O globo, n.31416, 12/08/2019. Artigos, p. 02

 

Mercosul precisa harmonizar acordos com Europa e EUA

12/08/2019

 

 

Brasil e Argentina estão diante de uma equação geopolítica: construir um acordo de livre comércio com os Estados Unidos em harmonia com o recém-assinado compromisso entre o Mercosul e a União Europeia.

É um desafio sem precedentes para a diplomacia profissional brasileira e argentina. A começar pelo fato de que a negociação precisa ser em bloco, como foi com os europeus, porque o Mercosul se baseia na política comercial e tarifa externa comuns.

Em recente visita a Brasília e Buenos Aires, o secretário de Comércio americano, Wilbur Ross, formalizou o interesse de Washington num acordo de livre comércio. Com o Brasil, requisito preliminar é concluir um tratado de investimentos.

Embora complexa, seria a etapa mais simples. "Existe uma outra situação", disse Ross, referindo-se ao acordo Mercosul-União Europeia: "Já tem um pré-acordo político de livre comércio, agora isso precisa se transformar num acordo detalhado. É importante que nada nesse acordo seja um impedimento para um de livre comércio com os EUA”, disse. “Por exemplo" — continuou —, “nós temos questões com a Comissão Europeia sobre padrões nos setores automotivo, farmacêutico, químico, alimentício e em várias outras áreas. É importante evitar obstáculos que, inadvertidamente, podem aparecer na transação do Mercosul com a União Europeia."

Soou como interessada a advertência americana sobre supostas "armadilhas" embutidas num compromisso arduamente negociado por duas décadas. Há razões objetivas para que, a princípio, assim seja vista. Afinal, até a assinatura do acordo Mercosul-UE as demonstrações de interesse do governo Donald Trump na América do Sul praticamente se restringiam a Cuba, uma ditadura a 150 quilômetros de Miami, e à Venezuela, dona das maiores reservas conhecidas de petróleo na região. Nos dois casos prevalece o interesse eleitoral doméstico de Trump em busca do voto latino para a reeleição no ano que vem, em especial na Flórida, que tem peso relevante no colégio eleitoral.

O avanço europeu no Mercosul, porém, surpreendeu e visivelmente incomodou Washington. Um eventual fracasso dessas negociações com a União Europeia, obviamente, deixaria os EUA em melhor correlação de forças com os países do Cone Sul.

O desafio na mesa da diplomacia do Brasil e da Argentina está em demonstrar capacidade e habilidade para harmonizar pactos abrangentes com europeus e americanos.

Há fatores fora de controle, como o cenário eleitoral argentino, onde o presidente Mauricio Macri tenta a reeleição numa disputa bastante equilibrada. Há, ainda, um relevante lobby da China em contraposição à ofensiva política americana em Brasília e em Buenos Aires.

É jogo pesado, desafiante à competêcia e à biografia dos responsáveis pela política externa regional.