Título: Torcida por Obama
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2012, Mundo, p. 12

Esquecido durante a campanha, o Brasil será pouco afetado pelo resultado das urnas, segundo analistas ouvidos pelo Correio. Mas, de forma implícita, há simpatia pela recondução do democrata

Oficialmente, o Brasil não tem um favorito na corrida à Casa Branca. Para o governo, as relações com os Estados Unidos atingiram um patamar em que a agenda bilateral independe de seus líderes. Mas, de uma forma implícita, há no país uma predileção pela reeleição de Barack Obama, até por conta das coincidências em suas posições no campo diplomático. Com uma pauta bilateral focada principalmente na economia, autoridades e analistas consultados pelo Correio apostam que ela pouco mudaria, na prática, com a alternância para um governo republicano. Eles não escondem, porém, o temor de que a volta de um conservador ao comando dos EUA possa representar um retrocesso à postura multilateralista percebida nos últimos anos — favorável não só ao Brasil, mas a outros países emergentes.

Em entrevista ao Correio, a embaixadora Vera Lúcia Machado, subsecretária do Ministérios das Relações Exteriores responsável pela região que inclui os EUA, explicou que há entre os dois países afinidades consolidadas, independentemente de quem esteja na Casa Branca. "As relações adquiriram uma densidade por conta desse entendimento e da percepção que se tem hoje do papel do Brasil", afirmou. Cenário que se deve, especialmente, ao desempenho brasileiro frente à crise econômica.

Se o discurso é cauteloso na diplomacia, no Legislativo a predileção é explícita. A presidente da Comissão de Relações Exteriores na Câmara, deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), ponderou que, apesar das diferenças ainda existentes, a continuidade de Obama seria melhor. Segundo ela, não há dúvida de que a postura mais "tolerante" do democrata na política externa facilitou as relações com o Brasil.

Pelo mesmo motivo, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), membro da comissão no Senado, disse perceber essa preferência no país. Na sua avaliação, o democrata promoveu um desenvolvimento econômico "mais igualitário e benéfico" dentro dos EUA e nas relações com os países da América Latina. "Não tenho dúvida de que tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como a presidente Dilma Rousseff têm maior afinidade com os objetivos de Barack Obama para as nações do que com os de Mitt Romney."

As relações com o Brasil não foram prioridade para o governo Obama. E se não causaram aproximação, também não houve afastamento. Os dois primeiros anos se deram sob a presidência de Lula, recebido pelo líder democrata em Washington. Em outra ocasião, em Londres, Lula foi chamado de "o cara" por Obama. Mas foi nesse período que os dois países tiveram um de seus maiores desencontros no campo diplomático.

Irã

Durante a visita do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, a Brasília, em 2009, Brasil e Turquia anunciaram um acordo segundo o qual o Irã aceitaria enriquecer urânio no exterior — uma das principais demandas dos críticos ao programa nuclear persa. Mesmo assim, os EUA seguiram, dias depois, com sanções contra Teerã, enterrando os esforços de negociação. As divergências entre os Estados Unidos e o Brasil, segundo a embaixadora Vera Lúcia, não chegam a ser "contenciosos", na linguagem diplomática. Ela não escondeu, porém, o descontentamento do Brasil no episódio, ao lembrar que "algumas pessoas" que estão deixando o governo americano hoje "lamentam que o acordo costurado entre Brasil e Turquia não tenha sido concluído".

A visita de Lula a Washington, em março de 2009, só foi retribuída dois anos mais tarde, já sob a presidência de Dilma Rousseff. Obama desembarcou em Brasília com a primeira-dama, Michelle Obama, e as duas filhas do casal, Malia e Sasha, em uma viagem que incluiu programação em família no Rio de Janeiro. E foi durante sua passagem por aqui que Obama autorizou a ação militar na Líbia que resultou, mais tarde, na queda do ditador Muamar Kadafi.

Em abril deste ano, houve mais um sinal de aproximação. Na visita que Dilma fez a Obama, os dois países elevaram a nível presidencial o Diálogo de Parceria Global, criado em 2010, para "fortalecer a cooperação" entre eles. No mês passado, o chanceler Antonio Patriota esteve em Washington para participar de uma reunião desse diálogo com a secretária de Estado, Hillary Clinton.

Apesar de os EUA caminharem, muitas vezes, para atitudes unilaterais, Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), opina que ainda há uma retórica pró-multilateralista no governo democrata que desperta expectativas no mundo. "O problema de Romney é que ele criou um temor de um retrocesso nesse discurso de engajamento", analisou a professora. "Existe um espaço no governo Obama para todos os emergentes que não sei se prevaleceria no caso de uma administração de Romney."

"Não tenho dúvida de que tanto o ex-presidente Lula como a presidente Dilma Rousseff têm maior afinidade com os objetivos de Barack Obama para as nações do que com os de Mitt Romney"

Eduardo Suplicy, membro da Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado