviões", completa.

É dos EUA, porém, de onde ainda vem a maioria das mercadorias importadas pelo Brasil, a liderança que, pela primeira vez, poderá ser conquistada neste ano pela China, conforme levantamento realizado pelo Mdic. Essa troca de posições, contudo, não será exclusividade brasileira. Em 78 países, os chineses já dominam o comércio exterior. "Líder ou não nas importações e exportações brasileiras, é importante ter em mente que os EUA são um mercado importantíssimo para qualquer país", afirma o consultor Welber Barral, que foi secretário de Comércio Exterior na gestão Lula.

Ele está coberto de razão. Dados do governo brasileiro mostram que o país ainda tem um peso muito pequeno nas compras norte-americanas (1,5%). Tudo o que o Brasil exporta em um ano representa pouco mais do que os norte-americanos demandam em um mês. Mas não é só: o país é uma das pouquíssimas nações com as quais os EUA têm superavit comercial. Entre janeiro e outubro deste ano, o Brasil exportou US$ 22,8 bilhões para os norte-americanos e comprou deles US$ 26,8 bilhões — um saldo de US$ 4 bilhões a favor do Tio Sam. Com o mundo, os EUA registavam deficit de US$ 492 bilhões até agosto.

Burro ou elefante?

Independentemente das relações comerciais com os Estados Unidos cristalizadas, a ansiedade em Brasília é grande, principalmente pelas pesquisas mostrarem empate técnico entre o democrata Barack Obama e o republicano Mitt Romney. A ordem do Palácio do Planalto, no entanto, é centrar o debate em questões técnicas. "Hoje, as relações entre os dois países são positivas e seguirão sendo, independentemente de quem venha a ganhar", afirma a secretária de Comércio Exterior. Na avaliação de Barral, a política externa dos EUA para o Brasil não deverá mudar, pois a prioridade de ambos é a Ásia.

Entre alguns especialistas de relações internacionais, ainda prevalece a teoria de que, para o comércio externo brasileiro, um republicano (que tem o elefante como mascote) no poder é melhor do que um democrata (cujo símbolo é o burro). No entanto, Welber Barral lembra que não é o que vem ocorrendo. "Historicamente, falava-se que os democratas eram mais protecionistas e, por isso, era pior para o Brasil. Ao mesmo tempo, salientava-se que, mais liberais, os republicanos seriam parceiros melhores, mas não é verdade. Os governos de Obama e de Bill Clinton foram mais abertos e benéficos para o Brasil, pois derrubaram vários subsídios agrícolas e favoreceram as nossas exportações. O caso mais recente foi o do etanol", afirma. As vendas desse produto para os EUA saltaram 203% até setembro deste ano em relação ao mesmo período de 2011, somando US$ 950 milhões.

Creomar de Souza, professor de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, faz uma ressalva. "Os governos republicanos são, tradicionalmente, menos protecionistas, em termos comerciais, que os democratas. Contudo, o ambiente de crise econômica pode gerar algumas transformações, e o comportamento pode mudar", explica. Ele diz que apesar de Romney ter sinalizado que buscaria maior intercâmbio com a América Latina, "é necessário ponderar que esse discurso, não necessariamente, simboliza uma abertura de mercados para os latinos".

Quatro perguntas paraTatiana Prazeres

Secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento

Às vésperas das eleições presidenciais nos Estados Unidos, como podemos avaliar as relações comerciais com o Brasil?

A primeira mensagem, independentemente do resultado da eleição, é que o Brasil tem uma relação sólida, de longa data e consistente com os Estados Unidos. Isso não se altera em função do que as urnas mostrarem. A tendência é que se fortaleçam as relações, em função da perspectiva de recuperação da economia mundial, seja qual for o resultado. Hoje, a relação é madura. Há diferentes mecanismos de diálogo bilateral e consultas regulares. Essa aproximação tem se intensificado há alguns anos com reuniões regulares entre o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e o Departamento de Comércio norte-americano. Enfim, institucionalizados esses mecanismos. A tendência é que se mantenha o diálogo e se estabeleçam novos e se reforcem os existentes. É sinal de uma relação madura e que se fortalece com o tempo. Hoje, evidentemente, em função da crise, há dificuldades. E, com a perspectiva de retomada da economia mundial, a tendência é que cresça (comércio entre os dois países).

Pode-se dizer que houve avanços para o Brasil com a gestão de Barack Obama?

Nesses últimos anos, houve avanços importantes na relação bilateral. Eu destacaria a eliminação das barreiras do etanol e da carne bovina para os EUA. As exportações desse produtos crescem em um ritmo importante para o mercado norte-americano em função da remoção desse obstáculo. O reconhecimento da cachaça (durante a visita da presidente Dilma Rousseff a Washington em abril) foi uma vitória importante. Outro resultado recente foi a ampliação do prazo do visto (de turismo e negócios) de cinco para 10 anos. Há muitos investimentos brasileiros nos Estados Unidos e, independentemente de quem ganhar as eleições, eles serão favorecidos pelo governo norte-americano. Também há enormes investimentos de empresas dos EUA no Brasil, e a perspectiva de futuro em torno da relação econômico-comercial é de intensificação dos vínculos a partir, não somente do comércio, mas dos investimentos e da intensificação das trocas de serviços.

Mesmo com crise, os investimentos brasileiros continuam aumentando nos EUA?

Com certeza. Os investimentos brasileiros nos Estados Unidos aumentam em setores como os de alimentos, bebidas, aviões e siderurgia. A Gerdau está firme lá. A Embraer fez investimentos recentes, reduzindo a resistência. Franquias, como a do Giraffas, também estão se expandindo por lá. O mercado norte-americano é belíssimo. Apesar da crise, as relações se intensificam. Na verdade, a crise acaba gerando novas oportunidades, principalmente de investimentos, fusões e aquisições.

Há uma linha de especialistas defendendo que, para o comércio brasileiro, é melhor um republicano no comando dos EUA que um democrata. Qual a sua avaliação?

Não comento esse tipo de análise. Hoje, as relações são positivas e seguirão sendo, independentemente de quem venha a ganhar. A intensificação dos vínculos é algo que se pode esperar. São questões que transcendem as pessoas. O fluxo de mercado se sustenta em instituições consolidadas ao longo do tempo. O programa Ciências sem Fronteiras é uma belíssima oportunidade para o estreitamento desses vínculos. Estamos em um exercício interessante para desenvolver estágios para os egressos do programa no Brasil e nos Estados Unidos. Estamos mobilizando empresas para que os estudantes possam fazer o estágio na matriz e, eventualmente, possam vir a trabalhar nas filiais norte-americanas no Brasil. O Ciência sem Fronteiras certamente renderá frutos para mais negócios entre os dois países e parcerias tecnológicas. (RH)