O globo, n.31411, 07/08/2019. Mundo, p. 24

 

Mensagens comprometem presidente do Paraguai

07/08/2019

 

 

Mensagens trocadas entre o presidente Mario Abdo Benítez e Pedro Ferreira, então presidente da Ande, a estatal energética do Paraguai, publicadas ontem pelo jornal ABC Color, revelam que o mandatário tinha conhecimento de que a ata diplomática assinada em maio com o Brasil contrariava os interesses de Assunção na compra de energia da hidrelétrica binacional de Itaipu. Abdo Benítez teria pressionado o titular da Ande a endossar o acordo, e pedido que o documento fosse mantido em segredo, de acordo com reproduções das mensagens.

Segundo os relatos, em junho o governo brasileiro exerceu pressão para que os termos fossem cumpridos, convocando o embaixador paraguaio, Hugo Saguier, ao Itamaraty para entregar-lhe um “aidemémoire”, que mostrava o “mal-estar do governo brasileiro” com o fato de o Paraguai “não cumprir os compromissos assumidos na ata de 24 de maio”. Saguier diz que teria sido chamado para um encontro com o secretário-geral do Itamaraty, Otávio Brandelli, mas acabou reunindo-se com a embaixadora Eugenia Barthelmess, diretora do Departamento de América do Sul .Procurado, o Itamaraty disse que não comentaria a reportagem.

Pela ata —cancelada por Assunção em 1º de agosto, depois que Abdo Benítez passou a sofrer ameaça de impeachment —, o governo paraguaio passaria a declarar gradualmente, até 2022, uma contratação maior da energia dita “garantida” de Itaipu, mais cara, deixando de contar com a chamada “energia excedente”, bem mais barata. Segundo técnicos paraguaios, os gastos do país aumentariam em ao menos US$ 200 milhões anuais.

As mensagens publicadas pelo ABC Color, que vão de março a julho, mostram como o presidente paraguaio teria pressa para fechar um acordo — fundamental para “movimentar a economia”de seu país — e ignorado as preocupações de Ferreira de que os termos fossem prejudiciais a Assunção.

Um dos recados, datado de 23 de junho, dá a entender que Abdo Benítez estaria ciente das negociações com a empresa brasileira Léros para a compra de parte da energia de Itaipu que o Paraguai não consome, supostamente realizadas sob a tutela do vice-presidente Hugo Velázquez.

Em entrevista ao ABC Color, o presidente negou ter sofrido pressões brasileiras para fechar o acordo, afirmando que as relações entre os dois países vão além de Itaipu. Segundo o mandatário paraguaio, o Brasil tem demonstrado “muita predisposição” para resolver questões controversas entre os dois países. Ele, contudo, não negou a existência de “uma situação tensa” causada por desavenças entre a Ande e a Eletrobras.

O presidente paraguaio disse, ainda, não ter pedido uma explicação item a item da ata diplomática, confiando em seu chanceler, em seu embaixador no Brasil e na equipe técnica de Itaipu — o chanceler Luis Castiglioni e o embaixador Hugo Saguier renunciaram em 29 de julho,emmeio ao escândalo causado pela divulgação, em 24 de julho, dos termos da ata de maio.

De acordo com Abdo Benítez, o governo paraguaio fez uma opção para que as negociações fossem mantidas em segredo, já que torná-las públicas deixaria a situação ainda mais difícil.

Na semana passada, o advogado José Rodríguez González, que se apresentou como assessor de Velázquez, afirmou ter pedido a retirada de um ponto da ata que daria ao Paraguai o direito de vender parte de sua energia de Itaipu no mercado livre brasileiro, o que hoje é vetado. Com isso, segundo Rodríguez, não haveria concorrência para o grupo brasileiro Léros. Ao GLOBO, a Léros confirmou o interesse na compra de energia paraguaia, mas negou qualquer pedido de favoritismo.

‘TEMPOS DIFÍCEIS’

Na entrevista concedida ao ABC Color ontem, o presidente paraguaio negou ter conhecimento do envolvimento da Léros e das negociações supostamente realizadas sob a tutela de seu vice. Abdo Benítez disse, ainda, que nunca pediu a retirada do ponto que daria ao Paraguai o direito de vender livremente parte de sua energia de Itaipu, afirmando, pelo contrário, ter dado “luz verde” à medida.

No início de julho, Ferreira —que viria a se demitir da direção da Ande em 24 de julho — continuou a reclamar das negociações, dizendo que poderiam representar um prejuízo de US$ 341 milhões para o Paraguai. O presidente respondeu alegando que o país vivia “tempos difíceis” e que sofria pressões do Brasil, do qual dependia para a construção de duas linhas de transmissão.