Correio braziliense, n. 20529, 07/08/2019. Brasil, p. 9

 

BC quer mudar regras do cheque especial

Hamilton Ferrari

07/08/2019

 

 

Correio debate » Segundo o presidente da instituição, modalidade de crédito, uma das mais caras do mercado, pune os pobres, já que é muito usada por pessoas com renda de até dois salários mínimos. Queda de juros deve continuar, mas depende de reformas

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que a instituição estuda mudar as regras do cheque especial, que é regressivo e pune os mais pobres. De acordo com dados da autoridade monetária, quem mais usa esse tipo de crédito, que tem taxas médias de juros de cerca de 300% ao ano, são pessoas que ganham até dois salários mínimos.

Elas comprometem 2,75% da renda com a modalidade, percentual que sobe para 21,1% entre os 10% mais endividados do grupo. Os dados foram apresentados no seminário “Correio Debate — Como fazer os juros caírem no Brasil?”, logo após a autoridade monetária divulgar a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana passada, que reduziu a taxa básica, a Selic, para a mínima histórica de 6% ao ano. O documento sinalizou que os juros podem cair ainda mais na próxima reunião do colegiado. No seminário, o presidente do BC destacou, porém, que redução mais acentuada dos juros no Brasil vai depender da continuidade das reformas estruturais, em especial, a da Previdência.

Campos Neto afirmou, ainda, que o BC estuda formas de ampliar e baratear crédito, como a regulamentação da hipoteca reversa, uma modalidade de financiamento voltada, sobretudo, para idosos, em que o cliente dá um imóvel como garantia, recebendo, em troca,  um fluxo de empréstimos até o fim da vida — uma espécie de renda vitalícia. Segundo ele, esse tipo de operação, somada aos empréstimos tracionais com garantia em imóveis, poderia injetar R$ 500 bilhões em crédito no mercado, praticamente dobrando o volume atual.

No caso do cheque especial, o presidente do BC observou que quem está na parte de baixo da pirâmide social está “pagando para quem está em cima”. “Nossas conversas (para as mudanças) vão no sentido de como diminuir essa regressividade. Também é necessário ter compreensão do instrumento. A educação financeira é chave nesse sentido”, destacou Campos Neto. De acordo com os dados do BC, 67% das pessoas que mais usam o cheque especial têm até o ensino médio.

Inadimplência

Durante a palestra, Campos Neto enfatizou que o spread bancário — diferença entre a remuneração que o banco paga para captar recursos e quanto cobra para emprestar o mesmo dinheiro — é alto no Brasil por vários fatores, mas, principalmente, por conta da inadimplência. E explicou que haverá melhorias com a implementação do Cadastro Positivo e do open banking (sistema em que os dados bancários pertencem aos clientes, e não às instituições financeiras). Frisou, porém, que é preciso aumentar a segurança jurídica na recuperação de crédito, que é baixa no Brasil. Os processos levam de três a quatro anos e recuperam apenas 20% dos valores observados em outros países.

O BC trabalha ainda para diminuir o volume de crédito direcionado, aquele que tem taxas subsidiadas e gera custo para os cofres públicos. “O país precisa se reinventar. Nós batemos no muro fiscal e precisamos migrar para o crédito privado”, afirmou Campos Neto. Ele observou ainda que o desaquecimento da economia global e a tensão entre Estados Unidos e China deixam o quadro conturbado. Porém, enfatizou que está “tranquilo” e que é necessário olhar o cenário a mais longo prazo.

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Incentivo à educação

 

 

 

 

 

Vera Batista

Gabriel Pinheiro

07/08/2019

 

 

 

O sistema bancário está mudando rapidamente, e o cidadão precisa acompanhar. Sem educação financeira e entendimento dos mecanismos do crédito, a tendência é de que o brasileiro caia na armadilha do endividamento. Para evitar esse círculo vicioso, o Banco Central criou vários projetos de incentivo à poupança e ao investimento, e está fazendo parcerias com os maiores bancos do país, afirmou, ontem, Maurício Moura, diretor de Relacionamento e Supervisão de Conduta do BC, durante o Correio Debate: Como fazer os juros caírem no Brasil?”.

