O globo, n.31407, 03/08/2019. País, p. 08

 

Vazamentos tensionam relação entre Supremo e MP

André de Souza 

Jailton de Carvalho

03/08/2019

 

 

Após ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) requisitarem o conteúdo de mensagens de autoridades hackeadas, entre elas integrantes da forçatarefa da Lava-Jato, ganhou força o debate sobre o afastamento ou não do procurador Deltan Dallagnol. Além disso, a Corte vai se debruçar sobre processos polêmicos nos próximos meses que podem ter impacto na operação. Um ministro do Supremo ouvido pelo GLOBO avaliou que Dallagnol perdeu qualquer condição de permanecer à frente da Lava-Jato. Ele apontou alguns caminhos possíveis para sua saída. Um deles seria por meio do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Outra possibilidade partiria do STF, pelo inquérito aberto para investigar ameaças e ataques à Corte e seus integrantes.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no entanto, divulgou uma nota ontem descartando a opção de ela própria tomar tal iniciativa e ressaltando um princípio constitucional, o da inamovibilidade, para defender que Dallagnol não pode ser afastado dos processos. O inquérito no Supremo é sigiloso e relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, que mandou paralisar apurações conduzidas pela Receita Federal que tinham como alvos 133 contribuintes, entre eles ministros do tribunal e outras autoridades. A tendência hoje, porém, é esperar um movimento do próprio Ministério Público. Uma reação imediata do STF, em especial por meio de um processo sigiloso, poderia passar a impressão de que a Corte age por baixo dos panos. O ministro Luís Roberto Barroso, por outro lado, disse que há “estardalhaço”.

— É difícil entender a euforia que tomou muitos setores da sociedade diante dessa fofocada produzida por criminosos —afirmou. Após reportagem do jornal “Folha de S.Paulo” e do site The Intercept Brasil apontar movimentação de Dallagnol, em trocas de mensagens de 2016, para investigar o hoje presidente do STF, Dias Toffoli, o ministro Gilmar Mendes reagiu às revelações. Segundo a reportagem, Dallagnol teria procurado também informações na Receita sobre Guiomar Mendes, mulher de Gilmar. O ministro afirmou que a Corte precisa analisar o caso, assim como o CNMP e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Foi aberta ontem no CNMP uma nova reclamação disciplinar contra Dallagnol, a oitava.

O corregedor, Orlando Rochadel Moreira, quer apurar se houve irregularidades em uma palestra secreta do chefe da força tarefa para um grupo de banqueiros durante a campanha eleitoral do ano passado e uma palestra para Neoway Tecnologia, empresa investigada pela Lava-Jato. Dallagnol tem negado irregularidades e diz não reconhecera autenticidade de todas as conversas divulgadas. Em junho, após as primeiras reportagens do Intercept sobre as mensagens atribuídas ao procurador, o CNMP arquivou uma primeira representação feita contra Dallagnol. Há, entre alguns ministros do STF, insatisfação com o CNMP, que estaria sendo pouco rígido nos casos. Na Corte, há alguns processos importantes para a Lava-Jato pendentes de análise.

Um deles, e manda mentona Segunda Turma, analisa a suspeição do atual ministro da Justiça, Sergio Moro, quando era juiz da operação no processo que levou à condenação e prisão do ex-presidente Lula. Mensagens atribuídas a Moro e Dallagnol indicam que o ex magistrado teria orientado procuradores no caso. Uma decisão pela suspeição poderia levar à soltura de Lula. Ou trocas ode interesse para a Lava-Jato é oque tratada prisão após condenação em segunda instância. Cabe a Toffoli, como presidente da Corte, pautar o tema. Ele mesmo já se posicionou contra a orientação vigente, que autoriza a execução da pena depois da segunda instância. Toffoli defende um meio-termo, em que a execução se dê após análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funcionaria co mouma terceira instância.

Apesar disso, Toffoli vem relutando, até agora, em pautar o assunto. Outros processos que podem ter repercussão nas investigações, por sua vez, já foram pautados para o segundo semestre. Em 21 de novembro, está prevista a análise do processo que discute se é possível compartilhar dados de órgãos como a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com investigadores sem autorização da Justiça. Em julho, Toffoli suspendeu apurações baseadas nesses dados, apedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Para 15 de agosto, está previso o julgamento de ações para tornar mais difícil a decretação de prisão temporária.

No mesmo dia, podem ser definidos procedimentos a serem seguidos quando há autoridades com foro investigadas, mesmo quando o crime não tem relação com o mandato. O STF também poderá analisar, em 6 de novembro, regras para renovar interceptações telefônicas usadas em investigações, decidindo se impõe um limite de tempo ou não para sua duração.

