O globo, n.31412, 08/08/2019. País, p. 04

 

Lula entre a sala e a cela 

Carolina Brigido

Sérgio Roxo

Thiago Herdy

Rayanderson Guerra

08/08/2019

 

 

Justiça do Paraná manda transferir petista, mas STF revoga decisão horas depois

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem manter o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso em Curitiba, derrubando decisões judiciais do Paraná e de São Paulo que determinavam a transferência do petista para uma cela do presídio de Tremembé (SP) sem direito a sala especial, como tem hoje. Com a decisão, Lula permanecerá na sede da Polícia Federal em Curitiba até o fim do julgamento de outro recurso da defesa, que começou a ser examinado pela Segunda Turma do tribunal. Esse recurso pede a liberdade de Lula alegando suposta parcialidade do juiz que o condenou, o atual ministro da Justiça, Sergio Moro.

A decisão de ontem, tomada por dez votos a um no plenário do STF, foi uma rara vitória da defesa de Lula desde o início do processo de acusação por corrupção no caso do tríplex no Guarujá. A revogação pelo Supremo de uma decisão da Justiça Federal de Curitiba ocorre num momento de desgaste da Operação Lava-Jato no STF — em especial do chefe da força-tarefa no Ministério Público Federal, o procurador Deltan Dallagnol, alvo de reações de ministros depois de divulgadas conversas privadas suas com colegas, inclusive sobre investigações de magistrados.

Cumprindo pena em Curitiba desde abril de 2018, Lula deve ir para o regime semiaberto em setembro —a menos que sofra nova condenação em segunda instância até lá. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) está perto de proferir a sentença no caso do sítio de Atibaia. O ex-presidente aguarda ainda o complemento do julgamento de um habeas corpus pela Segunda Turma. O pedido começou a ser analisado em dezembro e foi suspenso após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes quando dois ministros tinham votado contra a liberdade de Lula. Além de Gilmar, faltam, neste caso, os votos de Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Ainda não há previsão de quando será retomado este julgamento.

DORIA X GLEISI

Ao determinar a transferência de Lula para São Paulo, a juíza da 12ª Vara Federal de Curitiba, Carolina Lebbos, atendeu a dois pedidos, feitos pela Superintendência da Polícia Federal do Paraná e pela prefeitura de Curitiba. As alegações foram que a permanência de Lula era custosa para a PF em termos de dinheiro e recursos humanos, e que a presença de grupos antagônicos na região da sede da PF alterava a rotina da região.

Pouco depois da decisão de Lebbos, o juiz corregedor Paulo Eduardo de Almeida Sorci, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), designou a Penitenciária II de Tremembé “José Augusto César Salgado”, no interior de São Paulo, como local par ao cumprimento da pena.

A decisão provocou forte repercussão durante o dia. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou no Twitter que “a segurança e a vida de Lula estarão em risco sob a polícia de João Doria”. O governador de São Paulo reagiu com ironia à adversária :“Fique tranquila, ele será tratado como todos os outros presidiários, conforme alei. Se desejar, terá a oportunidade de fazer algo que jamais fez na vida: trabalhar!”.

A decisão foi vista por Lula como uma retaliação, como informou a colunista do GLOBO Bela Megale. Desde que o delegado federal Luciano Flores assumiu o comando da PF no Paraná, a relação do ex-presidente e sua defesa coma instituição piorou. A principal queixa é que Flores impô suma série de restrições a Lula. As visitas de advogados, por exemplo, passaram a ter número de pessoas e tempo limitados.

Na Câmara, deputados de vários partidos criticaram a decisão, inclusive o presidente Rodrigo Maia (DEMRJ). Um grupo de parlamentares caminhou até o STF para uma audiência com o presidente da Corte, Dias Toffoli, que prometeu analisar o caso ainda ontem.