Explicar para a população de forma didática a diferença entre a taxa cobrada pelos bancos no cartão de crédito e no cheque especial, em torno dos 300% ao ano, e a Taxa Básica de Juros (Selic), de 6% anuais, é mais um desafio. No entanto, o diretor afirma que “o mais importante é mostrar opções muito mais baratas do que o cartão de crédito e o cheque especial, como crédito pessoal ou consignado, se a pessoa, de fato, precisar de mais recursos”.

Moura lembrou que o mercado está povoado de novidades, mas encontra um cliente com baixa formação financeira. “Cliente mais educado traz mais concorrência. Pesquisa mais, contesta mais o banco, procura mais, usa mais portabilidade, por exemplo. Isso acaba sendo benéfico. Juntando concorrência e menor inadimplência, eu reduzo, seguramente, o custo do crédito”, afirmou.

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Crédito ajuda a formar patrimônio

 

 

Maria Eduarda Cardim

07/08/2019

 

 

 

Se as pessoas inadimplentes no Brasil formassem um país, haveria uma população maior do que a da Colômbia e o dobro da do Peru. A informação foi dada ontem pelo professor do Insper Ricardo Rocha, que participou do painel Cidadania financeira, a importância da educação, durante o seminário Correio Debate: Como fazer os juros caírem no Brasil? De acordo com os dados apresentados pelo professor, enquanto cerca de 63,2 milhões de pessoas vivem na inadimplência no Brasil, a população colombiana é de 50,2 milhões de pessoas e a peruana, de 33,1 milhões.

Na opinião de Rocha, é preciso olhar com atenção para o indivíduo que o país tem. “O crédito é fundamental na gestão das finanças pessoais e, de maneira correta, ajuda a família a construir patrimônio. Então, é preciso gastar um pouco mais de tempo ensinando as pessoas a refletirem sobre ele (crédito), e não só sobre investimentos. A gente bate muito em cima de investimentos em uma população de 63 milhões de negativados. Não há sentido”, afirmou.

Poupança

Para ele, os programas de educação financeira cresceram muito nos últimos 20 anos, mas ainda tratam de maneira privilegiada o ensino da poupança. “Os programas deveriam trabalhar mais a questão de como se comportar ao contratar crédito e se perguntar  por que contratar”, alertou.

O professor lembra que o crédito é um produto como qualquer outro e, por isso, é preciso trabalhar o consumo dele. “Na hora que o consumidor vai às compras, a primeira coisa que ele faz é pesquisar os preços. O próprio site do Banco Central mostra que existem diferenças significativas entre as taxas das instituições. As pessoas têm que adquirir o hábito de pesquisar isso também”, ressaltou.

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Previdênca é o começo de tudo

Thaís Moura

07/08/2019

 

 

 

A jornalista e diretora do site Letras e Lucros, Mara Luquet, considera que um dos grandes erros durante o crescimento da educação financeira, nos últimos 10 anos, foi não considerar a desigualdade brasileira. “A grande maioria da população não tem capacidade de poupança. O indivíduo sabe que tem de guardar dinheiro, mas não tem como.” Para ela, o pecado foi não ter começado pela educação previdenciária. Essas pessoas não conseguem poupar, mas têm que ser incluídas na Previdência e, hoje, temos mecanismos para incluí-las”, afirmou.

Mara explica que, como muitos não têm a capacidade de poupança, por ganharem pouco, é necessário que sejam formalizados para ter cobertura previdenciária. “É importante que a pessoa se formalize e que a dona de casa, por exemplo, pague a Previdência oficial do governo”, destacou. “A educação previdenciária é o começo de tudo, e ela é para todo mundo”, completou. Ela admite, entretanto, que a grande maioria dos brasileiros não vai precisar de poupança, porque a renda é tão baixa que o teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda cobre o valor.

Informações

A diretora do Letras e Lucros acredita que a prioridade do país deve ser melhorar a renda da população, porém ressalta que quando as condições estiverem melhores, a mesma população precisará de mais informações sobre o crédito. “A verdade é que a grande maioria dos brasileiros vai precisar do crédito para prosperar. A dívida é legítima, desde que o cidadão saiba se endividar e tenha capacidade para o pagamento”, afirmou. (MEC)