O globo, n.31416, 12/08/2019. Rio, p. 08

 

Sob nuvens de poluição

Lucas Altino

12/08/2019

 

 

O caso de Chernobyl, que es teano virou série de sucesso mundial, foi um marco como o maior desastre nuclear da história. O que poucos sabem é que o Rio tem perigos que, mesmo em escala menor e encobertos por belezas naturais, ameaçam avida e a saúde de moradores e turistas. Em Tanguá, a sedutora Lagoa Azul, que se formou no antigo terreno de uma mineradora, atrai visitantes, e quase todos que se banham em suas águas ignoram que ali houve uma intensa extração de metais de potencial tóxico.

Na Cidade dos Meninos, em Duque de Caxias, uma área de 19 milhões de metros quadrados e cerca de quatro mil moradores permanece, 30 anos depois, sob o efeito do temido pó de broca. E, em Volta Redonda, a população de bairros da periferia convive com uma nuvem de resídios industriais que vêm da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

A história da Cida dedos Meninos não se esgoto unos anos 1940. Depois da remoção de algumas famílias e do isolamento de parte do terreno em 2001, a população nos arredores cresceu para áreas de foco secundário de contaminação. Há até invasões. Se no passado viviam ali não mais do que 400 famílias — ou cerca de 1.600 pessoas —, hoje a estimativa é de que sejam pelo menos 4 mil moradores.

O professor Tácio Campos, de engenharia civil e ambiental da PUC, que acompanhou as tentativas de descontaminação nos anos 1990, lembra que a primeira medida do poder público foi jogar cal sobre o pó de broca, provocando uma reação química que agravou a situação. Mesmo tendo sido aterrada depois, a área oferece perigo, diz ele.

— Com certeza absoluta o pó de broca não foi eliminado. Há risco de doenças graves como câncer, porque o contaminante é volátil e pode estar na água subterrânea, como avaliamos naquela época — afirma, lembrando que no terreno, pertencente à União, funcionava uma fábrica de pesticida do antigo Ministério da Educação e Saúde e o Instituto de Malariologia, que possuía fábrica de Hexaclorociclohexano (HCH), conhecido como Pó de Broca.

Na área, havia casas de funcionários do complexo, escolas e orfanato. O HCH foi proibido no Brasil em 1984, quando se descobriu que era cancerígeno. Tantos anos depois, os moradores manifestam um estranho sentimento, de medo e ceticismo. Membro da associação de moradores local, Margareth Correa reclama da falta de respostas:

— Já fizemos muitos exames, mas ninguém nos dá um documento. E a prefeitura recentemente voltou a falar de remoções, mas o projeto é muito vago. A maioria dos moradores não quer sair.

O prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis, afirmou ao GLOBO que tem um “projeto audacioso” para a região, que pretende, com parceria privada, construir moradias para até 50 mil pessoas, pista de aeroporto e uma área de eventos quatro vezes maior que ado Rock in Rio. Mas assegura que, antes, seria concluído o processo de descontaminação. O custo da limpeza e das indenizações para as famílias removidas seria de R$ 118 milhões, via Ministério da Saúde. O projeto total é avaliado em cerca de R$15 bilhões.

— A descontaminação vai ser por encapsulamento do material, destinado a aterro sanitário—garante Reis, acrescentando que não acredita em contaminação do lençol freático.—Mais da metade da área será parque, sem prédio.

Procurado, o Ministério da Saúde disse que mantém a Cidade dos Meninos sob vigilância, eque a Advocacia-Geralda União analisa ocaso em busca de uma solução. No fim do ano passado, a Fiocruz fez novos exames nos moradores, mas os resultados ainda não ficaram prontos.

O bairro Volta Grande IV, de 1998, foi erguido sobre uma lagoa aterrada que servia como depósito químico da CSN. Investigações revelaram, depois, que o solo tinha sido afetado por vazamento seque as pessoas estavam expostas a uma poeira de resíduos.

