Valor econômico, v.20, n.4756, 23/05/2019. Política, p. A12

 

Centrão e oposição tiram o Coaf de Moro por margem apertada 

Raphael Di Cunto

Renan Truffi

Isadora Peron

23/05/2019

 

 

A Câmara dos Deputados aprovou ontem a medida provisória (MP) da reforma administrativa do governo Bolsonaro com a retirada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), responsável por investigações de lavagem de dinheiro e sonegação, do comando do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, mas, numa reviravolta provocada por ataques do líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), a sessão foi derrubada e a conclusão da votação, adiada para hoje.

A votação caminhava para o fim e os deputados votariam emenda polêmica, apresentada pelo relator da MP, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), para limitar o poder de investigação da Receita Federal a crimes tributários. O líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), orientou voto contrário, dizendo que isso estimularia a corrupção. Elmar, então, subiu a tribuna, afirmou que o governo usava um "procedimento canalha", que foi induzido a erro e que a emenda era do líder do governo. "Se ele não fez com a aquiescência do presidente, deveria ser demitido no dia seguinte, mas ele fez, porque é homem de bem, diferente de outras pessoas", acusou.

Aplaudido pela oposição e vaiado pelo PSL, o líder do DEM afirmou que não tinha processos e que "puxaria a ficha corrida" deles. "Eu não mexo com laranja, não tenho plantação de laranja", atacou. Disse ainda que os protestos convocados para defender o fechamento do Congresso não eram democráticos. "Se o presidente fizesse isso seria crime de responsabilidade, e o parlamentar fazer isso é falta de decoro."

Minutos antes, numa articulação liderada por Elmar com outros partidos do Centrão e da oposição, a Câmara tirou o Coaf de Moro e o devolveu para a área econômica, onde funcionava desde 1996.

A derrota do governo teve o apoio formal de quase todos os partidos e um "corpo mole" da articulação política do governo, que não se movimentou para auxiliar o ministro. Os líderes do Centrão passaram o dia contando os votos e negociando para convencer os parlamentares da mudança, com ameaças de perda de relatorias importantes. Apesar disso, o placar foi apertado, por 228 a 210 - o Centrão esperava pelo menos 280 votos.

Uma tese que ganhou força no plenário, contra a pressão das ruas e das redes sociais para que o ministro fosse fortalecido, é que Moro já está com vaga prometida no Supremo Tribunal Federal (STF) e que não haveria garantias de que o novo ministro teria isenção ou se perseguiria adversários. "O que é normal é que o Coaf permaneça na Economia. Em todos os países civilizados funciona assim. A nossa defesa é técnica, são as instituições que funcionam sem personalismos", disse o líder do PP na Câmara, o deputado Arthur Lira (AL).

Os únicos partidos que votaram a favor do Coaf na Justiça foram o PSL do presidente Jair Bolsonaro, Novo, Cidadania, Pros, PV e Podemos. "O Coaf era um órgão menor, com só 20 servidores efetivos. Hoje já tem 35, com perspectiva de chegar a 70 até o fim do ano. A manutenção no Ministério da Justiça com Moro é essencial para o combate à corrupção", disse o deputado Diego Garcia (Pode-PR). Divididos, PSD e PSDB liberaram seus parlamentares e não tomaram posição, mas a maioria de seus deputados votou a favor do ministro.

Moro lamentou a decisão. "Faz parte do debate democrático. Agradeço aos 210 deputados que apoiaram o plano de fortalecimento do Coaf", afirmou em nota.

Antecipando-se à derrota, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou que vai manter o presidente do Coaf, Roberto Leonel, um antigo aliado de Moro da "República de Curitiba", e a atual diretoria. Segundo fontes, os dois ministros conversaram e acertaram a continuidade da cúpula do órgão para evitar a descontinuidade dos trabalhos.

Desde que assumiu a pasta, Moro trabalhou para reestruturar o Coaf: além de aumentar a equipe, criou setor para alimentar com dados as grandes operações de combate à corrupção.

Em troca do apoio da oposição, o Centrão negociou manter as questões indígenas, inclusive a demarcação de terras, sob responsabilidade do Ministério da Justiça - o que Moro não queria. O MDB fez emenda em nome da bancada ruralista para que essas questões ficassem na Agricultura, como propôs Bolsonaro, mas desistiu antes da votação.

Os parlamentares confirmaram ainda outros pontos da versão da comissão mista do Congresso sobre a MP, com mudanças em relação à proposta de Jair Bolsonaro, como a transferência da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) do Ministério da Economia para o da Ciência e Tecnologia e dos registros sindicais da Justiça para o da Economia, mas mantiveram em 22 os ministérios.

A comissão chegou a aprovar a divisão do Ministério do Desenvolvimento Regional em dois, das Cidades e da Integração Nacional. Bolsonaro propôs a fusão das pastas, mas, num acordo com a cúpula da Câmara e do Senado, aceitou dividi-las para contemplar indicações políticas. Isso provocou reação do partido do presidente, o PSL, e de outras legendas independentes. Bolsonaro recuou e, com isso, todos os partidos votaram pela rejeição.

A MP irá para deliberação do Senado com 22 ministérios, sete a mais do que os prometidos por Bolsonaro na campanha eleitoral, mas menos do que os dos governos Lula, Dilma e Temer. Entre as principais mudanças estão as fusões da Fazenda e Planejamento na Economia e dos Portos, Aviação e Transportes na Infraestrutura. A Câmara rejeitou ainda a recriação dos ministérios da Cultura e do Trabalho. (Colaborou André Guilherme Vieira, de São Paulo)