O globo, n.31414, 10/08/2019. Economia, p. 22

 

CVM vai avaliar novas acusações contra Eike 

Rennan Setti 

10/08/2019

 

 

As acusações que levaram à segunda prisão de Eike Batista têm o potencial de gerar novos processos contra o empresário na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O órgão que regula o mercado considera que a delação do banqueiro Eduardo Plass traz fatos novos sobre os crimes financeiros de Eike e vai analisá-los, disse uma fonte da CVM. A maior novidade é o uso de empresa fantasma pelo ex-bilionário para manipular ações e fazer transações com informação privilegiada. Até então, nos 12 processos em que Eike foi acusado na CVM, as irregularidades teriam sido cometidas em seu próprio nome.

Com base em acordo celebrado com o Ministério Público Federal (MPF) em 2008, a CVM pedirá acesso aos detalhes do processo criminal para decidir sobre a abertura de novas apurações, disse a fonte. Pelo menos três dos crimes teriam potencial para desencadear processos na CVM, já que buscaram manipular ações negociadas na Bolsa brasileira.

A investigação relata que Eike usou a empresa TheAdviser Investiments (TAI), controlada por Plass e sediada no Panamá, para comprar e vender papéis de cinco empresas sem ser identificado, violando regras do mercado. Sem ter seu nome exposto, Eike dificultava o papel do regulador em flagrar operações vedadas, como as realizadas durante processos de venda de ativos, e mascarava sua real participação nos negócios.

O processo também mostra uma nova dimensão dos crimes de manipulação de mercado cometidos por Eike. Nas apurações julgadas pela CVM —que já multou Eike em quase R$ 560 milhões —, o empresário manipulou cotações por meio de informações enganosas, no Twitter ou em comunicados oficiais. Segundo Plass, porém, o ex-bilionário também fez uso de fluxo artificial de compras na Bolsa para mexer com as cotações.

NEGÓCIOS COM MMX E MPX

As operações foram realizadas na antiga Bovespa (atual B3) e nas Bolsas de Toronto, Nova York e Irlanda. Apenas as transações com papéis relacionados à MMX e à MPX —que integravam o "grupo X" — ocorreram no Brasil.

As operações aconteceram em 2013, quando o conglomerado já vivia seu ocaso, ajudando o empresário a se desfazer de suas participações. Para o MPF, tratou-se de "manipulação orientada para contratos', na qual a vantagem não se traduz apenas em lucros na Bolsa, mas em impactos positivos em negociações fora dela.

Um dos crimes narrados é a manipulação do papel MMXM11, que representava uma dívida da mineradora MMX com acionistas da PortX, incorporada pela outra empresa. Entre março e junho de 2013, Eike comprou R$ 24,4 milhões dos papéis, cujo preço teria sido influenciado pelas operações.

Segundo o MPF, Eike manipulava o mercado enquanto negociava a venda da MMX sem comunicar aos investidores. Os papéis MMXM11 estavam ligados à promessa de início de funcionamento do Porto Sudeste, crucial para o futuro da mineradora. O objetivo da fraude seria "dar a impressão a eventuais compradores de que setores do mercado ainda acreditavam no cumprimento da promessa (de que o Porto do Sudeste entraria logo em funcionamento)", escreveram os procuradores.

As operações fraudulentas teriam mantido o valor dos papéis entre R$ 2,20 e R$ 2,70 naquele período. O MPF acrescentou que a cotação sofreria queda brusca logo após Eike encerrá-las. Menos de quatro meses depois, 65% do Porto Sudeste foram vendidos por quase R$ 3 bilhões. Segundo os acusadores, a fraude foi determinante para que Eike obtivesse aquela cifra.

Também na Bovespa teria ocorrido a manipulação das ações da empresa de energia MPX —hoje Eneva, sem qualquer relação com Eike. Ele fez operações fantasmas de compra e venda das ações entre janeiro e abril de 2013, no total de R$ 85,2 milhões. Em um processo julgado pela CVM, Eike foi multado em R$ 300 mil por não divulgar fato relevante a respeito das negociações para a venda do controle da MPX ao grupo E.ON. Mas os procuradores sustentam que "a atuação ilícita de Eike (...) era muito mais grave", pois também usava conta fantasma para manipular os papéis sem que ninguém soubesse.

OPERAÇÕES COM 'BONDS'

Eike também realizou US$ 38,7 milhões em operações fraudulentas com bonds (títulos de dívida emitidos no exterior) da OGX na Irlanda. Para o MPF, o objetivo foi "frear ou adiar o descrédito que a inviabilidade operacional das promessas feitas pela empresa vinha gerando?' A princípio, negociações de bonds lá fora não estão sob jurisdição da CVM. Mas, em sua decisão, o juiz Marcelo Bretas deu a entender que a fraude pode ter afetado os papéis da petrolífera na Bolsa. Segundo a fonte da CVM, se isso for confirmada a autarquia também pode agir.

Procurada pelo GLOBO, a CVM disse apenas que "acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo o mercado de capitais brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário."