O globo, n.31410, 06/08/2019. Sociedade, p. 21

 

Dados do desmate sob crivo militar 

Leandro Prazeres 

06/08/2019

 

 

Em meio à polêmica criada pelo governo em relação aos dados sobre o desmatamento da Amazônia, o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, anunciou ontem um militar como diretor interino do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Será o oficial da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião. De acordo com Pontes, o militar deverá ficar no cargo até que seja formada uma lista tríplice para a escolha de um nome definitivo para o posto.

Damião foi anunciado três dias depois de o cientista Ricardo Galvão ter sua exoneração do cargo informada pelo governo. Ele estava no centro de uma crise iniciada após o Inpe receber críticas de ministros e de Jair Bolsonaro pela divulgação de dados do desmatamento na Amazônia. A forte tendência de alta do desflorestamento — apontada por dados de satélite fornecidos pelo instituto comandado pelo ministério de Pontes —é negada pelo governo.

De acordo com seu currículo na Plataforma Lattes, Damião é doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em sensoriamento remoto pelo próprio Inpe. Ainda segundo o seu currículo, antes de chegar ao cargo ele atuou como professor na Fundação Getulio Vargas e no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e foi diretor de pesquisa e inovação da Usiminas.

‘LIMONADA MUITO BOA’

Em sua tese de doutorado, defendida em 2007, Damião desenvolveu um modelo de análise de imagens sobre desmatamento na Amazônia. Nas conclusões, afirma: “o controle sobre o meio ambiente em uma região extensa e de difícil acesso como a Amazônia ainda está muito longe de um padrão minimamente aceitável. Ainda que haja denúncias e processos, a falta de meios e de métodos, por parte dos órgãos competentes, induz as indústrias a permanecer na ilegalidade, dilapidando os patrimônios natural e nacional existentes na região”.

Em um vídeo divulgado ontem, Marcos Pontes fez elogios ao novo diretor:

—Ele é uma pessoa de confiança, logicamente. E uma pessoa com uma capacidade de gestão já demonstrada pelos cargos que exerceu e, portanto, será um ótimo diretor interino para dar continuidade a esse trabalho.

Acrise que resultou na mudança do comando do Inpe começou no mês passado. Bolsonaro criticou os números divulgados pelo instituto sobre o desmatamento na Amazônia. Em junho, o Inpe registrou aumento de 88% no desmatamento na região em relação ao mesmo mês do ano passado. Em um café com correspondentes estrangeiros, o presidente disseque aforma como os dados vinham sendo divulgados davam a impressão de que o Inpe estaria a “a serviço de alguma ONG”.

Galvão reagiu às críticas e disse que Bolsonaro havia agido de forma “pusilânime” ao colocar em xeque o trabalho do Inpe, que é responsável pelo sistema de monitoramento via satélite do desmatamento no Brasil. Na última quinta feira, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, criticou a divulgação dos dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que faz análises mensais. Segundo ele, o ideal seria usar os dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), que faz análises anuais. Salles anunciou ainda que o governo faria uma licitação para a contratação de um novo sistema de monitoramento. Na sexta, o governo anunciou a exoneração de Galvão, o que foi alvo de críticas de ambientalistas e políticos.

No vídeo em que anunciou a nomeação de Damião para o comando do Inpe, Pontes tentou minimizar os impactos da crise. Ele disse que as críticas aos dados do Inpe servirão para “melhorar” o sistema de monitoramento de desmatamento:

— De um limão, de toda essa questão, a gente conseguiu fazer uma limonada muito boa.

Na opinião do presidente do sindicato que representa os servidores do Inpe, Ivanil Elisiário Barbosa, a nomeação do militar é “inconveniente” e reforça o sentimento de que o órgão está passando por uma “intervenção”.

Para o ex-diretor do Inep, a escolha do ministro foi “inteligente”, “porque trouxe alguém de fora, masque tem boa interlocução como instituto ”.

— O fato de ter dedicado estudos ao desmatamento é certamente positivo para o Inpe, porque é uma área que exige cada vez mais atenção — afirmou Ricardo Galvão ao GLOBO.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Alertas do desmatamento na Amazônia crescem 278%

Renato Grandelle

06/08/2019

 

 

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que os alertas do desmatamento dispararam no mês passado. Em julho, foram atingidos 2.254,9 km². No mesmo mês em 2018, esse índice ficou em 596,6 km². Comparando ambos os lados, trata-se de um aumento de 278%.

Há, segundo ambientalistas, uma escalada na devastação da Amazônia. Junho de 2019 teve uma área com alerta de desmate 90,8% maior do que o mesmo mês em 2018. O mesmo índice cresceu 34%, se comparados os meses de maio deste ano e do ano passado.

A medição é realizada pela ferramenta Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), cuja principal função é sinalizar áreas de devastação da floresta para órgãos de fiscalização ambiental, como o Ibama. No entanto, embora o cálculo do desmatamento não esteja entre suas funções, historicamente as tendências apontadas pelo sistema são refletidas no Prodes (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia), divulgado anualmente.

No mês passado, o governo demonstrou irritação com os números averiguados pelo Deter. O presidente Jair Bolsonaro condenou o então presidente do Inpe, o físico Ricardo Galvão, por divulgá-los sem consulta prévia ao Planalto. Galvão foi exonerado na semana passada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.

— O número de alertas e áreas afetadas aumentaram substancialmente —alerta Galvão. —Vale lembrar que, nos últimos 13 anos, o Prodes detectou índices de desmatamento ainda maiores do que os vistos pelo Deter.

CRESCIMENTO ‘GRITANTE’

A prévia dos índices do Prodes, referentes ao período entre agosto de 2018 e julho de 2019, deve ser anunciada em outubro. Secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl acredita que o desmatamento crescerá de uma forma “gritante”.

— O Prodes tem imagens mais refinadas, e mostrarão que a área desmatada é maior do que conhecemos — pondera. — Até agora, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apontou eventuais falhas no Deter, mas não disse que operações serão feitas para conter o desmatamento, que resultados quer atingir e como fortalecerá o Ibama, que é o responsável por controlar o início do desflorestamento. Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Marcio Astrini avalia que a Amazônia está sob a tutela do “crime organizado”.

—Não é um desmatamento realizado por pequenos agricultores. São grileiros que atingem grandes áreas, inclusive terras indígenas — critica.

— O discurso do governo está dando impulso para quem devasta a floresta. Nosso medo é que o desmatamento não só aumente, como esteja começando a explodir.

O Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos pedidos de entrevista.