O globo, n.31412, 08/08/2019. País, p. 06

 

Guedes vê crise no Coaf e não garante presidente no cargo

Marco Grillo

08/08/2019

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, reconheceu ontem que há uma “crise institucional” envolvendo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) e evitou garantir a permanência do presidente do órgão, Roberto Leonel, no cargo. Trazido ao governo pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, Leonel incomodou o Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) depois de criticar a decisão do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que impediu o uso de informações do Coaf em investigações sem autorização judicial. Depois de reunião com Leonel, Guedes ressaltou que o Coaf é um órgão de monitoramento e controle, não de investigação.

A carta em que o alto escalão da Receita Federal pediu a suspensão da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, paralisando apurações da Receita sobre 133 pessoas, incluindo ministros, adicionou mais um elemento à crise — Leonel é auditor fiscal da Receita.

Moraes tomou a decisão depois de o jornal “Folha de S. Paulo” mostrar que o procurador Deltan Dallagnol incentivou investigações sobre Toffoli, incluindo o compartilhamento de dados da Receita. O presidente do Coaf atuou na Operação Lava-Jato antes de assumir o atual posto.

— Vamos supor que o (Roberto) Leonel está fazendo um trabalho extraordinário, de monitoramento apenas. Suponha que essa é exatamente a hipótese correta. Será que alguém que veio da Receita, trabalhou na Lava-Jato e, de repente, recebe um Coaf, que é de monitoramento, será que isso deixa uma porção de gente com dúvidas a respeito se está havendo coordenação, um ataque coordenado a uma outra instituição? Isso pode estar por trás de boa parte dos questionamentos —afirmou Guedes.

O ministro falou em desgaste de instituições:

—Toda vez que tem aparente conflito institucional, a solução é um avanço e aperfeiçoamento institucional. Nãos é só uma cabeça rolar. Uma cabeça rolar pode até acontecer, desde que haja um avanço institucional. Não é corta cabeça aqui e ali.

Paulo Guedes disse que vai decidir se haverá ou não uma troca no comando do Coaf até semana que vem. O ministro conversou com Moro na última segunda-feira e disse que o titular da Justiça “está ajudando a desenhar a solução”. O ministro ressaltou que, mais importante do que nomes, é encontrar uma “solução institucional”.

— Quando há dúvidas e suspeitas, qualquer crise institucional, a solução tem que ser institucionalmente claríssima, de forma que todo mundo entenda que foram atendidos os vários ângulos — afirmou o ministro. — As pessoas têm que entender o seguinte: olha, um órgão que é de controle, como o Coaf, não é de investigação. É de controle. Ao mesmo tempo, ninguém pode estar contra um desempenho cotidiano da sua função.

Recebemos comunicações lá de fora, o Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), que alerta: “Se houver interferência do Judiciário ou do Legislativo nos trabalhos anticorrupção e antilavagem de dinheiro, vocês não podem entrar na OCDE. Se você rola uma cabeça ou só rola uma cabeça, você não resolveu problema lá fora —acrescentou o ministro.

Perguntado diretamente se, então, não haveria troca no Coaf, Guedes preferiu não se comprometer:

—Eu não estou dizendo nada disso (que não haverá mudança). Eu estou o tempo inteiro dizendo que eu trabalho com métodos, processos e aperfeiçoamentos institucionais. Pessoas são consequência. Se você quer fazer isso,você bota um determinado tipo de pessoa, se quer fazer outra coisa, bota outra pessoa —reforçou.

Segundo Guedes, é importante que não haja “excessos que gerem suspeitas sobre pessoas que não estão sendo investigadas ou que não são suspeitas de nada”:

– Tem um poder que acha: “Eles querem atacar a classe política”. Outro poder, que é o Supremo, fala: “Eles querem atacar também o próprio Supremo, o próprio Judiciário”. Do outro lado, tem um pessoal fazendo seu dever e dizendo:

“Não estamos fazendo nada, só esclarecendo. A Receita Federal está do lado do Coaf, os dois estão pertinho de mim. E se os dois conversarem? Está errado. Um é monitoramento, o outro é arrecadação. E quem faz investigação? É o Ministério Público. Toda vez que há uma crise é porque há ou suspeita ou efetiva invasão de território.

O ministro disse ainda que está “ouvindo as ruas” e conversando com os integrantes dos Poderes antes de tomar a decisão definitiva. No início do governo, o Coaf fazia parte da estrutura do Ministério da Justiça. O Congresso, no entanto, devolveu o Coaf para o Ministério da Economia.