O Estado de São Paulo, n. 46115, 20/01/2020. Política, p. A7
Maia vê 'absurdos' em pagamentos de pensão a solteiras
Vinicus Valfré
Daniel Weterman
20/01/2020
Presidente da Câmara espera que Supremo mude interpretação da lei e vete benefícios a filhas de ex-parlamentares e ex-servidores
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ontem ao Estado que continuará trabalhando para que o Supremo Tribunal Federal (STF) mude a interpretação da lei que garante o benefício para 194 filhas solteiras de ex-parlamentares e ex-servidores, a um custo anual de R$ 30 milhões. Maia chamou de “absurdos” os casos revelados pela reportagem, como a da pesquisadora Helena Hirata, que mora há 49 anos em Paris e recebe R$ 16.881,50 por mês apenas por ser solteira e filha de ex-deputado.
Uma auditoria do TCU, de 2016, apontou suspeitas de fraudes em 19 mil pensões para filhas solteiras pagas em diversos órgãos da administração pública federal, não apenas do Legislativo. O tribunal alterou a interpretação da lei e obrigou que as pensionistas comprovassem a dependência do benefício para manterem o privilégio.
“Depois da interpretação do Tribunal de Contas da União, o STF deu infelizmente decisão garantindo o direito adquirido. Todos os casos como esses mostrados são absurdos. Vamos continuar investigando, tomando as decisões e trabalhando para que o STF mude sua interpretação e tenha interpretação real daquilo que é o correto, para que não tenhamos privilégios e desperdícios desnecessários”, disse Maia.
As solteiras passaram a reivindicar ao Supremo a manutenção das remunerações. O ministro Edson Fachin suspendeu o acórdão do TCU e determinou a aplicação do entendimento original à lei, o que foi respaldado pela Segunda Turma da Corte. De forma reservada, um integrante do Supremo também classificou os pagamentos como “absurdo”.
Lei. Maia destacou que as pensões para filhas solteiras não são pagas por opção da gestão dele e que a direção-geral da Casa vem trabalhando para identificar as fraudes. Até pesquisas nas redes sociais para identificar pensionistas em união estável – condição que suspende o pagamento – estão sendo feitas.
“Esse não é um assunto novo, que foi criado agora. Nos últimos anos a diretoria-geral da Câmara vem organizando isso, pesquisando, investigando e até usando as redes sociais para mostrar casos em que já há relação estável para mostrar as pessoas que casaram, têm família e estão burlando a lei”, comentou Maia.
As pensões são garantidas por uma lei de 1958. Em 1990, outra legislação pôs fim aos pagamentos, mas quem havia adquirido o direito o manteve. Para não perdê-lo, basta permanecer solteira ou não ocupar cargo público permanente. Denúncias de fraudes não faltam. Em dezembro, por exemplo, uma mulher foi indiciada por estelionato pela Polícia Legislativa por ser casada e manter o benefício.
Congressistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast avaliam que não há como mexer em direito adquirido, mas cobram uma fiscalização para identificar pessoas que não poderiam mais receber a benesse.
Ex-integrante da Polícia Militar, o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) vê o pagamento das pensões como herança do militarismo no País, em que mulheres e filhas eram totalmente dependentes dos maridos militares.
“A sociedade evoluiu, então no mundo de hoje não cabe mais uma situação como essa. Mas, infelizmente, as 194 pensionistas estão amparadas por lei, é direito adquirido. É preciso esperar até falecerem”, afirmou.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), por sua vez, defende um exame minucioso de cada caso. “Creio que é um direito adquirido, não dá para simplesmente tirar. Mas um pente-fino é interessante”, disse.
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Toffoli provoca PGR sobre pedido de Flávio
Rafael Moraes Moura
20/01/2020
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, solicitou anteontem que a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifeste sobre o pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) para suspender novamente as investigações do caso Queiroz, revelado pelo Estado.
Desde ontem, o vice-presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, assumiu o plantão do tribunal, sendo responsável pela análise de casos considerados urgentes. O STF retoma suas atividades regularmente em fevereiro.
Fontes que acompanham o caso acreditam que as maiores chances de o senador obter uma vitória no Supremo e paralisar novamente as investigações seriam durante o período do recesso. Tanto Toffoli quanto Fux já deram — também durante outros plantões do Supremo — liminares que beneficiaram o filho do presidente da República.
A investigação mira um suposto esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, quando ele era deputado estadual.
No ano passado, o Supremo concluiu o julgamento em que autorizou o amplo compartilhamento de informações da Receita Federal e do Coaf sem necessidade de prévia autorização judicial. Na ocasião, os ministros definiram que o repasse de dados sigilosos por órgãos de fiscalização e controle deve ser feito por meio de “comunicações formais” com o Ministério Público e a polícia, e não por e-mails, por exemplo. Esse entendimento pode abrir margem para beneficiar Flávio.
Uma das questões levantadas pela defesa do parlamentar é justamente a comunicação por email entre membros do Ministério Público do Rio e do Coaf, conforme destacado pelo ministro Gilmar Mendes em liminar concedida por ele, em setembro do ano passado, que também havia paralisado a apuração.