O Estado de São Paulo, n. 46119, 24/01/2020. Política, p. A10

 

Ministros querem levar liminar de Fux a plenário

Rafael Moraes Moura

24/01/2020

 

 

Para Marco Aurélio, suspensão do juiz de garantias ‘desgasta’ a imagem da Corte; Lewandowski fala em ‘insegurança jurídica’

Um dia depois de o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, suspender por tempo indeterminado a criação do juiz de garantias, integrantes da Corte pressionaram publicamente o colega para liberar o mais breve possível para julgamento as ações que contestam a Lei Anticrime. Um dos receios é de que Fux segure os processos por anos, como fez com a liminar que autorizou o pagamento de auxílio-moradia a magistrados – o benefício custou pelo menos R$ 1 bilhão. Não há previsão de quando o ministro vai liberar o caso para a análise do plenário.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, a medida de Fux – que derrubou uma decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli – é um “descalabro”, “desgasta barbaramente” o STF e “só gera insegurança jurídica”. O ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, disse que não cabe à Corte avaliar a conveniência do dispositivo, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, e cobrou o julgamento do tema com rapidez. Como o Estado mostrou, a maioria dos ministros do STF é a favor do juiz de garantias.

“O Supremo precisa manifestar-se o quanto antes sobre a constitucionalidade do juiz de garantias, em favor da segurança jurídica, não lhe cabendo fazer qualquer consideração acerca da conveniência ou oportunidade de sua criação, cuja avaliação compete privativamente ao Congresso Nacional e ao presidente da República”, disse Lewandowski.

Anteontem, Fux derrubou uma decisão de Toffoli, que havia prorrogado por seis meses a entrada em vigor do juiz de garantias e até fixado uma regra de transição. O dispositivo prevê dividir entre dois magistrados a análise de processos criminais. Atualmente, o juiz que analisa pedidos feitos pela polícia e pelo Ministério Público na investigação é o mesmo que pode condenar ou absolver o réu.

A canetada de Fux contrariou Toffoli, deixou “estupefatos” ministros e foi duramente criticada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que considerou a decisão “desnecessária e desrespeitosa” com o Parlamento. Por outro lado, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, comemorou. Ele havia recomendado a Bolsonaro o veto ao dispositivo, mas não foi atendido.

‘Autofagia’. A exemplo de Lewandowski, Marco Aurélio também quer que o tema seja analisado pelo plenário da Corte o quanto antes. Na avaliação do ministro, o episódio marca um “círculo vicioso” que causa “descrédito” para o Supremo. “Desgasta barbaramente, só gera insegurança jurídica. Nos ombreamos, não há superioridade hierárquica (entre os ministros) e tudo deve ser feito para preservar a envergadura da cadeira do presidente do STF”, afirmou Marco Aurélio.

“É uma autofagia. Isso só leva ao descrédito da instituição, e é muito ruim porque gera insegurança jurídica. Onde já se viu vice-presidente, no exercício da presidência (no plantão) cassar ato do presidente? Isso é de um descalabro. Por enquanto, ainda não foi eleito presidente (do STF) o ministro Fux, muito menos tomou posse como tal”, acrescentou Marco Aurélio.

Integrantes do STF ouvidos pela reportagem avaliaram que uma das consequências práticas da decisão de Fux, ao derrubar a liminar de Toffoli, foi antecipar a sucessão no tribunal. Fux assumirá o comando do STF apenas em setembro, por um período de dois anos. Procurado pela reportagem, o gabinete de Fux informou que o ministro não se manifestaria.

Grupo. Segundo o Estado apurou, a liminar de Fux também surpreendeu integrantes do grupo de trabalho criado por Toffoli no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para propor uma regulamentação do juiz de garantias. De acordo com o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, a suspensão da medida, no entanto, não vai afetar o cronograma de atividades.

“Todas as providências serão adotadas e, no prazo determinado pelo ministro Toffoli, será entregue o ato normativo. A decisão do ministro Fux, liminarmente, no exercício da presidência do Supremo, não afeta o cronograma de trabalho”, disse Martins. A equipe deve concluir as funções em 29 de fevereiro.

Em despacho de 43 páginas, Fux apontou a ausência de recursos previstos para a adoção da medida e a falta de estudos sobre o impacto do juiz de garantias no combate à criminalidade. “Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário nem sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas”, escreveu o vice-presidente do Supremo.

Fux assumiu o plantão do tribunal no domingo passado, com as férias de Toffoli, e vai seguir responsável pelos casos do tribunal considerados urgentes até a próxima quarta-feira. A decisão foi tomada em uma ação da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) contra a criaçso do juiz de garantias.

Repercussão

“Isso só leva ao descrédito da instituição, e é muito ruim porque gera insegurança jurídica. Onde já se viu vice-presidente, no exercício da presidência, cassar ato do presidente? Isso é de um descalabro.”

Marco Aurélio Mello

MINISTRO DO SUPREMO

“O Supremo precisa manifestar-se o quanto antes sobre a constitucionalidade do juiz de garantias, em favor da segurança jurídica, não lhe cabendo fazer qualquer consideração acerca de sua conveniência.”

Ricardo Lewandowski

MINISTRO DO SUPREMO

CRONOLOGIA

Da Congresso ao Supremo

11 de dezembro Aprovação

Com alterações em relação à proposta enviada por Sérgio Moro, Lei Anticrime é aprovada no Congresso.

24 de dezembro Sanção

Com 25 vetos, o texto é sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, mantendo o juiz de garantias.

15 de janeiro Prazo

Presidente do STF, Dias Toffoli adia em 6 meses a vigência do juiz de garantias.

22 de janeiro Suspensão

Em decisão liminar, o ministro Luiz Fux suspende a adoção do juiz de garantias por prazo indeterminado.