O Estado de São Paulo, n. 46125, 30/01/2020. Economia, p. B1

 

Após negar irregularidade, presidente do BNDES diz que País 'legalizou' corrupção

Idiana Tomazelli

Patrik Camporez

Tânia Monteiro

Adriana Fernandes

30/01/2020

 

 

Justificativa. Em entrevista para explicar os gastos com auditoria que investigou 'caixa-preta' do banco, sem encontrar ilegalidades, Montezano afirmou que o País 'construiu leis, normas, aparatos legais e jurídicos que tornaram legal esse esquema de corrupção'

Após nove dias de silêncio, o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, disse ontem que “não há mais nada a esclarecer” sobre o resultado de uma auditoria milionária que não encontrou irregularidades nas operações do banco com as empresas do Grupo J&F, conforme revelou o ‘Estado’.

Montezano declarou que “não houve nada de ilegal”. Por outro lado, disse que o próprio País “legalizou” um esquema de corrupção que teria resultado, entre outros malfeitos, no uso indevido dos recursos financiados pelo banco. “A gente (Brasil) construiu leis, normas, aparatos legais e jurídicos que tornaram legal esse esquema de corrupção. A conclusão é essa”, disse ele, sem elencar quais leis deveriam ser alteradas para coibir a mesma prática no futuro.

Não pegou bem. No Planalto, o desempenho de Montezano não foi aprovado. A explicação dada para a contratação da auditoria, afirmam fontes, ainda deixou o presidente Jair Bolsonaro “exposto”. No banco, a avaliação é de que Montezano não conseguiu “proteger” os funcionários e deslizou ao dar lição de moral sobre como o Brasil “legalizou” a corrupção. Entendeuse que não havia necessidade de Montezano fazer uma abordagem política do problema.

Montezano decidiu falar sobre o caso após Bolsonaro afirmar que tinha “coisa esquisita” na contratação da auditoria. O Estado revelou que Montezano autorizou o último aumento do contrato, que elevou o preço de US$ 14 milhões para US$ 17,5 milhões, chegando à polêmica cifra de R$ 48 milhões. Ontem, o banco revisou esse valor para R$ 42,7 milhões.

Na entrevista, o presidente do BNDES não citou o termo “caixa-preta”, popularizado por Bolsonaro na campanha eleitoral. Logo após a vitória, o presidente eleito se comprometeu a determinar “a abertura da caixa-preta do BNDES e revelar ao povo brasileiro o que foi feito com seu dinheiro nos últimos anos”. Para muitos apoiadores do presidente, essa abertura teria potencial para revelar malfeitos maiores do que os descobertos pela Operação Lava Jato.

Montezano insistiu que não foi encontrada ilegalidade no banco, embora o presidente ainda defenda a investigação nas operações da instituição. Segundo essas fontes, a “vantagem” do presidente do BNDES é que o chefe direto dele é o ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem o presidente ouve.

À frente da Operação Bullish, que mira negócios entre BNDES e J&F, o procurador Ivan Marx diz que as investigações do Ministério Público Federal e da Polícia Federal apontam crimes de gestão fraudulenta e exportação da corrupção. “Não encontramos legalização da corrupção. Se houve, é importante que se demonstre como ocorreu e quem fez.”