Valor econômico, v.20, n.4752, 17/05/2019. Política, p. A9

 

Caso Flávio torna-se teste à independência de Moro

André Guilherme Vieira 

15/05/2019

 

 

O caso Flávio Bolsonaro pode se converter em um teste sobre a independência do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que deixou a função de juiz federal da Lava-Jato no Paraná para integrar o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Responsável pelo procedimento investigatório criminal que apura indícios de peculato e lavagem de dinheiro que envolveriam o filho mais velho do presidente, o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MP-RJ) solicitou auxílio ao ministério da Justiça para obter informações sobre empresa com sede no Panamá que é sócia da pessoa jurídica que adquiriu salas comerciais vendidas por Flávio Bolsonaro na Barra da Tijuca.

Quando apurações criminais evoluem e demandam informações que podem estar disponíveis em outro país, cabe ao ministério da Justiça estabelecer a ponte oficial para a transmissão de dados à investigação. O único requisito é que o país mantenha acordo de cooperação penal com o Brasil. No caso panamenho, o país é signatário de acordo datado de novembro de 2011 que dispõe sobre auxílio jurídico mútuo em matéria penal.

Vinculado à pasta da Justiça, é o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) o órgão responsável por articular ações com o Ministério Público para enfrentamento à lavagem de dinheiro em casos com interface no exterior.

A diretora do DRCI, que foi nomeada para o cargo por Moro, é a delegada da Polícia Federal (PF) Erika Marena, que participou da criação da Lava-Jato em Curitiba e foi a responsável por batizar a operação.

O MP-RJ apura indícios de lavagem em transações imobiliárias feitas pelo atual senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) entre 2005 e 2018 - período em que foi deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

De dezembro de 2008 a setembro de 2010, Flávio Bolsonaro comprou 12 salas em condomínio comercial da Barra da Tijuca ao preço declarado de R$ 2,6 milhões. Todas as unidades foram revendidas em outubro do mesmo ano para a MCA Exportação e Participações Ltda por R$ 3,167 milhões, auferindo lucro de R$ 504,9 mil.

O MP-RJ chamou atenção para o fato de a pessoa jurídica que adquiriu os imóveis ter como sócia a Listel S.A. Trata-se de uma empresa com sede no Panamá, inscrita na Receita Federal do Brasil como "holding de instituições não-financeiras". Desde junho de 2010, uma instrução normativa do fisco brasileiro considera o Panamá paraíso fiscal.

No pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio e de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, feito à Justiça do Rio e por ela aceito, os promotores observam que "um dos mais tradicionais métodos de lavagem de dinheiro consiste na remessa de recursos ao exterior através de empresas offshore, sediadas em paraísos fiscais". Nesses locais, segundo o MP-RJ, é difícil determinar os reais beneficiários das transações envolvendo essas companhias.

O advogado de Flávio Bolsonaro, Paulo Klein, disse que a investigação do MP-RJ "não tem nem objeto, nem prazo definidos". O criminalista também alega que os promotores violaram os sigilos bancário e fiscal do atual senador.

"Pegaram as informações do Coaf, juntaram com as do laboratório de lavagem do próprio órgão e isso configurou quebra de sigilo bancário".

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MP do Rio diz que senador teria cometido peculato 

André Guilherme Vieira 

17/05/2019

 

 

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) afirmou que a prática do crime de peculato atribuído ao atual senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) "restou parcialmente incontroversa" a partir da análise de relatórios de inteligência financeira que miraram o ex-deputado estadual do Rio de Janeiro e seu ex-assessor na Assembleia Legislativa fluminense, o policial militar reformado Fabrício Queiroz.

A informação consta da medida cautelar de quebra de sigilo fiscal e bancário dos investigados solicitada pelos promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Repressão (Gaecc) à 27ª vara criminal da Justiça do Rio.

"Há robustos indícios de que as condutas evidenciadas nos relatórios do Coaf e admitidas pelo investigado Fabrício Queiroz configuram crimes de peculato-desvio", escreveram os promotores.

Na avaliação do MP-RJ, a materialidade dos crimes decorre do fato de os relatórios de análise bancária e fiscal "demonstrarem que o investigado Fabrício Queiroz exigia de assessores do então deputado estadual Flávio Bolsonaro repasses de parte dos salários".

Os promotores, no entanto, ponderaram que é preciso mais tempo "para apurar o valor total desviado, a destinação dos repasses e a identificação de todos os autores, coautores e partícipes das condutas delituosas".

Segundo o MP-RJ, Fabrício Queiroz reconheceu em petição feita por sua defesa e juntada aos autos da investigação "que se apropriava de parte dos salários de assessores do deputado estadual Flávio Nantes Bolsonaro".

Flávio já era suspeito de lavagem de dinheiro, segundo a promotoria, desde que vieram à tona, em janeiro, a realização de 48 depósitos fracionados no valor de R$ 96 mil na conta do próprio então deputado, feitos entre junho e julho de 2017 - e que totalizaram R$ 4,6 milhões.

Declarações de Operações Imobiliárias (Doi) encaminhadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), além de registros públicos requisitados pelos promotores em cartórios permitiram a identificação "de diversos indícios de lavagem de dinheiro em transações realizadas pelo então deputado estadual na última década."

Os investigadores agruparam em três espécies as transações imobiliárias consideradas suspeitas de lavagem de dinheiro.

Transações imobiliárias com pessoas jurídicas cujos sócios mantenham domicílio em paraísos fiscais; transações imobiliárias envolvendo indícios de superfaturamento ou subfaturamento de valores; e transações imobiliárias envolvendo pagamentos em dinheiro vivo de quantias superiores a R$ 30 mil.

