O globo, n.31413, 09/08/2019. País, p. 04

 

A caneta, o ministro e o chefe 

Jussara Soares

Gustavo Maia 

Marco Grillo

Jailton de Carvalho

09/08/2019

 

 

Em meio a sucessivas mudanças que a Câmara começa a fazer no pacote anticrime, o ministro da Justiça, Sergio Moro, enfrenta também desgaste crescente no Palácio do Planalto. Em público, nenhum integrante do governo Jair Bolsonaro ousa criticá-lo, mas, nos bastidores, o entorno do presidente já demonstra incômodo com o ex-juiz, alçado à popularidade por sua atuação ao julgar processos da Operação Lava-Jato.

A principal crítica, segundo integrantes do Planalto, é que Moro tem agido de modo isolado, como se ainda estivesse no comando da 13ª Vara Federal, em Curitiba, sem necessidade de dar satisfações a ninguém. Bolsonaro expressou essa avaliação em discurso na manhã de ontem, ao declarar compreender a “angústia” de Moro pelo fato de o ministro vir de uma função em que ele “decidia com uma caneta na mão”, “de forma unilateral”.

Convidado à noite a participar de uma transmissão ao vivo ao lado do chefe, o ministro, ao ouvir várias vezes menção ao “projeto do Moro”, disse que o pacote anticrime “não é do Moro, mas do governo Bolsonaro”.

Embora o presidente tenha prometido autonomia no comando da pasta, esperava-se que o ministro submetesse seus projetos e posicionamentos antes de torná-los públicos. Na definição de um integrante do governo, Moro se relaciona com o presidente como se tratasse com uma instância superior no Judiciário, que pode rever suas decisões, mas não precisa ser consultado previamente.

APOIO POPULAR

Bolsonaro defendeu ontem dar uma “segurada” na tramitação do pacote anticrime para não tumultuar a relação com o Congresso e colocar em risco reformas econômicas. Ele pediu paciência ao subordinado.

— Moro está vindo de um meio onde ele decidia com uma caneta na mão. Agora, não temos como decidir de forma unilateral. Ele não julga mais ninguém. Entendo a angústia dele (Moro) em querer que o projeto dele vá para a frente, mas nós temos que diminuir o desemprego, fazer o Brasil andar. Sabemos que uma pressão em cima da reforma dele agora atrapalha um pouco a tramitação dessa reforma mãe nossa. Eu tenho falado com ele, (pedindo) um pouco mais de paciência — disse o presidente.

Entre auxiliares do campo jurídico da Presidência, a avaliação é que Moro tem servido mais como um “boa estratégia de propaganda e marketing”, em função de sua popularidade, do que como um aliado. Além de reclamações de que Moro não defende vigorosamente pautas de Bolsonaro, como os decretos das armas, outro indício do distanciamento é o fato de já se cogitar que ele não seja o escolhido de Bolsonaro para a primeira vaga a ser aberta no Supremo Tribunal Federal, em 2020.

Do ponto de vista estratégico, entretanto, auxiliares do presidente admitem que não é conveniente criar uma tensão pública com Moro. O vazamento de diálogos com procuradores da Lava-Jato não trouxe danos relevantes à sua popularidade, e ele ganhou apoio em manifestações nas ruas. O ministro também tem sido mais atuante nas redes sociais, principalmente o Twitter, veículo preferencial do presidente.

Em outro movimento de aproximação com Bolsonaro, Moro pediu à Procuradoria Geralda República( PGR) que investigue o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por suposto crime de calúnia. O crime teria sido cometido quando Santa Cruz disse que Moro“banca oche fede quadrilha” nas investigações sobre o hacker suspeito de invadir aplicativos de celulares do ministro e de outras autoridades. Na semana passada, Bolsonaro fez seguidos ataques a Santa Cruz, inclusive dizendo saber como teria morrido o pai dele, que desapareceu na ditadura militar e teve um atestado de óbito expedido pela Comissão de Mortos e Desaparecidos como vítima do regime.

