Valor econômico, v.20, n.4758, 27/05/2019. Política, p. A6
Defesa das reformas motiva manifestações pró-governo Bolsonaro
Carolina Freitas
Aricia Martins
Kauanna Navarro
Vandson Lima
Marcos de Moura Souza
Juliana Schincariol
27/05/2019
Manifestantes foram às ruas nos 26 Estados e no Distrito Federal ontem para declarar apoio ao presidente da República Jair Bolsonaro. Prometidos para 350 cidades, os atos concretizaram-se em 156. No dia 15 de maio, quando ocorreram protestos contra os cortes no orçamento da educação, também em todos os Estados brasileiros, houve engajamento em 198 cidades. A Polícia Militar local estimou 20 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. No Rio e em São Paulo, a PM não divulgou números de participantes das manifestações, que aconteceram na orla de Copacabana e na avenida Paulista.
Líder dos caminhoneiros, Wanderley Alves, conhecido como Dedeco, afirmou que representantes da categoria participaram dos protestos em 30 cidades, como Vitória, Londrina e Curitiba. "Nós, caminhoneiros, abraçamos o povo, o presidente Jair Bolsonaro e as pautas do Paulo Guedes", discursou Dedeco do alto de um carro de som na capital paranaense, onde 120 caminhões saíram em carreata.
A defesa das reformas propostas pelo governo Bolsonaro foi a principal motivação de quem aderiu à manifestação na capital paulista. O motivo foi citado por 75% das 436 pessoas entrevistadas pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP). Os dados obtidos em primeira mão pelo Valor indicam ainda que o apoio à operação Lava-Jato moveu 8% dos manifestantes e o repúdio à atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), 6%. A contrariedade com o Centrão no Congresso levou outros 6% das pessoas às ruas. "É um recado eloquente ao Congresso", afirma o coordenador do grupo de pesquisa, o professor Pablo Ortellado. "Surpreende as pessoas responderem que foram às ruas pelas reformas, especialmente quando isso inclui as impopulares mudanças na Previdência."
Para Ortellado, em termos de público, os atos não foram nem grandes demais para serem considerados um sucesso, nem pequenos demais para serem lidos como um fracasso. "A estratégia de mostrar que o governo tem respaldo popular foi bem-sucedida. O resultado será um tensionamento das relações do Executivo com o Congresso."
Apesar da leitura de que os protestos de ontem tiveram tamanho mediano, a oposição a Bolsonaro já tenta diminuir os atos, da mesma forma que a base passa a impressão de o movimento ter movido multidões. "Frente aos atos pela educação, os protestos de hoje levaram um 7 a 1", afirmou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
No dia 15, em ato pró-educação
Nas ruas, nos discursos de lideranças ao microfone, predominaram os ataques aos partidos de centro, ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e ao STF. Além disso, foi uma constante pelo Brasil a defesa do ministro da Justiça, Sergio Moro, representado por um boneco inflável gigante no corpo de Super-Homem, em Brasília. As falas defendiam a aprovação do pacote anticrime e anticorrupção de Moro e a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para a pasta da Justiça.
As críticas ao STF incluíram a reprise de frase do filho do presidente Eduardo Bolsonaro do alto de um carro de som, pelo deputado estadual Filippe Poubel (PSL-RJ), no Rio. "Para fechar o Supremo só precisa de um soldado e um cabo", disse Poubel, "A população está de saco cheio." Em São Paulo, o senador Major Olímpio (PSL-SP) bradou: "Nos aguarde, STF." Em Belo Horizonte, faixas levadas por manifestantes informavam: "O STF quer nos calar" e "STF, o povo quer outra Justiça".
Ao longo do dia, foram registrados xingamentos e ameaças a profissionais da imprensa que trabalhavam na cobertura das manifestações. Em Curitiba, bolsonaristas arrancaram, sob aplausos, da fachada de prédio da Universidade Federal do Paraná (UFPR) uma faixa com os dizerem: "Em defesa da educação". Em Brasília, uma manifestante deu bandeiradas em um jornalista que acompanhava a chegada do presidente ao Palácio do Alvorada. Na capital paulista, quando o helicóptero de uma emissora de televisão sobrevoava a Avenida Paulista, o líder do "Revoltados Online", Marcello Reis, puxou ao microfone gritos contra a emissora. "Eles não gostam da gente", justificou Reis.
Os pesquisadores da USP coordenados por Pablo Ortellado traçaram o perfil dos manifestantes e identificaram uma rejeição de até 98% a veículos tradicionais de imprensa profissional. Enquanto isso, a página do Facebook "República de Curitiba", que dissemina conteúdo pró-governo, foi classificada como confiável por 44% dos presentes ao ato na Avenida Paulista. O público foi majoritariamente masculino (65%), com idades entre 35 e 44 anos (23%) e entre 55 e 64 anos (23%), branco (66%), com renda entre 5 e 10 salários mínimos (28%), com ensino superior (68%) e de religião católica (41%).
O grupo estuda o público de manifestações de direita desde 2014 e identificou que, ao longo desse período, há a definição de uma identidade dos manifestantes. "Naquela época, as pessoas não se identificavam com partidos ou com algum lado do espectro ideológico. O que os unia era o antipetismo", diz Ortellado. "Agora temos uma identidade de direita, que se diz muito conservador, antifeminista e que tem como referência o PSL."
