O globo, n.31410, 06/08/2019. Economia, p. 15

 

Injeção de ânimo com ressalva 

Geralda Doca 

Pollyanna Bretas

Pedro Capetti

06/08/2019

 

 

A Caixa Econômica informou ontem o cronograma para o saque emergencial de R$ 500 do FGTS e o saque aniversário, nova modalidade que será implementada a partir de 2020 como uma alternativa que permite ao trabalhador receber anualmente uma parcela dos recursos depositados no Fundo. Um dos objetivos d ogo ver noé estimulara economia coma injeção ex trade recursos.

Para viabilizar o saque emergencial, as agências da Caixa vão funcionar em esquema especial, durante o período de pagamento. Nos sábados imediatamente posteriores às datas de liberação dos recursos (ver infográfico), elas funcionarão das 9h às 16h. Durante a semana, o expediente começará duas horas mais cedo. Os primeiros beneficiados serão os correntistas da Caixa que nascera mentre janeiro e abril, pois poderão sacara partir de 13 de setembro. Quem não tem conta como banco poderá retirar o dinheiro a partir de 18 de outubro.

Com mais informações sobre como funcionará o saque dos recursos a partir do próximo ano, a Caixa esclareceu que quem optar pelo saque aniversário e for demitido não poderá retirar todo o saldo da conta vinculada do FGTS. Neste caso, o trabalhador terá direito apenas à multa de 40% do FGTS. Mesmo que ele decida retornar para o modelo de saque atual — o que requer não só um pedido à Caixa como o cumprimento de um prazo de carência de dois anos — não será possível acessara integralidade dos recursos, poisa contas erá considerada inativa.

Os únicos casos em que o trabalhador que optou pelo saque-aniversário e foi demitido conseguirá ter acesso aos recursos são as exceções previstas em lei, como ficar três anos sem emprego com carteira assinada, compra da casa própria, aposentadoria e doença grave, como câncer e HIV. Neste quadro, se o trabalhador demitido conseguir uma nova vaga com carteira, os recursos ficarão presos na Caixa e só serão movimentados nos casos de exceção previstos em lei.

Integrantes da equipe econômica argumentam que, mesmo assim, o saque-aniversário tem vantagens. Ele poderá beneficiar, por exemplo, quem pediu demissão, que fica com os recursos do FGTS presos. O mesmo vale para quem foi demitido por justa causa.

De outro lado, o governo reconhece que um dos principais motivos para a criação do saque- ani versá rioéa avaliação d eque háu madis torção no mercado de trabalho. Para a equipe econômica, existem incentivos à demissão no mercado formal, como o saque total da conta do FGTS e a multa de 40%, além das parcelas do seguro-desemprego. De acordo com um técnico, a rotatividade atinge 40% da mão de obra todos os anos, um percentual muito alto, que afeta as contratações e prejudica a produtividade, pois as empresas não investem na capacitação de seus funcionários.

Segundo integrantes da equipe econômica, o prazo de carência de dois anos para que os cotistas retornem ao modelo de saque atual ajuda a reter os saques do FGTS motivados pelo término do contrato de trabalho. Com base em dados de 2017, os saques por demissão sem justa causa representaram 65,3% do total retirado do Fundo. Em seguida estão aposentadoria (que responde por 16,2%) e compra da casa própria (13,5%).

De acordo com especialistas, a modalidade do saque aniversário pode ser vantajosa em condições específicas, mas o trabalhador deverá ponderar o risco de perder o emprego e a situação das próprias finanças antes de tomar uma decisão. De modo geral, a orientação é usar os recursos para investir ou para quitar dívidas, caso o montante sacado cubra integralmente o débito.

Para Filipe Pires, professor de Finanças do IbmecRJ, o valor liberado é pequeno diante dos riscos:

— O país ainda tem taxa de desemprego alta, crescimento econômico lento e aumento da inadimplência. Abrir mão do valor integral para antecipar uma pequena porcentagem anualmente e esperar três anos (sem carteira assinada) para obter o saque integral é um custo muito elevado.

EMENDAS NO CONGRESSO

Na avaliação do coordenador do MBA de Gestão Financeira da FGV, Ricardo Teixeira, a melhora da economia pode estimular adiante a opção pelo saque anual:

— Se a nossa economia decolar, provavelmente vai ter mais gente querendo sair desse regime antigo do FGTS por causa da rentabilidade.

