Título: Despedida antes do fim
Autor: Almeida, Amanda
Fonte: Correio Braziliense, 14/11/2012, Política, p. 2

Carlos Ayres Britto preside hoje a última sessão na presidência do Supremo. Apesar de não participar da conclusão do julgamento da Ação Penal 470, o ministro garante que sair agora não o frustra

O ministro Carlos Ayres Britto preside hoje sua última sessão do julgamento do mensalão. Sem concluir a análise do processo — o que calculava ser possível em entrevistas antes de assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) —, ele se aposenta compulsoriamente na sexta-feira, por completar 70 anos no domingo. O ministro diz não estar frustrado em deixar a Ação Penal 470 antes de seu término e aproveita os últimos momentos à frente do STF para fazer ampla defesa da categoria, cobrando salários maiores ao Poder Judiciário.

"Sempre foi minha vontade tocar esse processo em um ritmo compatível com presteza e segurança. Se não puder proclamar o resultado, não será um problema. O ministro Joaquim Barbosa o fará e isso não me frustra em nada", disse Britto, acrescentando que "é um processo emblemático". Antes de assumir a presidência do STF, havia previsão de que o julgamento do caso duraria apenas um mês. Britto assumiu em abril como sucessor de Cezar Peluso.

O mensalão chega hoje a sua 46ª sessão, com a definição de penas aos 25 condenados. Na última segunda-feira, o relator Joaquim Barbosa, próximo presidente do STF — que assume interinamente na semana que vem porque a posse está marcada somente para o dia 22 — surpreendeu o plenário e mudou a ordem da apreciação. O previsto era que ele votasse o tempo de prisão e multa do núcleo financeiro, mas o ministro começou pelo núcleo político. A mudança causou a mais dura discussão com o revisor Ricardo Lewandowski durante o julgamento.

Em sua última sessão à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ontem, Britto recebeu a homenagem de colegas e fez forte defesa à categoria. "O Poder Judiciário é o mais cobrado, mais exigido e o menos perdoado", afirmou, acrescentando que seus integrantes não podem fazer greve, não podem se filiar sindicalmente, não têm hora extra e cargo comissionado. "No Judiciário, é inconcebível o desmando e o desgoverno. No entanto, não é tratado remuneratoriamente — e não é corporativismo — à altura de sua dignidade, imprescindibilidade, superlatividade."

Britto criticou ainda a comparação salarial de integrantes do Poder Judiciário no Brasil e outros países, citando os Estados Unidos. "Mas (no exterior) o sistema de saúde é pago. O sistema de educação é pago. O valor de um carro é menor do que no Brasil. Com salário de US$ 10 mil (fora do Brasil), tem-se alta qualidade de vida", avaliou, completando que "o Judiciário é o fiador da Constituição".

A última reunião no CNJ ocorreu em clima de despedida, com direito à emoção de parte dos presentes. Vários conselheiros e integrantes de associações usaram o microfone para desejar boa sorte na nova trajetória a Britto. Ao falar para o ministro que promete se dedicar à poesia após deixar o Supremo, a maioria citou pensadores e poetas em seus discursos e destacaram a serenidade como a maior qualidade de Britto. Ele respondeu: "Aprendi que derramamento de bílis não combina com produção de neurônios".

Compulsória A aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo aos 70 anos é um assunto controverso. Muitos defendem que a maioria dos magistrados dessa idade ainda tem vigor físico e intelectual. Cezar Peluso, por exemplo, criticou a exigência quando deixou a Corte, em setembro. Ontem, Britto preferiu não tecer comentários contra a regra. "O marco dos 70 anos é bom. Quem aos 70 anos não cumpriu sua missão de servir bem não será depois que há de fazê-lo." Tramita no Congresso uma proposta de emenda constitucional, PEC da Bengala, que eleva a idade limite das aposentadorias compulsórias de 70 para 75 anos.

Liberdade de imprensa

Na última reunião de Carlos Ayres Britto à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão aprovou um projeto para monitoramento de ações contra a imprensa. A proposta, apresentada por Britto, estabelece a criação do Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa, que deverá levantar o número de ações judiciais que tratam das relações de imprensa e estudar os "modelos de atuação da magistratura em países democráticos". A ideia é que esses estudos possam facilitar a compreensão de conflitos que digam respeito à atuação dos jornalistas. Segundo avaliação de juristas, a medida será importante para criar um padrão de atuação dos juízes em ações que tratem de questões relativas à liberdade de imprensa.