Apesar da pauta dos organizadores relacionada às reformas que o governo tenta passar no Congresso, viu-se nas ruas a defesa de temas tão diversos quando a volta da monarquia, a cura gay, uma "intervenção constitucional" e o combate ao comunismo. "Eu andava com um livro do Che Guevara na mão. Era prova de inteligência ser comunista. Hoje é burrice", afirmou sob gritos e aplausos o empresário da noite Oscar Maroni, na capital paulista. O dono de casa de entretenimento adulto discursou de cima do carro de som do "Movimento Brasil Conservador".
O slogan de campanha e de governo de Jair Bolsonaro - "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" - também foi ouvido repetidamente nos atos. "Nosso povo é bom. Queremos Deus acima de tudo. O STF não tem direito de legislar sobre aborto, eutanásia e educação. Queremos um Brasil que respeita as tradições cristãs", disse ao microfone o herdeiro da família real brasileira Dom Bertrand de Orleans e Bragança, em São Paulo. Do chão, o contador Evandro Carnelosso acompanhava o discurso do príncipe de camiseta amarela e com uma bandeira com o símbolo da monarquia brasileira nas costas. "Para mim é mais importante apoiar o príncipe do que o governo Bolsonaro", disse Carnelosso.
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Para presidente, povo foi às ruas pelo 'futuro do país'
Isadora Peron
Vandson Lima
Alessandra Saraiva
27/05/2019
O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que as manifestações a favor do governo aconteceram sem nenhum incidente e que as pessoas foram às ruas pedir paz, democracia e responsabilidade. "Não houve nenhum incidente [durante os protestos]. [Os manifestantes] foram pedir aquilo que todos querem, paz, democracia, liberdade, responsabilidade. Vamos negociar o futuro dessas crianças aí", disse. Questionado sobre o que o tinha achado do tamanho das manifestações, ele evitou fazer uma avaliação e disse apenas que "as imagens falam mais que mil palavras".
Os comentários do presidente aconteceram ao chegar ao Palácio do Alvorada. Como de costume, ele parou para falar com as pessoas que o aguardavam.
Ao descer do carro, foi recebido com gritos de "mito" e "meu presidente". Ele cumprimentou os presentes, um grupo de 50 simpatizantes, e pegou no colo algumas crianças que estavam com os pais.
O presidente não quis comentar se se referia ao Congresso quando disse, no Rio, que a mobilização era "um recado àqueles que teimam com velhas práticas". "Pergunta para o povo", afirmou.
Bolsonaro disse que o povo foi às ruas para defender o futuro do país. E deu ênfase à espontaneidade dos atos, por ele classificados como um "recado" aos que são dominados por "velhas práticas": "Uma manifestação espontânea, uma pauta definida com respeito às leis e à Constituição, mas com firme propósito de dar o recado aqueles que teimam com velhas práticas, e não deixam que esse povo se liberte."
As declarações foram feitas em discurso na Igreja Batista Atitude, na zona oeste do Rio. O presidente foi convidado a falar no local pelo pastor Josué Valandro Jr., responsável pelo templo. Em sua fala, Bolsonaro reconheceu que, em seu governo "os problemas se avolumam". Mas observou que a gestão atual é a primeira que promove o "casamento" entre a palavra e a prática, nas ações de governo. "Nós estamos mudando paradigmas. Mudando a forma de se apresentar junto a vocês, 208 milhões de pessoas, nas quais eu devo obediência eu devo lealdade, eu devo o norte que tem que ser dado ao futuro do nosso Brasil", afirmou.
A uma plateia de cerca de 3,5 mil fiéis, Bolsonaro lembrou momentos difíceis de sua trajetória, como o atentado em setembro do ano passado, durante a campanha presidencial.
Ao lado de Bolsonaro, o pastor pediu aos fiéis que orassem pelo presidente, e que o público abençoasse o político. O religioso pediu ainda orações por todos no país, por aqueles que "estão no Congresso Nacional".
Mesmo sem ter participado dos atos, Bolsonaro usou as redes sociais para divulgar as manifestações pelo país. Para ele, a "grande maioria foi às ruas com pautas legítimas e democráticas". "Há alguns dias, fui claro ao dizer que quem estivesse pedindo o fechamento do Congresso ou STF hoje [ontem] estaria na manifestação errada. A população mostrou isso. Sua grande maioria foi às ruas com pautas legítimas e democráticas, mas há quem ainda insista em distorcer os fatos", escreveu.
O presidente também publicou em suas páginas pessoais três vídeos de manifestações: no Rio, em São Luís (MA) e em Juiz de Fora (MG) - cidade onde foi esfaqueado em setembro do ano passado, durante a campanha eleitoral.
E à noite, em entrevista à TV Record, o presidente reconheceu ter exagerado ao chamar os estudantes que foram às ruas para protestar contra o contingenciamento na educação no dia 15 de maio de "idiotas úteis".
Bolsonaro disse ainda que não quer brigar com o parlamento, mas que falta conversa e reconheceu ter responsabilidade na ausência de diálogo. Por este motivo afirmou que entrará em contato com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, para fazer um pacto entre os Poderes.