Valor econômico, v.20, n.4751, 16/05/2019. Opinião, p. A14

 

Como aprimorar o 'Minha Casa Minha Vida'

Lauro Gonzalez 

16/05/2019

 

 

O programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) acaba de completar uma década. O contexto foi marcado por turbulências econômicas e políticas que ocasionaram grandes oscilações. Em um curto intervalo de tempo, a euforia com o crescimento econômico deu lugar à maior recessão da história. Diante desse quadro, teria o MCMV cumprido seu papel como política pública? Trata-se de uma pergunta difícil tendo em vista a natureza complexa e multivariada do desafio habitacional. É evidente que o programa tem destaque histórico pelo elevado volume de recursos aportado em uma política pública habitacional voltada para a população de baixa renda.

Vários estudos abordam a precária inserção dos empreendimentos na malha urbana. Outros salientam a ausência e/ou deficiência de serviços públicos e infraestrutura urbana, além da baixa qualidade das moradias. Os argumentos aqui apresentados, baseados em pesquisas realizadas a partir de 2014, complementam as críticas anteriores e apontam caminhos para aprimorar o programa.

Dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, atual responsável pelo MCMV, mostram que, entre 2009 e 2018, foram entregues cerca de 4,1 milhões de unidades habitacionais. Um número expressivo e impulsionado, pelo menos até 2014, pelos ventos favoráveis do crescimento econômico. Havia uma diversidade de fontes de financiamento que ampliaram o volume de subsídios alocados ao programa. Ademais, desde o início eram nítidos os objetivos de fomentar o setor da construção, sobretudo quando a crise do subprime ainda produzia efeitos negativos na economia mundial. Portanto, o MCMV surge e ganha escala combinando políticas anticíclica e habitacional. Tal hibridismo traz à tona o desafio de equilibrar os interesses do mercado com os princípios e estratégias da política de habitação. Os dados mostram haver evidências de desequilíbrios favoráveis ao primeiro grupo.

Das 4,1 milhões de unidades habitacionais acima mencionadas, 1,4 milhão foram para famílias relativamente mais pobres. Isso significa que apenas 35% do programa atendeu a faixa 1, composta for famílias de renda inferior a R$ 1.800 mensais. Ocorre que a maior parte do chamado déficit habitacional está justamente nas famílias de menor renda. Portanto, os critérios de alocação de recursos do MCMV utilizaram de maneira limitada os dados disponíveis sobre os componentes do déficit habitacional, estimado em 6,4 milhões de moradias. Faltou focalização no atendimento à baixa renda.

Daí emerge o desafio de gestão adequada dos subsídios. Em tese, os subsídios ao MCMV variavam de acordo com a renda e a modalidade de enquadramento do beneficiário. No caso da faixa 1, a prestação mensal máxima deveria ser 5% da renda familiar, o que estabelecia uma prestação mensal entre R$ 25 e R$ 90, implicando subsídio próximo a 95% do valor do imóvel. Tal subsídio, per se, pode não ser um problema desde que as prestações sejam razoavelmente sensíveis à renda disponível e aos gastos com condomínios e outras taxas.

Entretanto, a maior parte dos beneficiários da faixa 1 simplesmente pagava o valor mínimo de R$ 25. É difícil vislumbrar um valor único que capturasse a capacidade de pagamento de uma gama tão variada de pessoas, dispersas geograficamente e de perfis socioeconômicos diversos. Estimamos que, somente dentro da faixa 1, a utilização combinada de diversos valores de prestação, ao invés de unicamente R$ 25, teria economizado recursos capazes de construir 187 mil moradias adicionais. E o subsídio médio continuaria alto (82%).

Algumas recomendações para o aprimoramento do programa:

O histórico das políticas de habitação no Brasil, incluindo o MCMV, evidencia não ser possível enfrentar o desafio habitacional sem recorrer a subsídios. De outra forma, o equilíbrio orçamentário das famílias de baixa renda tende a ser comprometido. Assim sendo, dada a limitação de recursos públicos, a faixa 1 do MCMV, ou uma versão aprimorada dela, que priorize os mais pobres, deveria ser o foco único dos subsídios.

Dado que o subsídio precisa existir e deve ser focalizado, é preciso aprimorar os mecanismos de alocação e evitar o uso de modelos padronizados, que desconsideram as realidades locais e a vida financeira dos mais pobres. A emergência de novas tecnologias, aliadas aos bancos de dados disponíveis, como o Cadin e o Cadastro Único, pode contribuir para o uso de informações locais. Aprendizados do mundo do microcrédito, como o conceito de proximidade, poderiam contribuir para que a alocação de subsídio reflita a realidade financeira das famílias.

Ampliar a modalidade Entidades do MCMV pode ser uma maneira efetiva de implementar políticas habitacionais acopladas às realidades locais nas suas mais diversas dimensões, urbanística, arquitetônica e financeira, com efeitos positivos sobre a alocação de subsídios.

A escala e a diversidade das demandas habitacionais pedem um leque mais amplo de soluções. Nos grandes centros urbanos, por exemplo, a ampliação do aluguel social pode aproveitar o estoque já existente de imóveis, além de facilitar a integração à vida na cidade. Ademais, há evidencias de alteração da composição do déficit habitacional ao longo do tempo, com preponderância do ônus excessivo pelo pagamento de aluguel, sobretudo nos grandes centros, reforçando o papel do aluguel social.

Um amplo mercado de crédito para reformas pode ser utilizado para alcançar a população mais pobre, notadamente nas periferias dos centros urbanos. Embora já haja iniciativas, como o cartão-reforma, a escala é reduzida. Mudanças legais e regulatórias podem trazer novos atores para esse segmento, incluindo instituições de microfinanças e fintechs.

O MCMV precisa continuar e deve ser aprimorado, incorporando novos arranjos e tecnologias que contribuam para o desenho e implementação de políticas públicas de fato inclusivas.