O globo, n.31412, 08/08/2019. Sociedade, p. 25

 

Conflito ambiental

Leandro Prazeres 

08/08/2019

 

 

Em meio a uma crise entre os governos do Brasil, da Noruega e da Alemanha — estes dois os maiores doadores do Fundo Amazônia —, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, voltou a atacar ontem o mecanismo de financiamento a ações de conservação e combate ao desmatamento da Floresta Amazônica.

Em audiência pública na Câmara dos Deputados, Salles disse que é preciso refletir sobre a existência do Fundo Amazônia diante das críticas internacionais. Segundo ele, na medida que os recursos foram doados ao Brasil, não caberia a governos estrangeiros opinar sobre a destinação dos valores, que ele classificou como “inexpressivos”.

— Tendo sido uma doação ao governo brasileiro, alocada num banco público brasileiro (BNDES) para resolver questões subordinadas à soberania do Brasil, esse valor só deve ser aplicado à luz do que interessa ao Brasil. Porque, se assim não for, aí estamos falando de colocação condicionada de recursos. E, se for, talvez seja o caso de refletir, porque não nos interessaria, haja vista o montante inexpressivo diante de uma região tão grande.

Criado em 2008, o fundo já recebeu doações de ao menos R$ 3 bilhões. Nos últimos meses, Salles tem defendido que recursos do mecanismo possam ser usados para indenizar fazendeiros que tiveram suas terras desapropriadas. Noruega e Alemanha são contrárias a essa proposta.

Salles afirmou ainda que o governo pretende mudar a estrutura de comando do fundo. As deliberações ficariam a cargo de um novo conselho, formado por sete integrantes. O ministro, no entanto, não explicou como seria a escolha dos integrantes desse grupo.

Atualmente, as principais diretrizes do fundo são determinadas pelo Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa). O comitê, que tem caráter deliberativo, é composto por três integrantes: um representante do governo federal, outro dos estados da Amazônia Legal e um terceiro ligado às entidades do terceiro setor.

Segundo o ministro, a mudança na gestão dos recursos é necessária porque foram encontradas irregularidades em projetos financiados pelo mecanismo.

— Esse (novo) comitê teria um caráter consultivo e sob a sua orientação, teria um grupo executivo, de cerca de sete cadeiras para, de maneira mensal, acompanhar a escolha, a execução e os resultados dos projetos de forma que a gente justifique o aporte de recursos — disse o ministro, que também criticou a escolha dos projetos que receberam recursos do fundo.

—Encontramos uma gama enorme de questionamentos acerca de questões formais e que demonstram, claramente, uma ausência de estratégia. Foi muito mais um mecanismo de distribuição de recursos do que uma estratégia.

Salles, no entanto, não mencionou nenhum projeto específico ou nenhuma entidade que recebeu recursos do fundo que teria cometido irregularidades.

Na mesma audiência, o ministro fez ainda duras críticas ao governo norueguês, o principal doador do fundo. Para ele, o país se contradiz na defesa ao meio ambiente.

—O grande doador do Fundo Amazônia explora petróleo em uma área sensível (Círculo Polar Ártico) ao mesmo tempo em que fomenta recursos para ONGs e entidades que vedam completamente o próprio debate sobre a exploração dos recursos naturais. Veja a contradição —disse Salles, que no Senado também citou a pesca de baleias pelo país nórdico. Procurada pelo GLOBO, a Embaixada da Noruega não respondeu às críticas.

Os ataques ao Fundo Amazônia acontecem em meio à escalada do desflorestamento na região. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que os alertas do desmatamento dispararam no mês passado. Em julho, foram atingidos 2.254,9 km². No mesmo mês em 2018, esse índice ficou em 596,6 km². Trata-se de um aumento de 278%.

A divulgação dos dados do Inpe vem sendo alvo de ofensivas do governo. Na semana passada, o diretor do instituto, Ricardo Galvão, foi exonerado. Na segundafeira, foi anunciado o nome do militar Darcton Policarpo Damião para o cargo.

‘OFFICE-BOY’

A ida de Salles ontem à Câmara foi a primeira após a troca de comando do Inpe. O ministro foi criticado pela substituição de Galvão e por sua proximidade com setores como o madeireiro e agropecuário, tidos como os vilões do desmatamento na Amazônia.

No fim da audiência, o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) comparou Salles aos bandeirantes que, durante o período colonial, viajavam ao interior do país matando índios e explorando as riquezas naturais do Brasil.

Tatto disse que Salles era o “melhor ministro da Agricultura no ministério do Meio Ambiente” e o chamou de “office-boy” de um modelo de desenvolvimento contrário à preservação da natureza.

—O senhor é o office-boy desse modelo de desenvolvimento que quer destruir os recursos naturais e comprometer a vida no futuro — acusou Tatto.

A declaração causou reação entre parlamentares da bancada ruralista que acompanhavam a sessão e davam suporte a Salles. O ministro retomou a palavra, afirmou não ser “office-boy de coisa nenhuma”, e a confusão acabou encerrando a sessão. Salles deixou o local escoltado.

“Se for (colocação condicionada de recursos), talvez seja o caso de refletir, porque não nos interessaria”

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente

“O senhor é o office-boy desse modelo de desenvolvimento que quer destruir os recursos naturais”

Nilto Tatto, deputado federal (PT-SP)