Correio braziliense, n.20533, 11/08/2019. Política, p. 8
Endividamento atinge maior nível em 3 anos
Rafaela Gonçalves
Thaís Moura
11/08/2019
O endividamento das famílias voltou a crescer e, segundo dados do Banco Central, alcançou o maior nível em três anos. A taxa de endividamento em relação à renda acumulada em 12 meses em maio subiu para 44,04%. Foi a sétima alta mensal consecutiva e o maior nível desde abril de 2016, quando atingiu 44,2%. De acordo com pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o percentual de famílias endividadas no país cresceu de 64% em junho para 64,1% em julho deste ano. Em julho de 2018, a taxa era de 59,6%.
A proporção das famílias que se declararam muito endividadas, consequentemente, também aumentou entre o mês passado e o anterior, de 13% para 13,3%. A parcela que declarou estar mais ou menos endividada passou de 22,6% para 23,8%, e a pouco endividada, de 23,8% para 27%.
Rafael Carneiro, estudante, 22 anos, se endividou após ter um problema de saúde e ficar impossibilitado de trabalhar. “Eu moro sozinho e minha única fonte de renda vem da venda de doces, mas eu tive dengue e fiquei parado por 21 dias, o que acabou comprometendo muito o meu orçamento. Como eu não tinha o dinheiro, fui passando todos os gastos no cartão, só que a cada mês que passava eu não conseguia pagar a fatura inteira e aí ficava sempre um resquício para o mês seguinte”, conta.
A situação do estudante acabou piorando com o mês de férias, a fatura venceu em um valor muito alto, e ele não conseguiu pagar nem o mínimo.“A situação me incomoda bastante, eu sempre procurei ser muito responsável com as minhas finanças, principalmente porque eu via o sufoco que os meus pais tinham para administrar o dinheiro deles. Eu não queria passar pela mesma coisa. Mas a gente acaba constatando que ninguém deixa de pagar nada porque quer”, diz. Rafael, agora, tenta renegociar a dívida.
Contratempos
Para o coordenador do MBA de gestão financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Teixeira, o endividamento vem, na maior parte das vezes, de uma falta de planejamento. “Quando você faz o planejamento financeiro, que deve começar no início da vida financeira, ele deve ser dinâmico. Tem de suportar contratempos e imprevistos a curto, médio e longo prazos”, alerta o especialista.
Apesar de reconhecer que poucos brasileiros se planejam, Teixeira admite que esse crescimento da taxa de endividados deve ter ocorrido, principalmente, em função da economia, que está em um ritmo lento. “O número de desempregados está elevado, e a economia ainda não deu aquele sinal de recuperação que estávamos esperando.”
De acordo com o estudo da CNC, quem mais sofre com o endividamento são as famílias com renda. São 27,1% com contas ou dívidas em atraso. Já no grupo dos que ganham mais de 10 salários mínimos, a inadimplência cai para 10,6%.
Para quitar as dívidas, o especialista da FGV explica que a primeira coisa que o endividado deve fazer é procurar o credor e expor a situação. “É preciso pensar na capacidade de pagamento, não na capacidade total, sempre com uma folga. Deve-se fazer um levantamento de quanto se pode pagar, por mês, da dívida, e sempre negociar com uma margem de limite. É preciso que não se fique nunca no limite máximo do orçamento”, afirma Teixeira. Para ele, a liberação de até R$ 500 do FGTS pode reduzir significativamente o endividamento do país, se os beneficiados pelo fundo usarem a renda extra para quitar suas dívidas.
Vilão
O cartão de crédito foi apontado como vilão dos que têm débitos vencidos. É a principal dívida de 78,4% das famílias endividadas. Nas que têm renda mensal de até 10 salários mínimos, o carnê fica em segundo, representando 17,2%. Em famílias que ganham mais de 10 mínimos, o financiamento de casa ou outras dívidas ocupam o lugar no ranking com 18,1%. A pesquisa também constatou que houve piora na percepção das famílias em relação às suas dívidas. O número que relatou estar muito endividada aumentou, e as famílias se declaram menos otimistas em relação à possibilidade de pagamento.
O professor de finanças do Insper Ricardo Rocha recomenda o refinanciamento de algum automóvel ou imóvel para quitar as dívidas. “Uma pessoa que tem um carro pago e uma dívida grande pode refinanciar esse veículo para pagar em três ou quatro anos, e usar o dinheiro do financiamento para quitar o que deve. Quando estiver paga, o mais importante é se planejar para não voltar a ficar endividado”, recomenda. Rocha alerta para o risco de se aceitar empréstimos consignados, que podem transformar o endividamento em um superendividamento. “Nesses casos em que a pessoa aceita um empréstimo, é preciso escolher uma modalidade mais barata com o maior prazo possível, com um compromisso mensal dentro do que se pode pagar”.
Para o professor do Insper, é preciso usar o crédito de maneira inteligente, inclusive pesquisando qual é o crédito mais adequado para o seu tipo de endividamento. “Hoje, compensa fazer portabilidade bancária (migração para outro banco) para baixar os juros da sua dívida”, lembra.
Ricardo Teixeira, da FGV, chama atenção para o uso da modalidade mais cara de financiamento, o cartão de crédito. “A facilidade de uso de um dinheiro que você pode gastar sem falar com ninguém, só passando o cartão, muitas vezes, faz com que se consuma sem pensar”, afirma.