Título: Ato em nome da verdade
Autor: Pompeu, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 10/11/2012, Cidades, p. 35

Manifestação lembrou os desaparecidos durante a ditadura militar na Universidade de Brasília. Houve discursos pedindo Justiça e entregas de placas para homenagear os presos políticos Honestino Guimarães, Ieda Delgado e Paulo Celestino»

Três ex-alunos da Universidade de Brasília foram presos na década de 1970. Nunca mais seus familiares tiveram notícias do que aconteceu com eles. Honestino Guimarães, Ieda Delgado e Paulo de Tarso Celestino opuseram-se e lutaram contra a ditadura militar que vigorou no país entre 1964 e 1985. Considerados inimigos do regime militar, após a prisão, nunca mais foram vistos. Mesmo passados cerca de 40 anos, as circunstâncias do desaparecimento e da morte deles não foram esclarecidas.

Impedir que as histórias dessas pessoas se percam no tempo e recuperar a memória do período da ditadura militar no país foi o mote de um ato realizado na manhã de ontem. Honestino, Ieda e Paulo de Tarso receberam homenagens de parentes, amigos, contemporâneos e companheiros de luta. A reunião ocorreu no auditório da reitoria da UnB em meio a muita emoção dos presentes. Pelo anseio de que os torturadores e algozes dos colegas não sejam anistiados pela passagem do tempo, o encontro recebeu o título de Tortura não tem perdão.

Alguns vieram de longe para o evento. Reencontraram pessoas que não viam há quatro décadas, desde que a ditadura os separou. Debateram a validade das decisões tomadas na época e as consequências de cada uma. Falaram do passado como tentativa de que não se repita e honraram a memória dos que caíram.

O ato foi organizado pelo Coletivo da Oca ao Centro Olímpico — nome dado em referência ao alojamento estudantil feito em madeira, apelidado de oca. Betty Almeida, 64 anos, mediou o encontro. Formada em química, a conjuntura do período de sua graduação a transformou em escritora. Amiga íntima de Honestino e de Ieda, ela prepara uma biografia do primeiro. “Essas figuras simbolizam centenas de pessoas que desapareceram, foram presas fora das decisões da Justiça, vítimas de torturas, massacres. Simboliza a disposição de esclarecer o que aconteceu. Esses crimes não foram só contra eles, mas contra o país todo também”, avalia Betty.

Emoção

Mateus Guimarães, 26 anos, sobrinho de Honestino, se emocionou ao receber as placas de homenagem ao tio e à avó Maria Rosa Leite Monteiro ao fim do evento. Ela morreu sem ter respostas sobre o paradeiro do corpo do filho, apesar de nunca terem deixado de buscar por elas. “As pessoas parecem ainda não ter a compreensão de que a história é cíclica e que as coisas se repetem. Revelar a verdade é ter meios de garantir que aquelas violações não se repitam”, afirmou Mateus. Ele ressaltou que é importante refletir sobre o legado que a impunidade pode deixar para as próximas gerações.

Parte dos participantes ressaltou a semelhança física entre ele e o tio, principalmente depois que o jovem deixou a barba crescer. “Fico honrado, mas quero também ser lembrado por ser parecido com o que ele era. Desde que comecei a conhecer a história dele, percebi que era uma pessoa que amava muito”, acrescentou.

Sônia Deorce, 67 anos, também lembrou a personalidade da amiga Ieda. “Era muito inquieta e teve processo interno de posicionamento. Quando uma pessoa empenha a vida em uma causa num momento em que sabe que pode perdê-la, isso indica um amor ao próximo imenso”, Sônia é formada em letras. Ieda estudou direito. Ficaram amigas por morarem perto na Asa Sul e seguirem juntas para a universidade.

Representando Paulo de Tarso Celestino, Aldir Nunes, 64 anos, falou à plateia sobre os tempos de mobilização pela democracia. “Tínhamos a ideia precisa do que poderia nos acontecer, mas éramos militantes políticos. Queríamos mudar o aquele mundo”, conta. Idealizador da cerimônia, Aldir veio do Maranhão para participar. Ele morou quatro anos em Brasília, sendo dois deles passados nas celas das prisões militares.

Democracia

As placas dadas aos representantes dos homenageados foram produzida pela Associação dos Pós-Graduandos Ieda Delgado, da UnB. Diretor da entidade, Fábio Borges, aproveitou a ocasião para pedir que o grupo continue se mobilizando. “Nossa expectativa é de que, daqui a 15 meses, tenhamos um relatório da Comissão da Verdade que surta efeitos a serem refletidos na garantia da democracia”, defende.

O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, reforçou a necessidade de a instituição se envolver na pressão popular para que a Comissão Nacional da Verdade, instaurada em 16 de maio deste ano, promova justiça. “Estamos comemorando o cinquentenário da UnB. É o momento oportuno para avaliar a história e os episódios que confrontaram o projeto inicial dela”, afirmou.

A universidade também instalou a Comissão Memória e Verdade Anísio Teixeira em agosto, que terá como missão esclarecer episódios de violações de direitos humanos ocorridos na instituição. A UnB foi uma das universidades que mais sofreu com perseguições, prisões, demissões e desaparecimentos de alunos e professores durante o período da ditadura, sendo inclusive invadida em 1968.