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Equipe da Lava-Jato pode sofrer redução em setembro 

Cleide Carvalho

Gustavo Schmitt

03/08/2019

 

 

As suspeitas de que o procurador Deltan Dallagnol incentivou investigações sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli podem ter impacto na redução de tamanho da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba. O grupo tem hoje com 15 procuradores — no auge das investigações, entre 2015 e 2016, eram 11 —e uma equipe que, somada, chega a 70 servidores. A renovação da força-tarefa é feita anualmente, em setembro, mesmo mês em que termina o mandato da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Portanto, o destino do grupo pode depender de quem for escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para o comando da Procuradoria-Geral da República. Nada garante, porém, que a equipe continuará robusta. Afinal, as principais descobertas da Lava-Jato de Curitiba já foram reveladas e as mais recentes operações servem como rescaldo, caso da 62ª Fase da Lava-Jato, que mira o empresário Walter Faria, dono da Cervejaria Petrópolis, cuja atuação em lavagem de dinheiro e pagamento de propinas foi revelada na delação da Odebrecht em dezembro de 2016. Há também pressão das unidades de origem para que os procuradores cedidos retornem aos seus estados. Hoje, três dos 15 procuradores atuam no Paraná: Deltan Dallagnol, Roberson Pozzobon e Laura Tessler.

Os demais são de estados como Amazonas, Amapá, Rio, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A força-tarefa tenta acelerar o ritmo da ação. Após um ano considerado morno, em maio, a Lava-Jato já tinha planejadas 14 novas operações para serem realizadas até dezembro, segundo fontes da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) com acesso às investigações. Até agora, pelos menos cinco fases foram deflagradas. Procuradores aliados da força-tarefa de Curitiba afirmam que o STF tenta incluir na investigação sobre fake news as denúncias recentes tratando do vazamento de mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e Dallagnol, conforme publicado pelo site The Intercept Brasil.

RECEIOS

Nos bastidores, procuradores temem que a investigação de fake news seja utilizada para atingir Dallagnol, cujas mensagens vazadas indicam atuação para apurar aconduta de ministros do STF e seus familiares, o que não é sua atribuição. Reservadamente, procuradores não negam o desgaste de Dallagnol, mas afirmam que ele tem uma situação jurídica que impede sua remoção por ser o “promotor natural” do caso.

Há expectativa, porém, de que o procurador seja alvo de mais um processo administrativo no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Em tese, o órgão pode até afastar um integrante do Ministério Público.

No entanto, seus pares acreditam que há uma forte tendência de apoio a Dallagnol, já que a questão envolve um embate entre instituições que ninguém está disposto a perder. O clima entre os procuradores diante dos vazamentos é de apreensão. Eles têm procurado reverter os ataques com fatos positivos. No último dia 25, anunciaram a devolução de R$ 424, 9 milhões aos cofres da Petrobras. Procurada, a força tarefa não se manifestou.

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Suspeitos de invadir aplicativos são transferidos para presídios 

Rayanderson Guerra

03/08/2019

 

 

Três dos quatro presos suspeitos de invadir contas no Telegram de autoridades foram transferidos ontem para presídios do Distrito Federal. Detidos desde a semana passada, quando foi deflagrada a Operação Spoofing, no prédio da superintendência da Polícia Federal em Brasília, os investigados vão ficar detidos em celas isoladas.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do DF, por medida de segurança, eles “ficarão separados da massa carcerária”. Gustavo Souza e Danilo Marques foram encaminhados ao Centro de Detenção Provisória (CDP), no Complexo da Papuda. Já Suelen Priscilla de Oliveira foi transferida para a Penitenciária Feminina do DF, conhecida como Colmeia.

O quarto preso, Walter Delgatti Neto, que assumiu em depoimento ter hackeado celulares de autoridades, entre elas o ministro da Justiça, Sergio Moro, continua detido na superintendência da PF.

PRISÃO CONVERTIDA

A transferência ocorreu após o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, responsável pelo caso, converter de temporárias para preventivas as prisões dos quatro suspeitos. As preventivas

Investigado. Gustavo Souza na sede da PF. DJ está entre transferidos não têm prazo definido. A Justiça Federal recebeu ontem o ofício do Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando cópia do inquérito da Operação Spoofing, e encaminhou o pedido diretamente à Polícia Federal.

O ofício foi remetido pelo STF à 10ª Vara da Justiça Federal do DF. O juiz Ricardo Leite, em seguida, determinou que a PF cumpra a determinação em 48 horas. Com isso, o material deve ser enviado até segunda-feira, de acordo com fontes do caso. Duas decisões distintas tomadas pelo STF anteontem determinaram a remessa do material à Corte. A primeira foi do ministro Luiz Fux, em resposta a um pedido do PDT, que deu prazo de cinco dias. A segunda, do ministro Alexandre de Moraes, como parte do inquérito que investiga disseminação de fake news e ataques contra autoridades do STF. O prazo determinado por Ricardo Leite indica que o ofício recebido foi referente à decisão de Moraes.

A PF ainda analisa o conteúdo dos celulares e aparelhos eletrônicos dos alvos da operação. Também aguarda a chegada de informações sobre movimentações financeiras, tanto das contas bancárias como de operadoras de criptomoedas.