Correio braziliense, n. 20530, 08/08/2019. Política, p. 6

 

Cerco a Dallagnol avança

Jorge Vasconcellos

08/08/2019

 

 

Ministério Público » Conselho que fiscaliza atuação de procuradores e promotores avalia na próxima semana dois procedimentos contra o chefe da força-tarefa da Lava-Jato. Ao todo, ele responde a nove reclamações e a um processo disciplinar no colegiado

Membros do Ministério Público, ouvidos pelo Correio, expressaram opiniões opostas sobre a conduta do procurador Deltan Dallagnol à frente da força-tarefa da Lava-Jato. Festejado como o coordenador da maior operação de combate à corrupção da história do país, ele está no centro da crise aberta com a série de reportagens do site The Intercept Brasil, baseadas em mensagens vazadas do Telegram. No Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Dallagnol é alvo de um processo administrativo disciplinar e de nove reclamações disciplinares, seis delas relacionadas ao vazamento dos diálogos.

O CNMP, presidido pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, é o órgão encarregado de fiscalizar a atuação dos procuradores e promotores. A próxima reunião ordinária do colegiado está marcada para a próxima terça-feira e inclui dois procedimentos contra Dallagnol. Um deles é uma reclamação disciplinar aberta a pedido do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que acusa o procurador de fazer contra ele acusações falsas desde 2017, ainda no período pré-eleitoral, “em nítida tentativa de influenciar o resultado do pleito”, segundo trecho do documento.

No CNMP, as reclamações disciplinares são abertas pelo corregedor nacional do Ministério público. É por meio da análise do voto do corregedor que o plenário decide abrir ou não um processo administrativo disciplinar (PAD). Um procedimento desse tipo também está na pauta da próxima sessão do colegiado. Ele resulta de uma queixa apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e está relacionado a uma entrevista concedida por Dallagnol à rádio CBN, em 2018, na qual ele afirmou que a Suprema Corte passa a mensagem de leniência a favor da corrupção em algumas de suas decisões.

“Toda essa retaliação já era esperada, e é idêntica à que se viu, na Itália, após a Operação Mãos Limpas, que desbaratou um enorme esquema de corrupção”, disse Francisco Dirceu Barros, procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. “Na Itália, após a operação, a sociedade se voltou contra o Ministério Público, que sofreu um enorme desgaste, e, no Brasil, a Lava Jato também está sendo alvo de retaliação, por ter investigado e prendido poderosos”, acrescentou.

“Vejo com muita consternação o que considero trágico e mancha a história do Ministério Público, uma instituição que foi criada pela Constituição de 1988 com a missão de defender a ordem jurídica nacional e que hoje está envolvido em investigações extrajudiciais, completamente ilegais, cujos procuradores recebem ordens de um juiz e as cumprem”, afirmou o promotor de Justiça do Estado de São Paulo Gustavo Costa.

Rogério Greco, procurador de Justiça aposentado de Minas Gerais, considera que Dallagnol e outros integrantes da Lava-Jato estão sendo alvo de “uma perseguição absurda” por terem colocado poderosos atrás das grades, acusados de corrupção. “Tudo isso que está acontecendo, modéstia à parte, eu previa há muitos anos, que essa fúria investigatória, esse seletivismo penal do Ministério Público fosse conduzir a situações assim. Claro que assusta, indigna, mas não surpreende”, declarou o ex-procurador de Justiça Roberto Tardelli.

Frase

“Toda essa retaliação já era esperada, e é idêntica à que se viu, na Itália, após a Operação Mãos Limpas, que desbaratou um enorme esquema de corrupção”

Francisco Dirceu Barros, procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Pernambuco.

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Ação mirou Gilmar, diz site

08/08/2019

 

 

 

 

O site The Intercept Brasil, em parceria com o portal Uol, publicou ontem novas mensagens atribuídas ao procurador Deltan Dallagnol, segundo as quais ele teria usado o partido Rede Sustentabilidade para driblar as limitações da força-tarefa da Lava-Jato e mover uma ação contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com a publicação, a articulação teria envolvido o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e resultou na apresentação de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF — atribuição que não compete à Lava-Jato — para impedir que Gilmar libertasse presos nos processos em que ele não fosse o juiz da causa. A negociação teria sido relatada por Dallagnol a outros integrantes da força-tarefa a partir de 9 de outubro de 2018, segundo os diálogos mostrados na reportagem.

“Resumo da reunião de hoje: Gilmar provavelmente vai expandir decisões da Integração pra Piloto. Melhor solução alcançada: ADPF da Rede para preservar juiz natural”, teria escrito Dallagnol no Telegram, no grupo Filhos do Januário 3, formado por membros da Lava-Jato.

Duas horas mais tarde, segundo a publicação, o procurador retornou ao Telegram e disse que o senador do Amapá teria concordado em propor a ação judicial pretendida pela Lava-Jato. No dia seguinte, 10 de outubro, o procurador Diogo Castor, conforme a notícia, teria relatado a remessa de uma sugestão de ADPF para um assessor de Randolfe. No dia 11, a Rede protocolou a ADPF que pedia que Gilmar Mendes fosse impedido de liberar indiscriminadamente presos na Lava-Jato. (JV)