Na transmissão ao vivo à noite, Bolsonaro abriu espaço para que Moro defendesse o pacote anticrime. E completou dizendo esperar que o Congresso “se debruce sobre isso e bote em votação”. Além de apresentar o pacote como “do governo Bolsonaro”, o ministro argumentou a favor de pontos que têm sido questionados por parlamentares, como o excludente de ilicitude para policiais.

“Moro está vindo de um meio onde ele decidia com uma caneta na mão. Entendo a angústia dele em querer que o projeto dele vá para a frente (...).

Sabemos que uma pressão em cima da reforma dele agora atrapalha um pouco a tramitação dessa reforma  mãe nossa.”

Jair Bolsonaro

OS REVESES DO EX-JUIZ

Desidratação do pacote. Desde que foi enviado por Moro à Câmara dos Deputados, o pacote anticrime vem sendo desidratado pelos deputados. Já de início, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, determinou que o projeto tramitasse junto de uma proposta do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Deputados que integram o grupo de trabalho sobre o tema já fizeram mudanças na proposta do ministro. O trecho que trata da excludente de ilicitude e prevê que não sejam processados policiais que matem em situações de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” deve ser retirado. A previsão do plea bargain (acordo entre as partes no início do processo) foi retirada do pacote, assim como a obrigatoriedade de prisão após condenação em segunda instância.

Coaf. Moro gostaria que o Conselho ficasse no Ministério da Justiça, mas foi derrotado na Câmara. Agora, o presidente do órgão, Roberto Leonel, indicado por Moro para o cargo, pode ser demitido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Vazamentos. A divulgação de conversas hackeadas do Telegram de procuradores da LavaJato desgastou Moro, que enfrenta acusações de ter ajudado o MP em processos e é objeto de um julgamento no STF sobre suposta parcialidade quando era juiz.

Caso Ilona Szabó. Moro indicou a cientista política como suplente para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. A militância bolsonarista nas redes sociais reagiu fortemente, e o ministro foi obrigado a recuar e desfazer o convite.

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Ministro diz ao STF que não destruiria mensagens 

André de Souza 

09/08/2019

 

 

O ministro da Justiça, Sergio Moro, enviou ofício ao Supremo Tribunal Federal (STF) no qual diz não ter orientado a Polícia Federal (PF) a destruir as mensagens trocadas por autoridades via Telegram e obtidas pelo hacker Walter Delgatto Neto, preso em julho na Operação Spoofing. O documento de Moro foi direcionado ao ministro Luiz Fux, que havia determinado o envio de esclarecimentos dele ao Supremo, em resposta a uma ação apresentada pelo PDT.

O partido havia pedido que o STF impedisse a destruição das mensagens depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou uma nota com a informação de que Moro disse ao presidente da Corte, ministro João Otávio de Noronha, que o material seria “descartado para não devassar a intimidade de ninguém”.

Ao STF, Moro garantiu que “não exarou qualquer determinação ou orientação à Polícia Federal para destruição” do material e que a situação “é apenas um mal-entendido quanto à declaração sobre a possível destinação do material obtido pela invasão criminosa dos aparelhos celulares, considerando a natureza ilícita dele e as previsões legais”.

Na semana passada, em resposta ao PDT, Fux determinou a preservação das provas colhidas na Operação Spoofing, que prendeu outras três pessoas além de Delgatti Neto. O magistrado também determinou que fosse enviada ao STF “cópia do inteiro teor do inquérito relativo à referida operação, incluindo-se as provas acostadas, as já produzidas e todos os atos subsequentes que venham a ser praticados”. Há a suspeita de que ministros da Corte tenham tido contas no Telegram invadidas.

De acordo com Moro, a PF, que é ligada ao Ministério da Justiça, e ele próprio já tinham esclarecido a questão em notas emitidas respectivamente em 25 e 30 de julho “no sentido de que não haveria nenhuma determinação administrativa para destruição do material”.