Título: CPI na mira dos tucanos
Autor: Valadares, João
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2012, Política, p. 3

Oposição classifica a comissão de "chapa branca" e elabora relatório próprio, no qual pede à PGR a investigação de 27 empresas ligadas à Delta que não tiveram os sigilos quebrados

Insatisfeitos com os trabalhos de investigação da CPI do Cachoeira, integrantes do PSDB, principal partido de oposição, vão encaminhar nesta semana um relatório paralelo à Procuradoria Geral da República (PGR). No documento extraoficial, os tucanos pedem a investigação de 27 empresas que não tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados pela comissão, mas foram abastecidas pela empreiteira Delta, no centro do escândalo que envolve o bicheiro.

O material, elaborado a partir da contratação de consultorias específicas pelo PSDB, detalha as atividades das empresas em questão e aponta que todas elas apresentaram movimentação atípica, de acordo com informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Os dados indicam o repasse de R$ 421 milhões para contas de empresas fantasmas, provavelmente com o objetivo de irrigar campanhas políticas em 2010.

Alvaro Dias, senador do PSDB-PR e líder do partido na Casa, classificou o relatório oficial da CPI de “chapa branca”. O documento, praticamente concluído, só será apresentado em 20 de novembro. “A verdade é que esse relatório chapa branca só se ateve à atuação da quadrilha em Goiás. A mesma coisa que a Polícia Federal já tinha feito. O farto material que estamos enviando à PGR diz respeito justamente ao que a CPI se negou a investigar.”

O relator da comissão, deputado Odair Cunha (PT-MG), não antecipa o relatório e evita comentar qualquer detalhe. Diz apenas que é “bom e contundente”. Quando questionado sobre a ampliação do foco da CPI, repete sempre que “quem quer investigar tudo não quer investigar nada”. A tese de Cunha é que a CPI tem um fato determinado, a atuação da quadrilha em Goiás. Para ele, uma investigação sempre leva à outra e, por isso, tudo aquilo que não deu tempo de se apurar no âmbito da comissão será remetido ao Ministério Público.

Prorrogada por 48 dias, tempo suficiente apenas para debater e aprovar o texto do relatório final, a CPI deve ficar paralisada por mais duas semanas. Ontem, a comissão não sabia ainda quando as atividades seriam retomadas. Apesar do ritmo de trabalho lento, a sala-cofre em que ficam os arquivos recebeu, na sexta-feira da semana passada, documentos referentes às quebras de sigilo bancário e fiscal do deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), flagrado em mais de 100 escutas telefônicas com o bicheiro Carlos Augusto Ramos.

Tramitação Com a aprovação de um prazo de prorrogação bastante reduzido, mais de 500 requerimentos deixaram de ser apreciados pela CPI. Na última sessão, por sugestão do relator, o colegiado aprovou o adiamento da votação. Em 20 de novembro, após o relatório ser apresentado, poderá haver pedido de vista de até cinco dias úteis. É comum o próprio presidente da comissão conceder vista coletiva. Passado o prazo, o relator pode ler o relatório na íntegra, em partes ou apenas considerar lido. Terminada a leitura, abre-se espaço para debates, com a apresentação de emendas e a votação do texto. Aprovado, o relatório é encaminhado ao MP para a tomada de providências investigativas ou judiciais.

R$ 421 milhões Valor dos repasses da Delta para contas de empresas fantasmas registrados no Coaf

Memória

Cabo de guerra partidário Instaurada em 25 de abril para apurar as relações do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com agentes públicos, políticos e empresários, a CPI transformou-se num palco de brigas partidárias. Governistas e oposicionistas apertavam o acelerador ou pisavam no freio de acordo com a cor do partido de quem estava sendo interrogado.

O prazo oficial de encerramento era 4 de novembro. Após duas paralisações em razão das eleições municipais, os líderes partidários chegaram ao entendimento de que era necessária uma prorrogação. Mais uma vez, houve bate-boca. Os oposicionistas queriam estender a investigação por 180 dias. Não conseguiram. A base aliada atropelou e conseguiu recolher assinaturas para uma prorrogação por apenas 48 dias.

No domingo, o Correio mostrou que o código de silêncio firmado entre os integrantes da organização criminosa será punido no relatório final da CPI. O documento vai sugerir o indiciamento de todos os integrantes da quadrilha que, munidos de habeas corpus, a exemplo de Cachoeira, ficaram calados durante os depoimentos.

Membros da comissão revelaram ao Correio que o relatório pedirá o indiciamento do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB); do ex-senador Demóstenes Torres, cassado em julho; do ex-vereador de Goiânia Wlademir Garcez; do dono da Delta Construções, Fernando Cavendish; e de diretores da empresa envolvidos no escândalo.