Correio braziliense, n. 20527, 03/08/2019. Economia, p. 8

 

Entrevista - Mailson de Nóbrega: "Queda dos juros ajuda, mas não salva economia"

Vicente Nunes

03/08/2019

 

 

A decisão do Banco Central de cortar a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual vem em bom momento, mas não será suficiente para estimular uma retomada mais forte da economia. Na avaliação do economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, “assim como a reforma da Previdência, a queda dos juros básicos pode estimular o consumo e o investimento, mas não é suficiente para assegurar uma expansão robusta do Produto Interno Bruto (PIB)”. Para ele, é preciso que o governo e o Congresso avancem em outras pautas, como a redução da burocracia, os investimentos em infraestrutura e a reforma tributária.

Maílson se mostra assustado com as declarações radicais do presidente Jair Bolsonaro, a quem classifica como fonte de instabilidade. “O presidente Bolsonaro é uma fonte de instabilidade permanente por suas declarações absurdas, intempestivas e dissociadas da realidade”, afirma. Mas ressalta que, felizmente, essas declarações têm contribuído mais para afetar negativamente a imagem dele perante a maioria da sociedade do que prejudicar o andamento da economia. Na visão do ex-ministro, o Congresso também não tem se deixado contaminar pelo discurso presidencial, tanto que a reforma da Previdência está andando e deve ser aprovada em segundo turno na Câmara nos próximos dias.

Estudioso sobre sistema tributário, Maílson defende a adoção de um imposto único sobre o consumo, o IVA, como prevê o projeto que está sendo conduzido pelo deputado Baleia Rossi. Reconhece, ainda, que há uma longa avenida para os juros bancários caírem, mas não vê problemas na grande concentração no sistema bancário.  A seguir, os principais pontos da entrevista concedida ao Correio.

O Banco Central reduziu a taxa Selic em 0,5 ponto percentual. Há uma aposta grande no governo de que essa medida dará novo gás à economia. O senhor está confiante em um crescimento econômico mais forte? Por quê?

A redução da taxa Selic tende a estimular a atividade econômica, mas está longe de assegurar uma recuperação vigorosa da atividade. A confiança de consumidores e empresários ainda é inferior aos níveis de anos recentes. Assim como a reforma da Previdência, a queda dos juros básicos pode estimular o consumo e o investimento, mas não é suficiente para assegurar uma expansão robusta do PIB. Isso dependerá, essencialmente, de medidas pelo lado da oferta, como é o caso da expansão dos investimentos em infraestrutura, da redução de custos burocráticos e, acima de tudo, de uma reforma tributária na linha da PEC 45, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que foi inspirada no projeto elaborado pelo Centro de Cidadania Fiscal, sob a liderança do economista Bernard Apy,

Apesar de o BC ter derrubado a Selic, os bancos resistem em baratear o crédito. Em várias linhas, em vez de caírem, os juros subiram? Por que o descompasso?

O normal é que uma queda da Selic acarrete uma redução da taxa de juros praticadas pelos bancos, mas nem sempre é o que se observa. Isso porque a Selic constitui apenas um dos componentes do custo do crédito. O outro é o spread bancário, que decorre dos elevados custos administrativos do sistema bancário, da inadimplência, da insegurança jurídica e de outros fatores que, no conjunto, em determinado momento de queda da Selic, podem provocar um aumento do spread. Estudo recente mostrou que o lucro dos bancos corresponde a apenas 9% do spread.

Dentro do governo, é visível o desconforto em relação aos bancos. A alegação é de que há concentração excessiva no mercado. Há, realmente, falta de competição entre as instituições? Qual o custo disso para o país?

O governo, através do Banco Central, já disse que concentração bancária não resulta, necessariamente, em ausência de competição. Isso é um mito. A experiência mundial mostra que certas atividades têm como característica a concentração. Os bancos são uma delas. Eles são concentrados em todo o mundo. Outro exemplo é a produção de grandes jatos comerciais. Hoje, há apenas dois fabricantes, Boeing e Airbus, mas eles competem acirradamente pela conquista de mercado. Há muitos outros exemplos.

Qual a importância do crédito mais barato para a retomada do crescimento? Ainda veremos empréstimos e financiamentos no Brasil com taxas de juros mais próximas do mundo civilizado?

Eu diria que, pela primeira vez em muitas décadas, existem as condições para um longo período, talvez definitivo, de taxas Selic de um dígito. Podemos, em mais alguns anos, nos aproximarmos de taxas de juros de nossos pares na América Latina, como Chile, Peru e Colômbia. Mas ainda por muito tempo, infelizmente, nossas taxas de juros aos tomadores finais estarão superiores à observada nesses e em outros países emergentes e, certamente, nos desenvolvidos. Isso porque o spread brasileiro tem componentes tipicamente nacionais, dos quais se destacam a tributação do crédito com IOF e PIS-Cofins, os compulsórios elevados, a baixa taxa de recuperação do crédito, e outros. Levaremos tempo para ver a prevalência dos contratos e a rapidez na recuperação de garantias. O Judiciário brasileiro, em grande parte anticredor, tem sua participação nesse processo. Os bancos recuperam apenas 13% dos créditos em atraso, em comparação com 89% no Reino Unido.

