Título: Recontagem das penas
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 10/11/2012, Política, p. 2

Controvérsias entre ministros no cálculo da punição dos condenados vão obrigar o Supremo a reanalisar a situação de cada um dos réus antes de dar o veredicto

As divergências entre ministros quanto à forma de calcular as penas dos 25 condenados no processo do mensalão levarão o Supremo Tribunal Federal (STF) a realizar uma espécie de segunda rodada de dosimetria, o que estenderá o julgamento pelo menos até dezembro. Em cinco sessões já dedicadas à análise das penas de cada acusado, os ministros conseguiram concluir somente os casos de três réus do núcleo publicitário: o empresário Marcos Valério e dois ex-sócios. Diante das controvérsias em plenário e da interminável dúvida quanto à soma ou não de penas referentes a tipos penais iguais, quatro ministros ouvidos pelo Correio admitem que, após o término da dosimetria, o plenário voltará a analisar a situação de cada réu para somente depois dar os veredictos.

O relator da Ação Penal 470, Joaquim Barbosa, tem se mostrado contrário à revisão de qualquer pena. Embora não venha falando publicamente do tema, o magistrado já deu mostras de que não pretende retomar o cálculo das penas, mas seguir diretamente para a definição de outros dois pontos ainda em aberto — a cassação automática dos mandatos dos deputados e o pedido de prisão imediata dos réus.

Marco Aurélio, por sua vez, manifestou em plenário na quinta-feira que as penas que vem fixando não são definitivas. Ele adotou como método votar relativamente a cada delito, mas já adiantou que no caso de Marcos Valério, por exemplo, considerará, ao fim do julgamento, como um crime único e continuado as corrupções referentes à compra de apoio parlamentar e ao Banco Brasil, e os dois peculatos do item relacionado à acusação de ter corrompido o ex-diretor de Marketing do BB Henrique Pizzolato. Tal medida reduzirá, segundo ele, a pena relativamente a Valério para 23 anos de prisão. Caso essa metodologia prevaleça, a pena, conforme a contagem do relator, diminuiria para 31 anos.

"Não tenho dúvida de que haverá (uma segunda rodada da dosimetria). Ficou pendente no julgamento aquele problema da continuidade delitiva, que vai ficar para depois do cálculo dos 25 réus", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, que ontem voltou a criticar Joaquim Barbosa. "Deus queria que ele entenda que o presidente coordena, e não enfia goela abaixo o quer que seja. Nós somos iguais, nos completamos mutualmente. A divergência é própria do regime democrático. Não estamos ali para o relator colocar a matéria e sermos vaquinhas de presépio para dizer amém", frisou o magistrado, em São Paulo, onde participou de uma cerimônia da Advocacia-Geral da União.

Advogados Para o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de um ex-executivo do Banco Rural condenado no processo do mensalão, é possível que o Supremo volte a apreciar as penas após a dosimetria. "Talvez seja preciso um ajuste", admitiu, antes de ponderar que é preciso aguardar os próximos passos do julgamento, que, segundo ele, está em um ritmo mais lento que o esperado inicialmente.

Já Marcelo Leonardo, defensor de Marcos Valério, disse acreditar que a punição de seu cliente será reavaliada após o término do cálculo das penas dos 25 condenados. "De fato deve ocorrer uma revisão em relação a Marcos Valério, porque já há uma questão levantada pelo ministro Marco Aurélio, e os demais ministros vão ter que se posicionar", frisou o defensor do operador do esquema de compra de apoio parlamentar ao primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Acredito que vai haver sim um reajustamento ao término do julgamento, que, no ritmo atual, com certeza vai se estender até dezembro", completou Leonardo. O ministro Luiz Fux confirma que no fim da dosimetria será necessária a realização de um "pente-fino" para que não haja erros nem discrepância entre as penas.

"A divergência é própria do regime democrático. Não estamos ali para o relator colocar a matéria e sermos vaquinhas de presépio para dizer amém" Marco Aurélio Mello, presidente do STF

Ritmo lento » O STF já realizou cinco sessões destinadas ao cálculo das penas dos 25 condenados no processo do mensalão. No entanto, concluiu a dosimetria de somente três réus e iniciou a soma das penas de outros dois integrantes do chamado núcleo publicitário.

» O ritmo do julgamento vai diminuir a partir da semana que vem, quando apenas duas sessões serão realizadas, em função do feriado da Proclamação da República, no dia 15. Nas semanas seguintes, haverá também somente dois encontros em plenário, pois as quintas-feiras dias 22 e 29 estão reservadas, respectivamente, para as posses de Joaquim Barbosa, no cargo de presidente do Supremo, e de Teori Zavascki em uma vaga de ministro da Corte.

» O relator do processo, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski, não chegaram a um denominador comum e pelo visto nem se acertarão até o fim do julgamento quanto à fixação das penas dos réus. O primeiro tem sido incisivo ao aplicar punições rígidas. O segundo defende a tese de que deve se considerar circunstâncias mais favoráveis aos réus para que as penas não cheguem a patamares mais elevados, como ocorreu na pena fixada até então para o empresário Marcos Valério, superior a 40 anos de prisão.

» Ao término do cálculo das penas dos 25 condenados, os ministros deverão retomar a situação de cada réu para revisar as punições impostas. Nos casos dos punidos por participação em mais de um crime, há a possibilidade de se considerar a continuidade delitiva, na qual a repetição de um é considerada apenas um agravante, e não outro delito.

No rastro do dinheiro

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou ontem que é preciso aguardar a publicação do acórdão do processo do mensalão para que o poder público tome qualquer ação no sentido de rastrear o dinheiro que teria sido desviado no esquema. Cardozo destacou que "não parece ainda muito claro" que tenha havido desvio de recursos públicos. "Quando a decisão do Supremo estiver estampada num acórdão, vamos ter um divisor de águas sobre o que foi dinheiro público e o que foi dinheiro privado. A partir desse acórdão é que as medidas poderão ser tomadas, se comprovado que houve uso de dinheiro público", disse o ministro.