O Estado de São Paulo, n. 46125, 30/01/2020. Internacional, p. A16

 

Brexit é aprovado no Parlamento Europeu

30/01/2020

 

 

Ratificação de acordo é último passo para saída do Reino Unido, marcada para amanhã

O Parlamento Europeu aprovou ontem o acordo do Brexit, o último passo formal antes da saída do Reino Unido. A sessão foi marcada pela emoção de alguns eurodeputados britânicos, que choraram na despedida. “Somente na agonia da separação olhamos para a profundidade do amor”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, citando o poeta britânico George Eliot. “Sempre te amaremos e nunca estaremos longe.”

Os 47 anos do Reino Unido na União Europeia terminam amanhã à meia-noite, mas a saída britânica será mais teórica do que prática. Apesar de não ser mais um Estado-membro, seguirá vinculado às normas europeias durante 11 meses, um período de transição, durante o qual Londres e Bruxelas negociarão um acordo comercial definitivo.

O negociador-chefe da UE, Michel Barnier, apresentou ontem o projeto de negociação à Comissão Europeia, mas ele só será divulgado na segunda-feira, após o Reino Unido se tornar oficialmente um terceiro país.

Além das dificuldades em fechar um acordo comercial com a Europa, o governo britânico enfrenta ainda outro desafio interno. Ontem, a Escócia intensificou sua estratégia para realizar um novo referendo de independência, desta vez com o argumento de que o Reino Unido abandonará a UE contra a vontade da maioria dos escoceses.

O gabinete da primeira-ministra nacionalista, Nicola Sturgeon, apresentou uma moção ao Parlamento escocês, que obteve o respaldo da maioria dos deputados. Apesar de ter apenas valor simbólico, a aprovação foi suficiente para elevar a tensão entre os dois governos.

O texto reconhece “o direito soberano do povo escocês de determinar a forma de governo que melhor se adapte a suas necessidades”, pois se produziu “uma mudança material nas circunstâncias desde 2014”, quando ocorreu o plebiscito, no qual 55% dos escoceses votaram contra a independência.

Os nacionalistas escoceses argumentam que a campanha pela união entre Escócia e Reino Unido, feita pelos principais líderes ingleses, tinha uma premissa básica: se os escoceses se tornassem um país independente, a Escócia não teria adesão imediata à UE.

O Brexit veio dois anos depois, justamente com o voto do interior da Inglaterra, apesar de 62% dos escoceses terem votado pela permanência no bloco. Este novo cenário, segundo Stugeon, justificaria uma nova votação – que tem de ser autorizada por Londres, mas que, até então, vem sendo negada pelo primeiro-ministro, Boris Johnson.

Amanhã, horas antes de o Reino Unido abandonar formalmente a UE, Sturgeon fará um discurso no qual anunciará quais serão os próximos passos da independência da Escócia. Segundo analistas, a questão pode ser decidida apenas nos tribunais.

O objetivo do SNP é realizar o plebiscito até o fim do ano. Mas, em razão da forte oposição do governo britânico, os mais otimistas acreditam que o mais provável é que a votação ocorra somente após as eleições regionais de maio de 2021.

Muitos nacionalistas escoceses querem aproveitar os primeiros meses do Brexit, que devem afetar a economia britânica, para aumentar o apoio pela independência da Escócia. De acordo com pesquisas, se o plebiscito fosse realizado agora, o resultado seria apertado, mas com uma pequena vantagem para os que desejam manter o território dentro do Reino Unido.

Outro problema que tende a se agravar após o Brexit é a Irlanda do Norte. Após 30 anos de violência entre católicos e protestantes, que deixou mais de 3 mil mortos, o território foi finalmente pacificado pelo Acordo de Sexta-Feira Santa, de 1998, pelo qual os britânicos concordaram em desmontar os postos de checagem na fronteira. Sob as regras do mercado comum europeu, as economias das duas Irlandas se tornaram dependentes e integradas. Hoje, ninguém mais aceita a volta da fronteira física entre os dois territórios, o que significa, na prática, uma Irlanda unificada.

Para a nova geração, que não viveu o período turbulento entre 1968 e 1998, a divisão já não faz tanto sentido. Em setembro, uma pesquisa do instituto Deltapoll apontou que 52% dos norte-irlandeses – a maioria jovens – apoiam a unificação, enquanto 39% ainda querem ser parte do Reino Unido. 

Despedida

“Somente na agonia da separação olhamos para a profundidade do amor”

Ursula von der Leyen

PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA, AO CITAR O POETA GEORGE ELIOT

O QUE MUDA AMANHÃ

66 milhões a menos

Sexta-feira à meia-noite (20 horas em Brasília), a União Europeia perderá pela primeira vez um Estado-membro. Com a saída de 66 milhões de habitantes, a UE verá sua população diminuir para cerca de 446 milhões.

As instituições

Em Bruxelas, a retirada da Union Jack do Parlamento Europeu simbolizará uma mudança muito real: o Reino Unido deixa a UE e se torna um "país terceiro". Todos os 73 eurodeputados britânicos eleitos em maio vão se despedir. Quarenta e seis assentos vagos serão reservados para os futuros Estados-membros e 27 serão redistribuídos.

Direitos dos cidadãos

Segundo as Nações Unidas, cerca de 1,2 milhão de britânicos vive em um país da UE. Sob o acordo de retirada, os expatriados que se estabeleceram em ambos os lados do Canal da Mancha antes do final do período de transição manterão seus direitos de residir e trabalhar em seu país anfitrião. Os cidadãos europeus residentes no Reino Unido deverão se registrar para se beneficiar desse direito. Para os britânicos que vivem na UE, os procedimentos diferem de país para país. A liberdade de circulação será aplicada até o final de dezembro de 2020. Detalhes dos direitos recíprocos serão negociados.

Negociações

O Reino Unido já passou vários anos negociando os termos de sua partida com a força-tarefa da Comissão Europeia chefiada por Michel Barnier. No entanto, o Reino Unido continuará sujeito à legislação da UE e ao Tribunal de Justiça da UE até o final da transição. Barnier está em discussões com os Estados-membros para definir o futuro relacionamento, em particular o comercial.

Passaportes

O Reino Unido começará a introduzir novos passaportes – azuis, como nos velhos tempos – neste ano. Eles não terão o selo da UE. No futuro, os europeus não terão preferência automática sobre pessoas de outros países que desejam viver e trabalhar por lá.