No Conselho Curador do Fundo, a expectativa é que cotistas de renda mais alta, com estabilidade no emprego, principalmente os funcionários de estatais, optem pelo saque-aniversário.

O primeiro passo da política de distribuição de recursos do FGTS proposta pelo governo será o pagamento do saque emergencial, de R$ 500, que deve estimulara economia no fim deste ano e em 2020. Se depender dos congressistas, porém, o valor definido pelo governo pode subir.

O deputado Paulo Pereira da Silva (SDSP), ligado à Força Sindical, já tem duas emendas prontas para modificara Medida Provisória( MP ). Elevai pro porque tanto o valor do saque emergencial quanto o do saque-aniversário sejam elevados para R$ 3 mil. O pagamento do saque-aniversário é definido de acordo com o saldo da conta: quanto mais recursos no Fundo, menor o percentual que o trabalhador tem direito de retirar. Quem tem mais de R $20 mil de saldo, por exemplo, pode sacar 5% mais uma parcela fixa de R$ 2.900.

O deputado também pretende propor mudanças para que o trabalhador que optar pelo saque-aniversário possa sacar todos os recursos, caso seja demitido. O prazo para apresentação de emendas ao texto original termina hoje. Falta instalar uma comissão para iniciar os trabalhos.

O chefe do Departamento do FGTS e do Fundo de Amparo aoTrab alha dor(FAT) no Ministério da Economia, Igor Vilas Boas de Freitas, disse que a equipe econômica está disposta a comparecera sessões da comissão para esclarecer o teor da medida provisória.

A ideia é defender o texto enviado pelo Executivo e explicar que eventuais mudanças poderiam prejudicar o setor da construção civil, que conta com os recursos do Fundo. Elevar o limite para R$ 3 mil teria impacto de R$ 80 bilhões aR $100 bilhões, oque significa todo o orçamento do Fundo destinado para habitação, saneamento e infraestrutura.

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Com calendário, efeito na economia será maior em 2020

Ana Paula Ribeiro

06/08/2019

 

 

O calendário dos saques de até R$ 500 do FGTS terá efeitos limitados na atividade econômica de 2019. Na avaliação dos economistas, ao estender a liberação dos recursos até março, o governo diluiu o efeito da medida, feita para estimular a economia. Por outro lado, esse calendário tem o potencial de reforçar o crescimento do primeiro trimestre e, dessa forma, melhorar as projeções para 2020.

— Os primeiros meses de 2020 já vão começar com um efeito estatístico importante do quarto trimestre do ano anterior, e ainda haverá uma concentração de recursos na economia, que pode ir para o consumo. Tudo isso pode ajudar a elevar as projeções do Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 — afirmou Luiz Otavio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil.

Leal lembra que, desde o anúncio da liberação do FGTS, as projeções para o PIB de 2019 pararam de cair. Segundo o último boletim Focus, do Banco Central, a média das expectativas de economistas aponta um crescimento de 0,82% este ano e de 2,10% em 2020.

—Agora que já sabemos como serão essas liberações, a projeção para 2020 tende a crescer e ficar mais perto de 2,5% —acredita Leal.

DÍVIDAS E CONSUMO

Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria, concorda que o efeito da medida para o PIB deste ano será limitado, de 0,1 a 0,2 ponto percentual. Além do escalonamento dos pagamentos, ele lembra que, diferentemente da liberação do FGTS feita durante o governo de Michel Temer, este ano os brasileiros estão mais endividados:

— Uma parte grande deve ir para o pagamento de contas em atraso e, com isso, sobrará menos para o consumo no curto prazo.

Embora uma parte vá ser direcionada para o pagamento de dívidas, Altamiro Carvalho, economista da Fecomércio, vê a medida, junto com a liberação dos recursos do PIS/Pasep, como importante, porque ela colocará mais consumidores na condição de adimplentes, ou seja, prontos para fazer novas dívidas e consumir. O governo estima a liberação total de R$ 42 bilhões até 2020.

—É um reforço importante. É um valor que é cerca de 20% da injeção do 13º salário. E, assim como acontece todo fim de ano, uma parcela desses recursos vai para pagamento de dívida e a outra, para o consumo — avaliou Carvalho.