Esperava-se que, com a posse de Jair Bolsonaro, a confiança voltasse e a economia deslanchasse. Mas o que se vê é um país flertando com a recessão. O que está acontecendo?

O mercado e as consultorias foram excessivamente otimistas com o novo governo. Todos erraram as previsões de crescimento para este ano. Na verdade, houve razões para que elas não se confirmassem. A economia mundial desacelerou. Surgiram dúvidas quanto aos efeitos da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. A Argentina teve uma piora de sua economia e houve o desastre de Brumadinho, que reverteu para queda as previsões de crescimento da indústria extrativa. Finalmente, houve incertezas quanto às chances da reforma da Previdência, só recentemente reduzidas.

A aprovação da reforma da Previdência pode mudar o quadro de estagnação econômica? Quando isso ficará claro?

Como afirmei, a reforma da Previdência é um passo decisivo para livrar o país da insolvência fiscal e da volta da inflação alta e sem controle, mas não é suficiente para garantir um crescimento razoável da economia. O retorno a taxas robustas de expansão do PIB depende de reformas que aumentem a eficiência e a produtividade da economia.

Governo e Congresso falam que, desta vez, a reforma tributária vai sair. Há pelo menos quatro projetos sendo tocados. Que modelo tributário o senhor defende?

Dos projetos em discussão, o melhor é o da criação de um IVA (imposto sobre o valor agregado), na linha do que é adotado em mais de 160 países em todos os continentes. Participei e acompanhei de perto todos os estudos de reforma tributária dos últimos mais de 30 anos, O projeto do deputado Baleia Rossi é o melhor deles. O Brasil não pode mais conviver com cinco distintos tributos sobre o consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS). O ICMS é, isoladamente, a maior fonte de ineficiência da economia brasileira. Vejo muitas resistências ao projeto, inclusive de especialistas que defendem a preservação da atual e disfuncional tributação do consumo. Não é o que pensam os estados. Pela primeira vez, os secretários de Fazenda e seus governadores estão apoiando a criação do IVA, ainda que dual, o que implica jogar o ICMS na lata de lixo da história.

Até que ponto as declarações controversas do presidente Bolsonaro podem atrapalhar a melhora da economia? O radicalismo do discurso assusta?

O presidente Bolsonaro é uma fonte de instabilidade permanente por suas declarações absurdas, intempestivas e dissociadas da realidade. Felizmente, elas têm contribuído mais para afetar negativamente sua imagem perante a maioria da sociedade do que prejudicar o andamento da economia e, melhor, o andamento das reformas.

Quando o país dará o valor devido à educação? Qual o peso da má qualidade do ensino sobre a produtividade do país?

O Brasil já avançou muito nesse campo. A educação fundamental foi universalizada, inclusive no campo. Aumentou o número de anos de estudo dos brasileiros. Já investimos em educação 6,2% do PIB, acima dos 5,8% dos países ricos reunidos na OCDE. O desafio agora é aumentar a qualidade da educação, pois nos situamos na rabeira dos países que têm seu ensino médio avaliado pelo Pisa. A meu ver, a sociedade já despertou para valorizar a importância da educação para o desenvolvimento pessoal e do país.

O Brasil está tentando sair do isolamento com acordos de livre comércio. Desta vez dá para acreditar em uma inserção definitiva do país na economia mundial? Qual o impacto disso?

O acordo com a União Europeia, se efetivamente implementado, terá importância decisiva na abertura da economia e no acesso do país a um mercado gigantesco de bens e serviços. A agricultura será um dos grandes ganhadores. Haverá pressão para ganhos de eficiência e competitividade no setor industrial, o que acarretará aumento de produtividade e do potencial de crescimento do país. A agenda de abertura é parte relevante da visão do atual governo, principalmente da equipe econômica. Dificilmente veremos retrocesso nessa área nos próximos anos.

O Brasil ainda tem jeito ou continuaremos nos contentando com promessas de um futuro melhor?

Ainda acredito nas chances de recuperação da economia brasileira nos próximos anos. Construímos uma plataforma que poderá nos lançar a novos patamares mais à frente, entre as quais instituições sólidas, agronegócio competitivo, indústria complexa e sistema financeiro sólido e sofisticado. Sinais de avanços tecnológicos são menos visíveis na indústria, mas indiscutíveis no agronegócio e nas startups que surgem a cada momento. Não é claro se estamos preparados para competir em um mundo caracterizado pelo uso crescente da inteligência artificial, mas tampouco há razões para imaginar que estamos condenados ao atraso.

Especialistas discutem taxa

Veja quem participará do seminário promovido pelo Correio em 6 de agosto

Abertura

» Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central

1º Painel: Concentração e Competição, como ampliar a oferta de crédito a um custo menor

» Alexandre Barreto de Souza, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)

» Angelo José Alverne Duarte, chefe do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do Banco Central

» Gesner Oliveira, economista e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)

2º Painel: Quanto custa o dinheiro. Mitos e verdades

» Ana Carla Abrão, economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman

» Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central

» Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

3º Painel: Cidadania financeira, a importância da educação

» Mara Luquet, jornalista especializada em finanças pessoais, diretora da Letras e Lucros

» Maurício Moura, diretor de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do BC

» Ricardo Rocha, professor do Insper

Encerramento

» Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban)