O Estado de São Paulo, n. 46116, 21/01/2020. Economia, p. B1

 

BNDES gasta R$ 48 milhões e não acha irregularidades em operação com JBS

Patrik Camporez

21/01/2020

 

 

Investigação. Auditoria não apontou nenhuma evidência direta de corrupção em contratos do banco com JBS, grupo Bertin e Eldorado Brasil Celulose, realizados entre 2005 e 2018; economista cobra esclarecimentos sobre financiamentos da instituição a obras no exterior

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) gastou R$ 48 milhões com auditoria que prometia abrir a “caixa-preta” em operações relacionadas ao grupo J&F, que controla a JBS. Após um ano e 10 meses de investigação, o banco divulgou, no fim de dezembro, relatório que não apontou nenhuma evidência direta de corrupção em oito operações com a JBS, o grupo Bertin e a Eldorado Brasil Celulose, realizadas entre 2005 e 2018.

O valor foi pago a um escritório estrangeiro, o Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, que subcontratou outro brasileiro, o Levy & Salomão. A assessoria do BNDES informou que o relatório de oito páginas, antecipado pelo estadão.com.br, é um resumo crítico da auditoria e que outro parecer, “mais robusto” foi entregue às autoridades.

A conclusão nos dois documentos é a mesma: as decisões do banco “parecem ter sido tomadas depois de considerados diversos fatores negociais e de sopesados os riscos e potenciais benefícios para o banco”. “Os documentos da época e as entrevistas realizadas não indicaram que as operações tenham sido motivadas por influência indevida sobre o banco, nem por corrupção ou pressão para conceder tratamento preferencial à JBS, à Bertin e à Eldorado”, diz trecho do relatório.

Por meio de nota, o BNDES informou que usou os resultados da investigação para “aprimorar seus controles, políticas e procedimentos internos”. “Durante esse período, com exemplos, vale destacar colegiados técnicos para avaliação de operações (Comitês Deliberativos e Consultivos de Mercados de Capitais), a reformulação e normatização do fluxo operacional para novos investimentos, a criação da Diretoria de Compliance e da Corregedoria Interna”, declarou.

A abertura da “caixa-preta” foi uma das missões conferidas por Jair Bolsonaro ao presidente do BNDES, Gustavo Montezano, que tomou posse em julho, em substituição a Joaquim Levy, primeiro nomeado pelo governo para comandar a instituição. Ele se juntou a outros executivos que passaram pelo banco após o fim da gestão Dilma e tiveram dificuldades para comprovar irregularidades na concessão dos financiamentos.

“Hoje, entendemos que não há mais nenhum evento que requeira esclarecimento. A sociedade está com informação de qualidade, substancial”, afirmou Montezano, em dezembro do ano passado.

Assunto ignorado. No governo Temer, Maria Silvia Bastos Marques evitou o assunto. Paulo Rabello de Castro e Dyogo Oliveira negaram sua existência. “Ou sou um completo idiota ou não existe ‘caixa-preta’ no BNDES”, chegou a dizer Rabello. Levy falou em “ter clareza sobre operações do passado”, mas não chegou a avançar na busca por operações fraudulentas. A dificuldade foi apontada como um dos motivos para a insatisfação de Bolsonaro com sua gestão – o executivo pediu demissão após o presidente dizer em entrevista que estava “por aqui” com ele.

A “caixa-preta” foi um dos temas dominantes na campanha de Bolsonaro. Para muitos apoiadores do presidente, a sua abertura teria potencial para apontar malfeitos maiores do que os descobertos pela Operação Lava Jato na Petrobrás. Logo após a vitória nas urnas, o presidente eleito se comprometeu a determinar, no início do mandato, “a abertura da ‘caixa-preta’ do BNDES e revelar ao povo brasileiro o que foi feito com seu dinheiro nos últimos anos”.

Para o ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos Roberto Luis Troster, é preciso que o banco ainda esclareça contratos que foram fechados, principalmente no financiamento a obras no exterior.

A auditoria de R$ 48 milhões não investigou, por exemplo, operações com a Odebrecht, principal beneficiada dos empréstimos do BNDES destinados a financiar empreendimentos fora do Brasil. Também ficaram de fora os aportes do Tesouro com o objetivo de aumentar o volume de empréstimos do banco, para financiar setores que eram considerados “estratégicos” pelo governo PT.

