O Estado de São Paulo, n. 46118, 23/01/2020. Política, p. A4

 

Fux revê decisão de Toffoli e suspende juiz de garantias

Rafael Moraes Moura

23/01/2020

 

 

Judiciário. Presidente do Supremo havia adiado a aplicação da medida e determinado um período de transição; suspensão é criticada por Rodrigo Maia e elogiada por Sérgio Moro

O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, impôs ontem uma derrota ao Congresso, ao presidente Jair Bolsonaro e ao presidente da Corte, Dias Toffoli, ao suspender, por tempo indeterminado, a criação do juiz de garantias. A medida prevê dividir entre dois magistrados a análise de processos criminais. Ao derrubar a determinação de Toffoli, que há uma semana havia prorrogado por seis meses a criação da figura e fixado uma regra de transição, Fux apontou “vícios de inconstitucionalidade” na lei.

Ministros ouvidos pela reportagem se declararam estupefatos e avaliaram que a nova decisão, ao contrariar o entendimento de Toffoli, desgasta a imagem do Supremo por causar insegurança jurídica. Como mostrou o Estado, a maioria da Corte aprova a medida.

A suspensão também foi mal recebida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que disse considerá-la “desrespeitosa com o Congresso, com o presidente da República e, principalmente, com o presidente do Supremo”. O Palácio do Planalto não comentou.

Por outro lado, houve comemoração no gabinete do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que havia recomendado veto à medida, mas acabou não sendo atendido por Bolsonaro. “Uma mudança estrutural da Justiça brasileira demanda grande estudo e reflexão”, escreveu Moro no Twitter, ao elogiar a liminar.

Em seu despacho de 43 páginas, Fux apontou a ausência de recursos previstos para a implantação da medida e a falta de estudos sobre o impacto no combate à criminalidade. “Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário nem sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas”, criticou o ministro.

“O resultado prático dessas violações constitucionais é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa. Em outras palavras, tem-se cenário em que o Poder Legislativo induz indiretamente o Poder Judiciário a preencher lacunas legislativas e a construir soluções para a implementação das medidas trazidas pela lei, tarefas que não são típicas às funções de um magistrado”, escreveu Fux.

Custos. O vice-presidente do STF disse ainda que a medida provoca “impacto orçamentário de grande monta” no Poder Judiciário, com deslocamentos de magistrados e aperfeiçoamento do sistema processual. “Todas essas mudanças implicam despesas que não se encontram especificadas nas leis orçamentárias anuais da União e dos Estados”, afirmou Fux. O entendimento é oposto ao de Toffoli, que tem negado o aumento de custos com a medida, sob argumento de se tratar de questão de “organização interna da Justiça”.

Fux assumiu o comando do plantão do Supremo no domingo passado, com as férias de Toffoli, e vai seguir responsável pelos casos do tribunal considerados urgentes até a próxima quarta-feira. A decisão foi tomada em uma ação da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) contra o juiz de garantias.

Atualmente, o juiz que analisa pedidos da polícia e do Ministério Público na investigação é o mesmo que pode condenar ou absolver o réu. A nova regra, agora suspensa por Fux, prevê que o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal e tomar medidas necessárias para o andamento do caso, como autorizar buscas e apreensão e quebras de sigilos telefônico e bancário, até o momento em que a denúncia é recebida. A partir daí, outro magistrado vai acompanhar o caso e dar a sentença.

Repercussão. O episódio marca um estremecimento das relações entre Fux e Toffoli, que já estavam desgastadas. Antes da suspensão, interlocutores do presidente do Supremo ouvidos reservadamente pela reportagem minimizavam as chances de Fux derrubar a decisão do presidente do tribunal.

No Congresso, além de Maia, parlamentares do grupo de trabalho da Câmara que incluiu o dispositivo no pacote anticrime lamentaram a decisão. “Surpreendente e lamentável. O ministro Fux desconsiderou a clara manifestação de vontade de dois Poderes da República”, afirmou o deputado Fábio Trad (PSD-MS). “É uma típica decisão que só reforça o discurso de que o ativismo judicial reclama um debate mais aprofundado pela sociedade.”

A expectativa de Trad é de que, no plenário do STF, o juiz de garantias seja retomado. Não há prazo para que a ação que questiona a medida seja examinada no plenário da Corte.

Relator do pacote anticrime na Câmara, mas que foi contrário à inclusão da figura do juiz de garantias na lei, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) comemorou. “Fico muito feliz. A decisão do Toffoli, de suspender por 6 meses, não era suficiente”, disse o parlamentar, que considera que o instrumento é “inviável” e favorece “criminosos e corruptos”.

TRECHO

“Aimplementação do juízo das garantias causa impacto... ... orçamentário de grande monta ao Poder Judiciário (...) Todas essas mudanças implicam despesas que não se encontram especificadas nas leis orçamentárias da União.”

PONTOS-CHAVE

Dispositivo é previsto na Lei Anticrime

Legislativo

Idealizado pelo ministro Sérgio Moro, o pacote anticrime foi desidratado no Congresso; na Câmara, foi incluído no projeto o juiz de garantias.

Executivo

Em dezembro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto anticrime e, contrariando Moro, manteve o juiz de garantias. Partidos e entidades de magistrados foram ao Supremo contra a medida.

Judiciário

No último dia 15, o presidente do STF, Dias Toffoli, adiou por 6 meses a implementação do juiz de garantias. Ontem, Luiz Fux suspendeu a medida.

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Cirurgia de decano pode adiar análise sobre Moro

Rafael Moraes Moura

23/01/2020

 

 

Celso de Mello passou por operação no quadril ontem; ação sobre suspeição de ministro da Justiça deve atrasar

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, passou na manhã de ontem por uma cirurgia na região do quadril, no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. A licença médica do ministro, prevista para durar até 19 de março, deve levar ao adiamento dos julgamentos sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal e da suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá, segundo o Estado apurou.

De acordo com o gabinete de Celso, ele “passa bem”. Procurada, a assessoria do hospital Sírio-Libanês não se manifestou.

O afastamento do ministro por questões médicas deve alterar o calendário do STF. O presidente da Corte, Dias Toffoli, havia marcado para 5 de fevereiro a retomada do julgamento sobre a validade da Lei de Responsabilidade Fiscal, que só depende de Celso para ser finalizado. Também deve ser adiada a discussão sobre a suspeição de Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá.

Integrantes da Corte avaliaram reservadamente que a discussão do caso – que ganhou novos contornos depois da revelação de conversas privadas de Moro e procuradores pelo site The Intercept Brasil – deve ser feita com a composição completa da Segunda Turma do STF.

Ao longo dos últimos meses, Celso de Mello vinha se queixando de dores e utilizava uma cadeira de rodas para acompanhar as sessões plenárias.

Uma das vozes mais críticas ao governo Jair Bolsonaro dentro do tribunal, o ministro deve deixar o STF em novembro, quando completa 75 anos, abrindo caminho para que o presidente da República faça a primeira indicação para a Corte.