O globo, n.31411, 07/08/2019. Economia, p. 22

 

Bolsonaro altera publicação de balanço na mídia 

07/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro lançou mão de uma medida provisória para alterar uma lei que ele mesmo sancionou recentemente, a 13.818, que trata do regime simplificado de publicidade de atos societários e publicações de sociedade anônima. Pela lei anterior, originária de um projeto apresentado pelo então senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) que tramitou no Congresso por quatro anos, as empresas poderiam publicar suas demonstrações financeiras de forma resumida, a partir de 1° de janeiro de 2022.

Ao comentar o assunto, o presidente disse que retribui o tratamento que recebeu da imprensa na campanha. Até 2022,valeria a regra estipulada pela lei das S.A., de 1976, que determina a publicação do balanço no Diário Oficial da unidade federativa em que estiver situada a empresa e em jornal de grande circulação nacional. Bolsonaro sancionou a regra em 24 de abril deste ano. Esta exigência foi retirada pela medida provisória 892, que está publicada no Diário Oficial da União de ontem. Segundo o texto, publicações obrigatórias devem ser feitas apenas pelos sites da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o da própria companhia e o da Bolsa, no caso de empresas de capital aberto.

Caberá ainda à CVM regulamentar a aplicação da legislação alterada, possivelmente por meio de instruções normativas (INs). O ministro da Economia definirá a forma de publicação e divulgação dos atos das companhias fechadas.

Medidas provisórias podem ser editadas pelo presidente em casos de relevância e urgência. Valem por dois meses, mas podem ser reeditadas uma única vez. Entram em vigor de forma imediata e devem ser aprovadas por Câmara e Senado em até 120 dias.

AVALIAÇÃO DO CONGRESSO

O tema é regulado pelo artigo 62 da Constituição Federal. Cabe ao Congresso avaliar previamente se os pressupostos constitucionais, entre eles o da relevância e urgência, foram atendidos.

Em pronunciamento no Congresso da Federação Nacional da Distribuição dos Veículos Automotores (Fenabrave), Bolsonaro ironizou dizendo que a medida vai “ajudar a imprensa de papel”, porque as empresas não terão mais que publicar seus balanços. Ele criticou reportagem do GLOBO sobre a nomeação pela família de Bolsonaro de 102 funcionários com parentes ou relações familiares entre si. Em diversos casos, há indícios de que os servidores não exerciam as funções para as quais foram nomeados.

— Sobre a matéria de domingo de 102 parentes, queria dizer à imprensa que não sou o deus Príapo (da fertilidade).

Mapeamento feito pelo GLOBO com uso da Lei de Acesso à Informação sobre os assessores parlamentares da família Bolsonaro identificou 286 pessoas nomeadas nos gabinetes desde 1991. Deste total,a reportagem verificou que ao menos 102 têm algum parentesco ou relação familiar entre si, fazendo parte de 32 famílias diferentes. Bolsonaro criticou ainda o jornal Valor Econômico.

— Eu espero que o Valor Econômico sobreviva à medida provisória de ontem, eu espero — disse, entre risos.

— Vão fazer este tipo de política? Pensar que o Valor me entrevistou por duas vezes durante a campanha. A segunda manchete era‘ Bolso na rotem apolítica econômica idêntica à de Dilma Rousseff’. Pelo amor de Deus, pô. Eu não sou umDilm ode calça comprida—disse, e arrematou:

— Imprensa, eu ganhei as eleições, eu sou o Johnny Bravo. Parem de me derrubar. Vamos em frente. Vamos criticar com razão.

Ao contrário do que disse o presidente, ele não concedeu entrevista ao Valor durante a campanha eleitoral, embora tenha sido procurado diversas vezes. Em 2017, antes da campanha, Bolsonaro deu duas entrevistas ao jornal, sem ter designado ainda coordenador econômico, função que depois seria exercida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Na primeira, foi perguntado sobre economia. Em nenhum momento era feita a afirmação de que apolítica econômica de Bolsonaro era idêntica à de Dilma Rousseff. A reportagem lembrava que, durante o governo FH, Bolsonaro votou da mesma forma que o PT em temas econômicos, como a reforma da Previdência.

Mais tarde, em evento em Itapira (SP), Bolsonaro voltou ao tema:

— No dia de ontem, eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou. Assinei uma medida provisória fazendo com que os empresários, que gastavam milhões de reais para publicar obrigatoriamente, por força de lei, seus balancetes nos jornais, agora podem fazê-lo no Diário Oficial da União a custo zero.

Na sequência, o presidente disse que a medida não era uma retaliação:

—Não é uma retaliação contra a imprensa. É tirar o Estado de cima daquele que produz.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, defendeu que o Congresso construa um acordo em torno de nova regra sobre a publicação de balanços:

— Retirar essa receita dos jornais da noite para o dia não me parece a melhor decisão. A Câmara e o Senado poderão construir um acordo em que a gente olhe o futuro onde o papel jornal de fato não seja um instrumento relevante. Mas, no curto prazo, é difícil a gente imaginar, nos próximos cinco, seis anos, que da noite para o dia vamos inviabilizar milhares de jornais que funcionam todos os dias informando a sociedade brasileira com muita competência.

À tarde, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, disse que a MP se justifica pela necessidade de simplificação de processos. Ele afirmou que Bolsonaro não busca se contrapor à imprensa.

Em nota oficial, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) disse que recebeu “com surpresa e estranhamento” a edição da MP. A entidade afirmou que o texto está “na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade”.