Sigilo bancário. O termo “caixa-preta” começou a ser utilizado para se referir ao BNDES ainda em 2008, quando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu o acesso do Tribunal de Contas da União (TCU) a informações do Banco Central protegidas pelo sigilo bancário. Até então, o BNDES concedia as informações protegidas por sigilo bancário ao TCU. Com o posicionamento do STF em relação ao BC, o BNDES entendeu que, se continuasse a dar ao TCU acesso a informações protegidas por sigilo bancário, isso poderia gerar questionamentos legais para o banco e seus empregados.

Em 2014, o TCU requereu uma série de documentos e o BNDES decidiu entrar com um mandado de segurança no STF a fim de proteger o sigilo bancário em algumas situações, como saldo devedor das operações de crédito, cadastro das empresas, rating de crédito e estratégia empresarial. No ano seguinte, o STF decidiu que o BNDES era obrigado a informar ao TCU os dados completos das operações de crédito, transferindo a esse órgão de controle a obrigação de sigilo bancário.

O contrato com a Cleary foi formalizado em julho de 2015, na primeira gestão do governo Dilma. Ao analisar a concorrência 01/2014, no entanto, vencida pela empresa, é possível verificar que o objetivo do BNDES era contratar consultoria internacional na área do direito e do comércio de aviões. Ou seja, a contratação da Gottlieb Steen & Hamilton LLP não teria ocorrido, inicialmente, para realizar a auditoria.

Conclusão

“Hoje, entendemos que não há mais nenhum evento que requeira esclarecimento. A sociedade está com informação de qualidade, substancial.”

Gustavo Montezano

PRESIDENTE DO BNDES

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Parlamentares divergem sobre resultado de auditoria

Daniel Weterman

21/01/2020

 

 

Membro da CPI que apontou irregularidades no banco diz não confiar nos dados; e PT sai em defesa de Lula e Dilma

Os resultados da auditoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que gastou R$ 48 milhões e não apontou nenhuma evidência direta de corrupção, conforme revelou o Estado, dividiram deputados federais.

Em outubro do ano passado, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigou irregularidades no banco e sugeriu o indiciamento de 54 pessoas, entre elas o ex-presidente do banco Luciano Coutinho e os empresários Joesley e Wesley Batista, do grupo J&F.

O contraste entre os resultados da CPI e a auditoria interna da instituição levantaram questionamentos entre parlamentares. “Eu não confio nessa conclusão (da auditoria), não tenho nenhuma razão para acreditar. Não posso acusar ninguém, mas eu tenho de considerar a possibilidade de o espírito de corpo no BNDES estar prevalecendo”, afirmou o deputado Paulo Eduardo Martins (PSCPR), um dos integrantes da CPI.

Parlamentares do PT, por sua vez, citaram a auditoria para defender os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. “Tentaram incriminar Lula, Dilma, lideranças do PT e gestores do banco! Quem paga por isso? Como reaver a reputação das pessoas? Era uma ação política de acusações orquestradas”, comentou a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, nas redes sociais.

Na CPI da Câmara, os nomes de Lula e Dilma foram excluídos do texto após uma articulação entre o PT e os partidos do Centrão com o relator da comissão, Altineu Côrtes (PL-SP). “Há mais de dez anos circulam mentiras sobre o BNDES envolvendo Lula e Dilma. Agora uma auditoria externa confirma o que sempre dissemos: nunca houve “caixa-preta” e nunca o BNDES foi tão lucrativo quanto nos governos do PT”, escreveu ontem o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS).

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Investigação reuniu 400 mil documentos

21/01/2020

 

 

O BNDES enviou nota ao Estado informando que “esclarecimentos adicionais sobre a relação entre o BNDES e a JBS foram divulgados e podem ser encontrados no portal BNDES Aberto (aberto.bndes.gov.br), de forma clara e simples”.

Ainda segundo a nota, “o BNDES está em constante trabalho para a elevação dos seus padrões de transparência, diálogo com a sociedade e prestação de contas. O BNDES Aberto é um movimento institucional que está no centro de sua estratégia de longo prazo”.

De acordo com o banco, durante as investigações foram revisados mais de 400 mil documentos, coletados mais de 3 milhões de dados eletrônicos de funcionários, foram entrevistados funcionários, ex-funcionários, executivos e ex-executivos do BNDES envolvidos nas operações e ainda foram analisados termos de colaboração premiada, depoimentos, relatórios da PF, denúncias do MPF, materiais de investigações internas do BNDES, documentos de sindicâncias internas, relatórios de CPIs, entre outras informações disponíveis.