O globo, n.31408, 04/08/2019. Mundo, p. 40

 

Entrevista - Hamilton Mourão

Eliane Oliveira 

04/08/2019

 

 

Em entrevista ao GLOBO, o vice-presidente Hamilton Mourão defende uma posição pragmática e flexível do Brasil na relação com todos os países, independentemente do sistema político. Ele alega que o governo brasileiro é alvo de uma campanha internacional, supostamente fomentada por grupos que perderam a eleição, no ano passado, para o presidente Jair Bolsonaro. Para o general, que foi adido militar na Venezuela, existe uma receita que garante a manutenção do chavista Nicolás Maduro no poder: oposição desunida, militares doutrinados, empresários corruptos, medo e repressão.

Na sua opinião, o que mantém Nicolás Maduro no poder?

Ao longo de todo esse período do chavismo, a oposição adotou estratégias totalmente erradas. Deixou de participar de eleições e, só nos últimos tempos, passou a ter voz junto à comunidade internacional. A oposição venezuelana está desunida. E aí entra o núcleo desse governo venezuelano, que são as Forças Armadas. As dissidências que têm ocorrido no âmbito são muito pequenas para que haja, efetivamente, um racha lá dentro. Há um processo de doutrinação das Forças Armadas, que começou nas décadas de 1960 a 1970. Chávez foi instrutor de um grande número de cadetes na academia militar, e posteriormente elevou essas pessoas a cargos importantes e as manteve. Por outro lado, temos a questão dos cubanos, que controlam o sistema de inteligência e as milícias. Com isso, exercem uma pressão pelo medo em cima das famílias daqueles militares que poderiam se opor ao governo. E a classe empresarial venezuelana saiu do país. Os poucos que ficaram resolveram aproveitar a corrupção do regime para enriquecer. Esse somatório mantém Maduro no poder, a começar pelo medo e a repressão. É só você ver o relatório da Michelle Bachelet (comissária de direitos humanos da ONU), que mostra que, nos últimos dois anos, em torno de 6.500 pessoas foram mortas pelo regime, fora a quantidade de presos torturados. Existe uma repressão forte ocorrendo lá.

Há uma clara torcida do presidente Bolsonaro pela reeleição em outubro do argentino Maurício Macri. E se a chapa que tem Cristina Kirchner como candidata a vice vencer?

A relação tem de ser de Estado para Estado, independentemente do governo de turno. Há objetivos comuns ligados à área comercial, como o acordo coma União Europeia e outro que pode ser assinado com os EUA e beneficiará todo o Mercosul. É óbvio que a reeleição do Macri daria um caráter mais pessoal, mas esse relacionamento tem de ser mantido.

Isso também se aplica aos EUA, na hipótese de Donald Trump não ser reeleito ano que vem?

Sim. A posição brasileira tem que ser pragmática e flexível.

Os EUA deram ao Brasil o status de aliado preferencial extra-Otan. O Brasil ficará preso ao fornecimento de armas para os EUA, ou amarrado à estratégia militar americana na região?

Não tem nada a ver. A Organização do Tratado do Atlântico Norte nasceu para se contrapor ao Pacto de Varsóvia na defesa da Europa, e os EUA apareceram como fiadores dessa defesa. A nossa parte está mais ligada à área comercial, de produtos de defesa. Nosso material estará dentro da catalogação internacional da Otan e, ao mesmo tempo, teremos acesso a um mercado maior e a condições melhores na compra de armamento.

Então esse status não impedirá o Brasil de negociar com outros países, independentemente da ideologia ou do regime político?

Não limita em nada e não tem nada a ver com ideologia. Tanto que a Argentina já era um aliado preferencial extra-Otan.

A pouca idade do deputado Eduardo Bolsonaro, além de ser filho do presidente, não o descredencia a assumir a embaixada em Washington?

Ele está dentro das condições que a legislação prevê para as pessoas que não são da carreira diplomática. Uma elas é a idade mínima de 35 anos. Esta é uma escolha pessoal do presidente, que julga que a presença do filho como embaixador nos EUA, pelas ligações que tem com a família do atual presidente, irá facilitar o relacionamento entre os dois países.

Houve um problema com dois navios iranianos, que só conseguiram ser abastecidos pela Petrobras graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. E a estatal ainda corre o risco de sofrer sanções dos EUA. O senhor considera o Irã um parceiro comercial importante?

Temos um fluxo comercial com Irã muito centrado na venda de alimentos, como milho, produtos que não estão dentro das sanções. Vamos continuar negociando com o Irã. Nosso fluxo comercial está na faixa de U$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões por ano. Não é um baita fluxo, mas é um número interessante.

O Brasil tem recebido críticas no exterior devido à sua postura em relação a meio ambiente, direitos humanos e outros fatores. O que dizer sobre isso?

Existe uma campanha internacional contra o Brasil, fomentada por aqueles que perderam a eleição e que usam suas conexões, principalmente nos países europeus, para atacar o governo. A questão do desmatamento temos que combater, e sabemos que o problema está concentrado no sudeste do Pará, onde a penetração de rodovias atrai todo ti pode aventureiro. Estamos contratando um sistema mais moderno, que vai dar análise em tempo real, mas isso não muda a questão. Compete ao governo estadual, que tem sua responsabilidade, e ao governo federal, elaborar uma política pública para isso. De que aquelas pessoas na região vão viver? É preciso uma política de manejo sustentável, que diga: você arranca três árvores aqui e planta mais dez acolá.

O senhor acredita no aquecimento global?

Não tenho dúvida que a temperatura da Terra mudou. O que eu coloco em discussão é se isso veio para ficar ou é mais uma das sazonalidades que a vida na Terra já enfrentou. Agora, o Brasil não é o culpado do aquecimento global. Pelo contrário. Nossa matriz energética é 85%, 86% de energia limpa e renovável, enquanto ores todo mundo tem 25%. Então, ores todo mundo queima petróleo, queima carvão paras e aquecer, para produzir, e quer botara culpa no Brasil? Não pode ser assim.