O Estado de São Paulo, n. 46120, 25/01/2020. Política, p. A10

 

Auditorias terão acesso a dados sigilosos

Felipe Frazão

Lorenna Rodrigues

25/01/2020

 

 

Decreto autoriza Controladoria-Geral da União a buscar informações nos documentos fiscais de pessoas físicas e jurídicas da Receita

O presidente Jair Bolsonaro ampliou as possibilidades de compartilhamento de dados sigilosos da Receita Federal com dois órgãos de controle, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União. O Fisco agora terá de liberar acesso a informações sobre as quais mantinha domínio exclusivo para subsidiar auditorias promovidas no governo. Durante anos, travou-se uma queda de braço, com disputa jurídica, sobre quem poderia obter os dados fiscais e para quê.

A decisão do presidente, que publicou decreto regulamentando a assunto, representa uma perda de poder para a Receita e foi comemorada na CGU e no TCU. Nos bastidores do Fisco, celebrou-se que a norma não liberou um “acesso irrestrito” dos demais órgãos e impôs uma série de condições para que obtenham os dados e preservem o sigilo.

Antes, as informações só eram fornecidas para fins de investigação, caso a caso, quando havia processo administrativo aberto contra servidores e empresas fornecedoras da administração pública federal.

Só que o Código Tributário Nacional não previa expressamente o compartilhamento dessas informações fiscais para fins de auditoria. De um lado, TCU e CGU interpretavam que era viável. De outro, a Receita era mais restritiva e negava acesso, o que inviabilizava o trabalho dos auditores, inclusive, quando se tratava de o alvo era própria Receita.

Uma eventual auditoria sobre os critérios adotados na Receita para incluir ministros do Supremo Tribunal Federal e familiares na mira do órgão, por exemplo, poderia ficar comprometida sem o aval concedido pelo decreto. No início do ano passado, o vazamento de uma fiscalização envolvendo o ministro Gilmar Mendes e sua mulher, Guiomar, abriu uma crise no Fisco.

“Existia uma dificuldade quando tínhamos de auditar a Receita ou quando precisávamos de confirmação com dados da Receita”, afirmou ao Estado o ministro da CGU, Wagner Rosário. “O decreto coloca um fim nisso. Os dados não serão usados contra a pessoa física ou a empresa, mas verificando um processo do governo, seja de arrecadação ou cumprimento de contrapartidas em troca de isenção fiscal.”

A medida “soluciona” também um impasse na fiscalização dos beneficiários do Bolsa Família. A partir de agora, de posse da base de dados de quem recebe o pagamento, a CGU poderá fazer cruzamentos com os dados armazenados pelo Fisco sobre a declaração de Imposto de Renda, para encontrar casos de pagamentos indevidos.

Para o ex-ministro da CGU Luiz Navarro, o decreto é um “avanço” e consolida o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que autorizou recentemente o compartilhamento de dados sob sigilo entre órgãos de controle e de investigação.

“O decreto facilita muito o intercâmbio. Inicialmente a Receita não queria dar dado nenhum, só com ordem judicial, mas depois foi cedendo”, disse o ex-ministro. “É positivo porque tudo isso foi questionado no STF.”

O decreto determina ainda que o governo passe a publicar no portal da transparência as notas fiscais de compras realizadas por todos os órgãos da administração pública. 

- INFORMAÇÃO

“Existia uma dificuldade quando tínhamos de auditar a Receita ou precisávamos de confirmação com dados da Receita.”

Wagner Rosário

 MINISTRO DA CGU

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Presidente do STJ suspende ação contra Temer por lavagem

Luiz Vassallo

25/01/2020

 

 

Decisão paralisa caso de reforma de casa de filha até Corte decidir se ação fica em São Paulo ou será remetida para Brasília

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, suspendeu ação penal contra o ex-presidente Michel Temer (MDB) por suposta lavagem de dinheiro por meio da reforma da casa de uma das filhas dele, Maristela. Segundo a denúncia da Procuradoria da República, a obra teria sido bancada pelo casal João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, e Maria Rita Fratezi. A decisão de Noronha acolhe pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente e determina que a ação seja paralisada até que a Quinta Turma do STJ analise se o processo fica em São Paulo ou se é remetido para Brasília. Na Quinta Turma, o relator do habeas corpus será o ministro Marcelo Ribeiro Dantas.

Inicialmente, a 6.ª Vara Criminal Federal de São Paulo enviou o caso para Brasília, por ver conexão com outra denúncia da qual Temer é alvo – por participação no chamado quadrilhão do MDB. No entanto, em novembro de 2019, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3) manteve o processo em São Paulo. A decisão atendeu a recurso da força-tarefa da Operação Lava Jato contra o despacho da Justiça Federal.

Ao decidir pela suspensão, Noronha afirmou que o TRF-3, ao reformar a decisão de primeiro grau, incorreu em “ilegalidade manifesta”, com potencial para prejudicar a defesa de Temer. “Havendo certa relação de dependência entre os delitos apurados em um e outro Juízo, é muito provável que a defesa encontre dificuldades para articular seus argumentos e provas, além do (forte) risco de haver decisões opostas e até mesmo contraditórias em virtude da interpretação e subjetividade dos magistrados responsáveis pela condução dos processos”, disse o presidente do STJ.

Acusação. De acordo com a denúncia apresentada pela Procuradoria em abril de 2019, a reforma da casa da filha de Temer – no valor de R$ 1,6 milhão – teria sido bancada com recursos “fruto de pagamento de propinas e desvios” nas obras da usina nuclear de Angra 3, no Rio.