O relator do caso, ministro Edson Fachin, levou o recurso ao plenário e acatou o protesto contra a transferência, no que foi seguido por nove ministros. A exceção foi Marco Aurélio de Mello, para quem a defesa de Lula deveria ter recorrido à segunda instância (TRF-4), e não ao STF.

Na sessão, a procuradora geral da República, Raquel Dodge, defendeu a permanência de Lula em Curitiba. Advogado do ex-presidente, Manoel Caetano Ferreira afirmou que o STF corrigiu um equívoco. “Era uma decisão totalmente injusta. Ele recebeu com serenidade. Evidentemente, estava indignado”.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

De volta ao debate sobre prisão especial

Marlen Couto

08/08/2019

 

 

Ao decidir pela transferência de Lula para São Paulo, a juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, reavivou o debate sobre o direito do ex-presidente à prisão especial, benefício previsto no Código de Processo Penal (CPP) a uma série de autoridades. Preso em abril do ano passado, Lula recebeu a garantia de ficar em uma sala de Estado-Maior. Foi escolhida um ambiente na Superintendência da Polícia Federal, onde ele permanece. No despacho em que determinou a transferência, a juíza entendeu que o direito à sala de Estado Maior não se aplicava ao petista porque, entre as autoridades listadas pelo CPP, não está relacionado o cargo de presidente da República. “A legislação nacional não traz qualquer disposição nesse sentido”, escreveu a magistrada.

O direito à prisão especial é detalhado no artigo 295 do CPP, que cita ministros de Estado, governadores, membros do Legislativo, ou quem tem diploma de ensino superior. Para juristas ouvidos pelo GLOBO, porém, ex presidentes, por analogia, também têm esse direito, já que foram comandantes das Forças Armadas.

—De fato, não existe na lei (a previsão para presidentes e ex-presidentes). Ninguém pensou que um ex-presidente pudesse ser preso. A lei não prevê todos os casos. Quando isso acontece, você aplica a lei a um caso concreto e você estica a interpretação. Não acho que é um interpretação sem sentido, se os militares de altas patentes têm direito a essa prisão por causa do cargo que ocuparam —avalia Michael Mohallem, da FGV Direito Rio.

O professor de Direito da PUC-Rio Breno Melaragno lembra que, no ano passado, ao decretar a prisão do ex-presidente, o então juiz federal Sergio Moro determinou que, “em razão da dignidade do cargo ocupado”, Lula ficasse em uma sala de Estado-Maior.

—Mesmo sem previsão legal, um ex-presidente deveria ter direito expresso em função da natureza da sala de Estado-Maior. Moro fez certo. A sala de Estado Maior é destinada a pessoas que exerçam cargo de comando ou cuja natureza da função seja necessária para preservar sua integridade. Se, por exemplo, um advogado tem direito legalmente a ficar nela, por que um ex-presidente não pode ter? —questiona Melaragno.

A sala especial é prevista, ainda de acordo com o Código Penal, nos casos de “prisão antes de condenação definitiva”. Este foi outro ponto levantado pela juíza Carolina Lebbos. Para a magistrada, o benefício se aplicaria a prisão cautelar, ou seja, provisória. Por já haver condenação em segunda instância, Carolina Lebbos entendeu que a prisão de Lula se refere a cumprimento de pena e não se aplicaria no artigo 295 do Código Penal.

“Desse modo, o executado se encontra preso em cumprimento de pena privativa de liberdade. Embora se cuide de execução provisória de pena —sem a ocorrência de trânsito em julgado —não se trata de prisão cautelar”, argumentou.

Os dois juristas ouvidos pelo GLOBO discordam do entendimento da magistrada. Mohallem diz que, nos casos de início da execução de pena quando ainda há recursos possíveis aos tribunais superiores, não se deve considerar a condenação como definitiva, termo citado no CPP.

—A condenação definitiva só se dá com o trânsito em julgado. Mesmo que se entenda que o Supremo já se decidiu isso, ainda assim, a execução é provisória, significa que é antes da condenação definitiva —defende o professor da FGV.