Valor econômico, v. 20, n. 4755, 22/05/2019. Legislação&Tributos, p. E2

 

Inovações da MP da Liberdade Econômica

André Gustavo Salvador Kauffman

22/05/2019

 

 

A cena é comum, qualquer empresário já passou por ela ao consultar um bom advogado. Nas mãos um contrato, da boca sai a pergunta: tenho direito? "Depende" - a inevitável resposta. Quanto mais experiente e capacitado for o colega, mais variáveis exporá ao cliente. O ativismo judicial, a lei e suas cláusulas abertas, a vontade de fazer justiça em vez de aplicar a lei e o contrato. No máximo, o cliente recebe as contábeis avaliações de risco (remoto, possível e provável). Acaba a reunião, ficam as dúvidas.

Litígios contratuais e empresariais são imprevisíveis, e infelizmente é esse o cenário brasileiro das últimas duas décadas. Basta o julgador reputar injusta uma cláusula para deixar de aplicá-la, modificá-la ou aplicá-la parcialmente. Vivemos a era do subjetivismo, do certo ou errado, do justo ou injusto, sempre reféns da opinião e ideologia de um juiz ou tribunal. A lei se torna mero detalhe, presta apenas para amparar o senso de justiça do julgador.

No Brasil, a força vinculante dos contratos perdeu a disputa com o intervencionismo contratual. Reputo ao Código Civil de 2002 um marco histórico, mas antes dele já havia sinais legislativos (p. ex., Código de Defesa do Consumidor de 1990) e jurisprudenciais (p. ex. onerosidade excessiva na crise das bandas cambiais de 1999). Tampouco negarei aqui a sofisticação científica existente no entorno de temas como função social do contrato, boa-fé etc. Serei propositadamente raso e perguntarei: no ambiente empresarial, está tudo certo? Óbvio que não! Essa reflexão basta para concluir que algo precisava mudar.

A atividade empresarial detesta imprevistos. Para investir é necessário uma série de fatores, mas a garantia de que um contrato será respeitado é, sem dúvida, uma das mais importantes. Assinar um papel imaginando que ele pode ser ignorado pelo Poder Judiciário inibe a atividade econômica, trava a geração de empregos, possui efeitos nefastos. A economia detesta imprevistos.

Também com a intenção de enfrentar esse problema foi editada a Medida Provisória nº 881 (MP da Liberdade Econômica), de 30 de abril de 2019, por meio da qual se "institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica" e "estabelece garantias de livre mercado". No âmbito do direito civil e empresarial há mudanças importantíssimas, algumas aqui tratadas.

A primeira delas é a liberdade de definir preços de produtos e serviços. Salvo emergência ou calamidade pública, o preço fixado pelo empresário deverá ser observado "por qualquer autoridade". Na era da intervenção nos preços dos combustíveis até por conversa telefônica, a novidade chega em boa hora. E quem já negociou contratos sabe o receio de precificar errado e ver a avença descambar em subjetivismos. Agora não mais. Preço aceito é preço que deve ser acatado, inclusive pelo Poder Judiciário.

Outra novidade interessantíssima é o prestígio da vontade das partes, disposta no contrato, "de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado". Mesmo contra norma de ordem pública, as cláusulas contratuais prevalecerão. Grosso modo, quem contrata contra a lei ficará impedido de ir ao Judiciário em busca do benefício dela. Será possível, em tese, empresas mutuarem a juros superiores ao limite legal ou convencionarem multas contratuais acima do valor da obrigação.

Em mais uma inovação, os juízes só intervirão nos contratos privados excepcionalmente, "prevalecerá o princípio da intervenção mínima do Estado". Aqui o comando é amplo, abrange os Poderes Executivo e Judiciário. Aliás, os empresários são considerados presumidamente iguais, cabendo a cada qual os riscos assumidos nos contratos. Por mais injusto que possa parecer o acordo feito entre empresários, o juiz deverá fazer cumpri-lo.

Um último exemplo de mudança repousa na possibilidade de os empresários estabelecerem "parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual", limitando o subjetivismo judicial. Será possível definir negocialmente quando uma imprevisão justificará a revisão do contrato ou mesmo excluir uma hipótese legal de resolução (p. ex., onerosidade excessiva).

Vale observar que estou a escrever acerca de negócios realizados entre empresas, as relações interempresariais, na linguagem usada na MP da Liberdade Econômica. Relações de consumo e contratos de adesão merecem e possuem regras próprias. Porém, em fusões e aquisições e contratos mercantis de toda sorte valerá o escrito. O Poder Judiciário pode intervir o mínimo possível, fazendo valer a estrita vontade das partes.

Contrapontos sempre existem. Há insegurança no uso da via da medida provisória. Já são ouvidas vozes pela inconstitucionalidade ou deduzindo da MP da Liberdade Econômica temas espinhosos como a extinção do exame de ordem para se tornar advogado. Portanto, muito se deverá estudar, ainda que as regras estejam em vigor desde 1º de maio. Valem para qualquer contrato assinado desde então.

Tomara as mudanças permitam que, em alguns anos, o empresariado possa receber da advocacia uma resposta objetiva quando tiver dúvidas sobre o contrato que firmou. O Brasil agradece!