O MP-RJ também encontrou indícios da existência de uma organização criminosa "com alto grau de estabilidade, formada desde o ano de 2007 por dezenas de integrantes do gabinete do ex-deputado Flávio Bolsonaro e outros assessores nomeados pelo parlamentar para outros cargos na Alerj". Os promotores, entretanto, não deixaram claro se Flávio integraria a suposta organização criminosa.

Ao Valor, o advogado de Flávio, Paulo Klein, afirmou que vai ajuizar pedido de liminar em habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro contra a decisão do juiz de primeira instância que quebrou os sigilos dos investigados.

O criminalista alega que a investigação do MP-RJ é ilegal.

"É ilegal, porque foi iniciada contra um [então] deputado estadual no exercício do cargo, em razão do cargo, e foi feita sem autorização do Tribunal de Justiça".

Para Klein, o Ministério Público "tentou burlar essa regra ao dizer o Flávio não era alvo da investigação e isso não é verdade".

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Oposição avalia desdobramentos 

Vandson Lima 

17/05/2019

 

 

Com as investigações em torno do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) - filho do presidente Jair Bolsonaro - cada vez mais avançadas, parlamentares da oposição avaliam possibilidades e desdobramentos de uma ação no Conselho de Ética contra o parlamentar.

O principal questionamento é como enquadrar Flávio no Senado, já que a investigação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) é relativa a um possível esquema no gabinete dele então como deputado estadual da Assembleia fluminense, a partir de 2007.

Segundo um oposicionista, uma possibilidade para pedir sua perda de mandato seria se ele vier a mentir sobre o caso no parlamento, o que configuraria quebra de decoro. Há precedentes: Eduardo Cunha (MDB-RJ) teve seu mandato cassado na Câmara dos Deputados em 2016 por ter mentido em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, na qual negou ter contas no exterior. Documentos enviados pela Justiça da Suíça comprovaram que o então presidente da Câmara era titular de contas secretas no país.

Destituído pelo Senado em 2012, Demóstenes Torres (GO) caiu por ter afirmado em plenário que era apenas um amigo do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, sem qualquer relação de interesse comum que os ligasse. Este foi um dos fundamentos do voto do relator, senador Humberto Costa (PT-PE) no Conselho de Ética.

Flávio não tem, ao menos por enquanto, falado sobre o caso nas dependências do Congresso Nacional, limitando sua defesa pública às poucas entrevistas que tem concedido. Outra pendência é que o próprio Senado não indicou até agora, passados mais de 3 meses que Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi eleito presidente da Casa, uma nova composição para o Conselho de Ética.

A presidência do colegiado está prometida por Alcolumbre ao senador Jayme Campos (DEM-MT). O PSL chegou a pedir o posto, em um movimento visto como de proteção a Flávio. A intenção era indicar a senadora juíza Selma Arruda (PSL-MT). Mas a própria parlamentar está agora às voltas com a Justiça, com a decisão de cassação de seu mandato por abuso de poder econômico e de prática de caixa dois - a senadora recorreu.

O filho mais velho de Bolsonaro não compareceu ontem ao Senado, apesar de ser assíduo na Comissão de Relações Exteriores (CRE), que se reuniu ontem. No plenário, os senadores agiram como se nada estivesse acontecendo - ninguém citou o caso.

A presença de Flávio Bolsonaro foi computada ontem no plenário e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ele protocolou um projeto relativo a renúncia de receitas para Estados em caso de comprovação de benefício fiscal futuro. Na terça-feira, ele faltou ao trabalho.

O senador tem 12 propostas protocoladas desde que iniciou o mandato. Entre elas, uma emenda à Constituição (PEC) para reduzir a maioridade penal para 16 anos. Há também um projeto para limitar a remuneração de empresas de equipamentos de fiscalização de trânsito em até 20% do montante aferido com arrecadação de multas. Reportagem da "Folha de S. Paulo" mostrou que o senador é um dos familiares do presidente que extrapolou o limite de 20 pontos em infrações de trânsito para o período de um ano. Ele foi multado 15 vezes e acumulou 39 pontos.

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No Planalto, avaliação é de que presidente está 'vacinado'

Carla Araújo

Marcelo Ribeiro

17/05/2019

 

 

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro estava em viagem no exterior, o avanço das investigações em torno de negócios suspeitos envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) estava sendo visto com cautela por auxiliares do presidente. A avaliação no Palácio do Planalto é que é "óbvio" que o caso tem potencial para desgastar o governo, ainda mais por envolver também cheques pagos por Fabrício Queiroz para a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Auxiliares ponderam que Flávio - dos cinco filhos de Bolsonaro - é o mais distante e desde o início das investigações tem mantido um certo afastamento do Planalto. Além disso, salientam que em janeiro - assim que as movimentações suspeitas de Flávio vieram à tona - o presidente já "se vacinou" ao afirmar que se por acaso ficar provado algum crime ele lamentaria como pai, mas que o filho teria "que pagar" pelo erro.

Um assessor palaciano disse que o senador deve explicações aos seus eleitores e que isso não interfere na agenda do governo. Um militar de alta patente que despacha no Planalto afirmou que "a problemática" de Flávio "não tem nenhuma relação com o governo". "A imprensa precisa parar de fazer essa ligação", reclamou.

Ontem, em Dallas, Bolsonaro irritou-se ao falar do caso e disse que o objetivo por trás das investigações é atingir o seu governo (ver acima). Uma fonte palaciana ironizou o suposto superfaturamento com negociações de imóveis por parte do filho de Bolsonaro e disse que não é de hoje que há casos de sucesso empresarial de herdeiros de presidentes. "Os filhos do Lula também viraram grandes empresários".