O Estado de São Paulo, n. 46117, 22/01/2020. Política, p. A8

 

Defesas e MP criticam pacote anticrime

Paula Reverbel

22/01/2020

 

 

Procurador da Lava Jato, Roberson Pozzobon afirma que dificuldade para colocar medida em prática pode provocar pedidos de nulidade

Previsto para entrar em vigor amanhã, o pacote anticrime sancionado por Bolsonaro no fim do ano provocou um efeito bumerangue. De um lado, desagradou procuradores, que afirmam ter perdido poder na negociação de delações premiadas e acreditam que investigações possam ser anuladas devido à dificuldades para colocar em prática procedimentos do pacote. Do outro lado, o novo texto incomodou advogados, que reclamam de pontos específicos, como a possibilidade de perda de patrimônio incompatível com a renda do réu.

O pacote anticrime foi enviado ao Congresso pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro no início do ano passado. Os parlamentares discutiram o texto junto com uma proposta que havia sido feita pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes e aprovaram uma versão desidratada, sem algumas das principais novidades defendidas por Moro. Além disso, incluíram no pacote um instrumento jurídico à revelia do ministro, o juiz de garantias.

Na prática, a medida dividiu o processo entre dois magistrados: um é responsável pelas decisões na fase investigativa, enquanto o outro dá a sentença. Na semana passada, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli restringiu o alcance do juiz de garantias e adiou sua entrada em vigor em 180 dias.

Procuradores que trabalham na Lava Jato de Curitiba também reclamam de medidas do pacote. O procurador Roberson Pozzobon acredita que a medida provocará uma série de pedidos de anulação de investigações. Segundo ele, as exigências ignoram a realidade brasileira. “Logo, em breve, muito provavelmente pipocarão em diversas ações penais, dos crimes mais simples aos mais complexos, dos menos graves aos de homicídio, diversos pedidos de anulação”, disse.

“São poucos, se é que existem, os Estados brasileiros que possuem estrutura para que todos os vestígios de todos os crimes sejam coletados por peritos, acondicionados em recipientes selados com lacres e com numeração individualizada”, explicou o procurador, citando um dos pontos do pacote de que discorda.

Além dos novos procedimentos para lidar com vestígios materiais de crimes, citado por Pozzobon, procuradores se queixam de mudanças na delação premiada – o Ministério Público não poderá mais combinar a punição com o delator – e da previsão de troca de juízes que entrarem em contato com uma prova que for depois considerada ilícita.

Já os advogados questionam um dispositivo da nova lei que permitirá que o juiz, em alguns casos, decrete a perda de patrimônio incompatível com a renda do réu. Esse ponto, inclusive, se tornou alvo de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada no STF pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) anteontem. “É um absurdo porque grande parte da população brasileira vive na informalidade. E o juiz não tem como comprovar o que é, de fato, do acusado. Isso pode gerar decisões injustas”, disse o advogado Hugo Leonardo, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Criminalistas também questionam as novas regras para instalação de escutas ambientas. Na opinião de Leonardo, as regras “têm potencial de criar um estado de vigilância permanente sobre o cidadão.”

Acusação

“Muito provavelmente pipocarão em diversas ações penais, dos crimes mais simples aos mais complexos, diversos pedidos de anulação”

Roberson Pozzobon

PROCURADOR DE JUSTIÇA

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Congresso tenta retomar propostas de Moro

Daniel Weterman

22/01/2020

 

 

Com aval de ministro, parlamentares buscam aprovar projetos que ficaram fora do pacote assinado por Bolsonaro

Parlamentares ligados ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, se articulam para tentar retomar medidas do pacote anticrime elaborado originalmente pelo ex-juiz da Lava Jato. A assessoria do ministro informou ao Estado que o chefe da Pasta apoia a iniciativa dos congressistas.

Para Moro, duas medidas propostas por ele originalmente são essenciais: o chamado plea bargain, possibilitando um acordo entre o acusado e o Ministério Público para negociar a pena, e a ampliação do banco nacional de perfis genéticos.

Os parlamentares trabalham em duas frentes. Na primeira, um projeto de lei será apresentado na Câmara recuperando todos os pontos retirados do pacote anticrime. Entre eles, estão a prisão após condenação em segunda instância, a excludente de ilicitude – que pode livrar de punição policiais que causarem mortes – e o plea bargain.

“Vou apresentar na primeira semana de fevereiro o projeto anticrime com tudo que não foi aprovado do pacote do Moro”, disse o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP). Na avaliação de parlamentares, o plea bargain tem mais chance de ser aprovado do que outros pontos, já que diversos parlamentares sinalizaram apoio dependendo da extensão da proposta.

Em outra frente, dois projetos de lei devem ser protocolados no Senado para retirar medidas acrescentadas pelo Congresso que não faziam parte da proposta original. Um dos textos tentará acabar com a figura do juiz de garantias. Outro projeto tentará reverter as mudanças de regras da prisão preventiva e da delação premiada, pilares da Operação Lava Jato.

No outro projeto, Olímpio vai propor a exclusão do termo “perigo” como condição para um juiz decretar a prisão preventiva – um dos pilares da Lava Jato. De acordo com ele, essa previsão deixa uma interpretação em aberto e pode, na prática, impedir medidas cautelares.

O senador também quer permitir a prisão preventiva e o recebimento de uma denúncia judicial com base em delação premiada. Essas possibilidades foram proibidas pelo projeto aprovado no Congresso. No Senado, três projetos idênticos ao pacote original de Moro já estão em tramitação. “Nós vamos tentar (retomar o projeto) por múltiplas situações. Temos que dar resposta à sociedade”, disse Olímpio.

DNA. Outro ponto alterado no Congresso foi o banco genético. A proposta do ministro estabelecia que que todos condenados por crimes dolosos seriam submetidos à extração de DNA para formação de um banco de dados, mesmo antes de o processo terminar na Justiça. Um trecho deste texto foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. Os vetosde Bolsonaro ao projeto ainda não foram analisados pelo Congresso. O ministro aguarda a análise dos vetos para decidir o que fazer em relação aos pontos defendidos por ele.