Para a força-tarefa da Lava Jato de São Paulo, “não há dúvidas” de que a Argeplan, empresa de Lima, “era dedicada a administrar os recursos ilícitos obtidos por Temer, seja operando esquemas de lavagem, seja servindo como local de entregas de propina em dinheiro vivo para o ex-presidente”. Lima é amigo do emedebista. A Lava Jato aponta ainda que a acusação por lavagem “é agravada pelo fato de ter sido paga com dinheiro de crimes praticados por organização criminosa cujas atividades foram detalhadas na denúncia do ‘quadrilhão do MDB’”.

A defesa de Temer afirmou que ele “não recebeu nenhum tipo de vantagem indevida e, por isso, nunca poderia ter praticado lavagem de dinheiro ilícito, que nunca lhe foi destinado”. O advogado de Maristela disse que a origem dos valores utilizados na reforma é “lícita”. Na época da denúncia, a defesa de coronel Lima classificou a acusação como “açodada”.

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Criação do Aliança pode levar CCJ para oposição

Camila Turtelli

25/01/2020

 

 

Indefinição sobre acordo deve tirar comissão mais importante da Câmara do PSL; Republicanos e PDT reivindicam posto

 A criação do Aliança pelo Brasil e a possível saída de parlamentares do PSL dispostos a acompanhar o presidente Jair Bolsonaro podem dar à oposição o controle da principal comissão da Câmara, a de Constituição e Justiça (CCJ). Isso porque ainda não está definido se os acordos firmados no ano passado, quando houve a divisão dos 25 colegiados da Casa, serão cumpridos. Na ocasião, o PSL, que tinha 53 deputados – atrás apenas do PT, com 54 –, ficou com a CCJ, mas, agora, Republicanos (antigo PRB) e PDT reivindicam a comissão.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao Estadão/Broadcast que defende um rodízio no controle da CCJ. Para ele, a ordem seria o Republicanos (que reúne 32 deputados) neste ano, o PDT (28 deputados) em 2021 e o MDB (33) em 2022. Maia, no entanto, afirmou que ainda vai conversar com os líderes de partidos da Câmara para negociar o comando das comissões.

Apesar de o foco ficar nas decisões do plenário da Casa, que reúne todos os 513 deputados, as comissões são fundamentais para o processo parlamentar porque todos os projetos de lei e emendas constitucionais são submetidos, primeiro, ao crivo desses colegiados. Pela CCJ, passam todas as propostas.

Cabe ao presidente de cada comissão definir a pauta de votações. Por isso, uma vez na mão da oposição ou de um deputado não alinhado ao governo, o Planalto poderia ter dificuldades de levar adiante suas propostas. No ano passado, apesar de o atual presidente do colegiado, Felipe Francischini (PSLPR), ser da ala adversária à de Bolsonaro na legenda, ele está de acordo com a maior parte da agenda do governo, principalmente na área econômica.

O PSL alega que o acordo era o partido continuar na presidência da CCJ por mais um ano. A deputada Bia Kicis (PSL-DF), atual vice-presidente da comissão e uma das principais aliadas de Bolsonaro, afirmou que, de acordo com o que foi negociado, seria sua vez de assumir o comando a partir de fevereiro.

“Vamos ter de ver e conversar. Eu continuo pleiteando (a presidência da CCJ). Já falei com o líder (do PSL) Eduardo Bolsonaro”, disse a deputada. “Sair das mãos do PSL seria uma quebra de acordo.”

Para líderes da Câmara ouvidos pela reportagem, a legenda perdeu força após as disputas internas e não deve manter o espaço que teve na estrutura da Câmara em 2019. Além da CCJ, o partido ocupa a presidência das comissões de Relações Exteriores e a de Fiscalização e Controle. Segundo Maia, sem o principal colegiado da Câmara, o PSL terá a preferência na escolha de outras comissões.

Cotados. O líder dos Republicanos, Jhonatan de Jesus (RR), por sua vez, rebateu Bia Kicis. Disse que o acordo do ano passado já previa sua legenda no comando da CCJ neste ano. Caso fique mesmo com o Republicanos, dois nomes são cotados, os dos deputados Lafayette de Andrada (MG) e João Campos (GO). “Meu nome tem circulado entre os pares e, se for isso o que escolherem, estou disposto a assumir”, afirmou Andrada.

O partido faz parte do Centrão, bloco informal que impôs as principais derrotas de Bolsonaro na Câmara no ano passado. Embora alguns integrantes sejam alinhados ao governo, o partido costuma se colocar como independente.

No PDT, que faz oposição declarada a Bolsonaro, o nome cotado é o do deputado Afonso Motta (RS). “No entendimento que fizemos com a Mesa Diretora da Câmara, o PDT teria o direito ao segundo ano de legislatura. Para nós, há esse acordo, mas, evidentemente, temos a compreensão de que esse assunto tem muita complexidade e envolve pretensão das bancadas maiores”, disse o parlamentar. “Estamos tratando com muita seriedade esse assunto, e é Maia quem vai conduzir esse processo”, afirmou.

Os comandos das comissões da Câmara são definidos de acordo com o tamanho das bancadas dos partidos, que se agrupam em blocos para ter mais poder de negociação. Com esses critérios, as legendas entram em uma fila de preferência de escolhas. O PSL, como tem uma das maiores bancadas, ficou com a principal no ano passado, a CCJ, e ainda teve uma a mais do que teria direito após abrir mão da de Finanças para o MDB.

- DISPUTA

“Eu continuo pleiteando (a presidência da CCJ). Sair das mãos do PSL seria uma quebra de acordo.”

Bia Kicis

DEPUTADA (PSL-DF)

“No entendimento com a Mesa, o PDT teria direito ao segundo ano de legislatura. Para nós, há esse acordo.”

Afonso Motta

DEPUTADO (PDT-RS)