Em março, o Ministério Público Federal obteve liminar que obriga a CSNam antera montanha de rejeitos, de onde partículas são arrastadas pelo vento, a uma altura de no máximo quatro metros. Hoje, ela ainda tem 20. No entorno, vive Leonardo Gonçalves um dos primeiros dos 2.700 moradores. Ele conta que, no passado, ninguém tinha noção da gravidade do problema. Hoje, ele diz que tem rinite alérgica, como a maioria dos vizinhos. Bronquite e doenças de pele também são comuns.

— Em 2002, houve uma grande tempestade. Quando foram desentupir os bueiros, algumas pessoas passaram mal. Aqui era como a Lua. Um terreno argiloso, com crateras cheias de lixo tóxico. Já amontanha de escória( resíduos) sem preexistiu, mas cresceu —conta.

A CSN sustenta que não há riscos. Apesar disso, há placas no local recomendando que se evite plantios. Em 2012, um relatório do Inea apontara contaminação na área do condomínio, e hoje a Fio cruz aval iaos níveis de exposição tóxica aos moradores. Coordenadora da pesquisa, F átima Moreira Cesteh explica que os resultados ainda são parciais, mas que, “na melhor das hipóteses”, os moradores terão problemas respiratórios.

—Estamos avaliando a presença de metais no ar, água, sangue e urina. Não temos todos os resultados, mas já vi casos com alta presença de toxicidade. Na verdade, Volta Redonda é uma cidade contaminada —afirma Fátima.

SEM LAUDO HÁ CINCO ANOS

A Lagoa Azul de Tanguá, cinco anos após a saída da mineradora, ainda não teve examinado seu potencial tóxico para frequentadores. Lá funcionava uma pedreira da Sartor, de onde se extraía fluorita, metal usado na indústria siderúrgica. Só na semana passada, de acordo com a Defesa Civil, a Cedae coletou amostras da água para análise.

Professor de gestão ambiental da UFRJ, Renan Finamore diz que, mesmo sem um laudo, é possível falar em riscos:

— Obviamente existe algo. Toda atividade de mineração gera um passivo.

A Sartor não foi localizada. O coordenador da Defesa Civil de Tanguá, Paulo Cesar Miranda, informou que a empresa foi notificada para cercar a área. Duas trilhas são normalmente usadas para chegar ao local. Na semana passada, O GLOBO encontrou cinco jovens de Itaboraí banhando-se nas águas.

— Eu, sinceramente, acho que a contaminação é boato para nos afastar daqui — disse o garçom Alisson Rodrigues, um dos que mergulhavam na “Lagoa Azul”.

Cidade dos Meninos: contágio em dúvida

Morador da Cida dedos Meninos há 70 anos, Jorge da Costa é ex-funcionário de um orfanato. Ele conta que sua mãe trabalhava no laboratório, eque costumava esperá-lano fim do expediente comendo frutas daquela área verde.

— Diziam que estava tudo contaminado eque aquilo ia me matar —diz ele, que já teve contaminação em seu corpo atestada por exames da Fio cruz.

—Encontraram um tóxico típico de fábrica de madeiras. Mas nunca fiquei doente.

Curso de química para aprender sobre os riscos

Ex-funcionário da CSN, o professor Leonardo Gonçalves, da Comissão de Moradores de Volta Grande IV, começou a cursar Química na UFF, tamanho envolvimento que teve com o caso de contaminação no bairro.

Ele reclama que, hoje, a CSN não envia mais técnicos às reuniões, apenas advogados:

—Um dos problemas é que várias das pessoas sorteadas para participar do exame da Fiocruz trabalham na CSN. Aí, não querem participar.

Na lagoa, só mergulha quem não é de Tanguá

Apesar de a Lagoa Azul atrair tanta gente, segundo relatos, os moradores de Tanguá são os mais resistentes ao mergulho, justamente porque têm noção dos riscos. Na cidade, quase todo mundo trabalhou ou conhece um exfuncionário da mineradora.

—Quem mora aqui sabe que ex-funcionários desenvolveram doenças no pulmão. Por isso, agente não mergulha. Tenho primo e amigo que tiveram problemas de saúde— afirma Sidney Junior.