Correio braziliense, n. 20527, 03/08/2019. Política, p. 2

 

Procurador no centro da crise

Jorge Vasconcellos

Augusto Fernandes

03/08/2019

 

 

A reação de alguns ministros do Supremo Tribunal (STF) à divulgação de novos diálogos atribuídos a membros da Lava-Jato elevou as pressões sobre o procurador Deltan Dallagnol, alvo também de procedimentos disciplinares em curso no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Encabeçada pelos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, uma articulação foi iniciada para afastar o procurador das funções de coordenação da operação em Curitiba, após o jornal Folha de S. Paulo e o site The Intercept Brasil publicarem reportagem, na quinta-feira, relatando que ele incentivou colegas, em mensagens trocadas no aplicativo Telegram, a investigar o presidente da Corte, Dias Toffoli, sigilosamente. Especialistas consultados pelo Correio divergem sobre a competência do tribunal para afastar de ofício autoridades do Ministério Público.

Uma das hipóteses em discussão pelos ministros é a de investigar a conduta de Dallagnol na esfera do inquérito que apura a divulgação de fake news sobre o STF. Relator do controverso procedimento, Alexandre de Moraes determinou, na segunda-feira, a suspensão de qualquer apuração em curso na Receita Federal que possa ter como alvo autoridades da Corte. A decisão favoreceu no total 133 contribuintes, incluindo o ministro Gilmar Mendes e a advogada Roberta Rangel, mulher de Toffoli.

Moraes também ordenou que as mensagens apreendidas com suspeitos de hackeamento, presos pela Polícia Federal, em São Paulo, fossem encaminhadas ao STF num prazo de 48 horas, assim como cópia do inquérito que investiga a invasão de celulares de autoridades da República. Além disso, Luiz Fux proibiu a destruição do material hackeado.

Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, a competência de decidir sobre o afastamento de Dallagnol é do Ministério Público. “O MPF teria de tomar essa providência por meio do CNMP, por exemplo, e fazer uma investigação sobre as mensagens de Dallagnol. Depois, com a Polícia Federal, avaliar se o denuncia ou não”, explicou. “Na hipótese de Dallangol ser denunciado, aí sim, o assunto chegaria ao STF, onde todo o plenário julgaria e votaria a decisão, e não apenas um ministro.”

Opinião divergente tem Thiago Turbay, coordenador-adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM-DF). Ele disse que o STF, no caso em questão, tem competência para afastar Dallagnol da coordenação da Lava-Jato. “A investigação ilegal sobre membros do STF dá à Suprema Corte o direito de investigar essa ilegalidade. Houve uma investigação coordenada pela força-tarefa e executada pela Receita Federal, que integra a Lava-Jato. Os diálogos divulgados sugerem, inclusive, uma triangulação de valores e bens que seriam endereçados aos ministros”, frisou.

Barroso

Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) criticou a determinação de Moraes de suspender as investigações que atingem ministro e de afastar dois servidores da Receita. “É mais um capítulo do ilegal Inquérito nº 4.781, aberto pela Corte, sem objeto e investigados definidos e que tramita em segredo de Justiça, sem acesso por parte do Ministério Público Federal”, diz o comunicado. “Desde a sua gênese, a investigação citada afronta o Estado Democrático de Direito ao usurpar atribuição do Ministério Público, determinar apuração sem fato determinado e limitar a liberdade de expressão e, agora, o exercício de competências de servidores públicos previstas em lei.”

Ontem, em palestra em São José dos Campos, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, fez duras críticas aos hackeamentos. “É preciso estar atento porque parte da agenda brasileira hoje foi sequestrada por criminosos. É muito impressionante a quantidade de gente que está eufórica com os hackeadores, celebrando o crime. E, na minha percepção, há mais fofocas do que fatos relevantes, apesar do esforço de se maximizarem esses fatos”, disparou. “Com um detalhe importante aqui: é que, apesar de todo o estardalhaço que está sendo feito, nada encobre o fato de que a Petrobras foi devastada pela corrupção, não importa o que saia nas gravações. (...) Nada encobre a corrupção sistêmica, estrutural e institucionalizada que houve no Brasil.”

Julgamento

Os atos no STF ocorrem no momento em que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) agendou para o próximo dia 13 uma sessão plenária cuja pauta inclui, no item 90, a Reclamação Disciplinar nº 1.00212/2019-78, movida pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) contra Dallagnol.

No documento, protocolado em 19 de março deste ano, o parlamentar alagoano reclama que, desde 2017, ainda no período pré-eleitoral, o procurador do Paraná empreende campanha contra seu nome, “em nítida tentativa de influenciar o resultado do pleito”. Ao anunciar a reclamação disciplinar pelo Twitter, Calheiros chamou Dallagnol de “pistoleiro de reputações”. Uma outra Reclamação Disciplinar sobre a conduta do coordenador da Lava-Jato foi instaurada em 16 de julho pelo corregedor do Ministério Público, Orlando Rochadel, mas ainda não entrou na pauta.

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Dodge nega estar sob pressão

 

 

 

 

 

Renato Souza

Augusto Fernandes

Rodolfo Costa

03/08/2019

 

 

 

Novos fatos envolvendo a Operação Lava-Jato colocam em choque os interesses do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Procuradoria-Geral da República. Num comunicado, a PGR negou que a chefe do Ministério Público Federal (MPF), Raquel Dodge, esteja sofrendo pressão para afastar o coordenador da força-tarefa no Paraná, Deltan Dallagnol, do cargo ou das ações da operação. Ele é alvo de suspeitas envolvendo investigações informais contra o presidente do STF, Dias Toffoli.

De acordo com reportagens do site The Intercept e do jornal Folha de S. Paulo — a partir de conteúdo hackeado —, Dallagnol pediu a procuradores de Brasília que obtivessem dados financeiros de Toffoli e o endereço de uma casa pertencente ao ministro que passou por reformas realizadas pela construtora OAS, envolvida em esquema de corrupção revelado pela Lava-Jato. De acordo com a Constituição, apenas a PGR pode investigar magistrados do STF.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, deu 48 horas para que sejam enviadas à Corte cópias dos diálogos apreendidos pela PF com quatro suspeitos de hackeamento, na Operação Spoofing. As mensagens são as que supostamente Dallagnol trocou com outros integrantes do MPF. Em nota, a PGR negou a pressão e disse que o procurador tem a garantia legal de não ser afastado dos processos da Lava-Jato.

Apoio

O presidente Jair Bolsonaro reafirmou, ontem, sua confiança no ministro da Justiça, Sérgio Moro. O chefe do Executivo disse também não se preocupar com a possibilidade de as provas colhidas na Operação Spoofing serem consideradas válidas. “Ele, no meu entender, prestou um grande trabalho à nação, até pouco tempo atrás, mostrando as entranhas da corrupção no Brasil. Não posso falar nada mais além disso. Já falei para vocês, né?”, ressaltou.

Moro foi uma das autoridades da República que tiveram celular invadido pelos hackers presos. Existe a expectativa de o material apreendido comprovar ou não a veracidade das reportagens publicadas pelo Intercept. O site publicou supostas mensagens trocadas entre o então juiz Moro e procuradores da Lava-Jato. O teor sugere ilegalidade na conduta do agora ministro.

“A procuradora-Geral da República Raquel Dodge não sofreu qualquer pressão de qualquer tipo para determinar a medida de afastamento referida na matéria, de quem quer que seja, e tampouco convocou, ou realizou reunião de emergência para discutir o assunto na quinta-feira dia 1º ou em qualquer data anterior ou posterior”, informou a PGR.