Valor econômico, v.20, n.4751, 16/05/2019. Brasil, p. A2

 

Nova política de drogas prevê internação compulsória 

Vandson Lima 

16/05/2019

 

 

Uma série de mudanças drásticas no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas está prestes a ser promovida.

O Senado aprovou ontem e encaminhou para sanção do presidente Jair Bolsonaro proposta que regula a possibilidade de internação compulsória de usuários, privilegia a abstinência como objetivo do tratamento da dependência em detrimento da redução de danos e incorpora ao Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) as comunidades terapêuticas, instituições de forte cunho religioso.

Apesar de o projeto estar há seis anos tramitando no Senado, o relator Styvenson Valentim (Pode-RN), que foi capitão da Polícia Militar, optou por rejeitar todas as alterações discutidas pela Casa nos últimos anos e defender a proposta nos moldes do texto original, cujo autor era o então deputado Osmar Terra, atual ministro da Cidadania.

Assim, foram descartados dispositivos que previam a possibilidade de importação de derivados e produtos à base de cannabis para uso terapêutico e a criação de um limite de porte de drogas para diferenciar usuários de traficantes, aumentando o potencial encarceramento.

Apenas o senador e ex-ministro da Saúde Humberto Costa (PT) opôs-se de fato à medida no plenário. "Falo como psiquiatra. Aqui só se prevê uma abordagem, que é a busca da abstinência. É uma concepção equivocada. Temos que ser amplos na visão, mas esse projeto apresenta apenas uma alternativa."

Sobre a internação compulsória, o projeto prevê que poderá ser pedida por familiar ou responsável legal, servidor público da área de saúde, de assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sisnad. A internação involuntária poderá durar até 90 dias para desintoxicação e sua interrupção poderá ser pedida pela família, mas ocorrerá apenas se obtiver aval do médico responsável.

"Peço licença para discordar dos relatores que me antecederam, pois irei sustentar que o projeto deva ser aprovado nos seus termos originais. Mesmo reconhecendo que algumas alterações propostas pelas comissões do Senado são meritórias, o ganho para a sociedade que elas proporcionariam é comparativamente pequeno, frente ao tempo adicional que teríamos de aguardar para que a Câmara deliberasse sobre essas inovações", anotou o senador Styvenson em seu parecer. Caso o Senado alterasse a proposta, a mesma voltaria à Câmara para nova análise, em vez de seguir para sanção.

Para o relator, possível legislação sobre a importação de medicamentos à base de cannabis não era cabível no texto. "Trata-se de iniciativa que não guarda relação direta com o objeto do projeto. Ademais, é assunto que já está sendo devidamente resolvido por regulamentação infralegal emanada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)."

Para evitar a aplicação de pena de tráfico a usuários simples, o projeto prevê que as penas deverão ser reduzidas de um sexto a dois terços quando o agente não for reincidente, não integrar organização criminosa e as circunstâncias do fato e a quantidade de droga apreendida demonstrarem o menor potencial lesivo da conduta.

Os senadores justificaram a pressa em aprovar a medida, sem possibilidade de nova discussão na Câmara, pela proximidade do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode descriminalizar o uso de drogas no Brasil, cuja discussão deve ser retomada no dia 5 de junho.