O globo, n.31410, 06/08/2019. País, p. 06

 

Governo veta mais uma propaganda, desta vez do Ministério da Justiça

Bela Megale 

06/08/2019

 

 

História descartada. Sobrevivente de tentativa de homicídio, Brandão Filho teve participação em campanha vetada

Quatro meses após o presidente Jair Bolsonaro vetar um comercial do Banco do Brasil, o governo decidiu barrar mais uma propaganda oficial. A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) interrompeu a gravação de uma campanha que seria produzida para defender o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro. Segundo O GLOBO apurou, o motivo do veto é que a história de violência mostrada na peça publicitária contraria as bandeiras da “bala, bíblia e boi” defendidas pelo presidente.

A censura desagradou a Sergio Moro, que aposta na campanha para ganhar o apoio da população na defesa de sua proposta, que tramita no Congresso. O personagem que tinha aceitado contar sua história na TV, mas depois teve a gravação cancelada por decisão da Secom, é Dirceu Moreira Brandão Filho, de 53 anos, que mora em Passos, no sul de Minas. Ele confirmou ao GLOBO ter aceitado o convite para a propaganda, mas conta que recebeu uma ligação da produção “falando que não tinha dado certo”.

—Pediram para eu ir a São Paulo (gravar). Eu estava muito ocupado e falei: “Ah, acho custoso para mim”. Aí ele (o produtor) falou: “Então nós vamos aí”. Mas, não sei por quê, acho que não deu certo —narra Brandão Filho, acrescentando que uma data chegou a ser marcada. —É (a gravação foi marcada), mas eles tinham que vir aqui. Daí, ele falou que dava certo. Ficou marcado para uma segunda-feira. Mas ele ligou no domingo, falando que não tinha dado certo —conta, citando que o último contato foi feito há 20 dias.

O ministério da Justiça foi comunicado pelo chefe da Secom, Fabio Wajngarten, sobre o desgaste que a gravação com Dirceu poderia causar ao governo e à pasta. O argumento é que o autor do crime é um fazendeiro e a história narrada, apesar de se tratar de uma tentativa de homicídio, iria contra bandeiras defendidas pelo governo Bolsonaro, como flexibilizar uso de armas no campo.

Em 1991, durante uma exposição agropecuária na sua cidade, Brandão Filho foi alvo de cinco tiros. Dois o acertaram, um na boca e outro na nuca. O autor dos disparos foi o fazendeiro Omar Coelho Vítor. A justificativa é que sua mulher teria sido “cantada” por Brandão Filho, que, na época, tinha 25 anos. Ele ficou cinco dias em coma e até hoje tem uma bala no corpo.

Esse caso foi o pivô da primeira decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o cumprimento de pena após uma condenação em segundo instância, em 2009. Na ocasião, a Corte decidiu que o réu deveria ficar em liberdade até o processo transitar em julgado. Em 2016, porém, o Supremo reviu esse entendimento e a maioria dos ministros votou a favor do cumprimento da pena após condenação em segunda instância, regra que vigora hoje.

A ideia da produtora e do Ministério da Justiça era usar o caso de Brandão Filho para defender um dos principais pontos do pacote anticrime do ministro, que propõe transformar o entendimento atual do STF em lei. Depois de procurado pela produtora que faz a campanha publicitária, Brandão Filho aceitou contar sua história. Com o veto, porém, a propaganda não será mais gravada. A Secom não quis comentar o assunto.

BANCO DO BRASIL

O episódio é mais um caso de interferência da gestão de Bolsonaro em uma campanha publicitária do governo. No fim do abril, o Palácio do Planalto determinou que o Banco do Brasil retirasse de circulação uma campanha publicitária, cujo mote era a diversidade, por ter desagradado o presidente.

A peça que acabou derrubada pelo crivo de Bolsonaro era estrelada por atores e atrizes negros, outros tatuados, além de homens usando anéis e cabelos compridos. Os personagens escolhidos irritaram o presidente, que teve acesso ao conteúdo do filmete quando ele já estava sendo veiculado. O diretor de Comunicação e Marketing do Banco do Brasil na época, Delano de Andrade, foi demitido e todas as peças de campanha do governo passaram ser submetidas à avaliação da Secom, que até então analisava somente os comerciais institucionais, que visam a reforçar marcas.