O Estado de São Paulo, n. 46111, 16/01/2020. Política, p. A4

 

Toffoli limita atuação de juiz de garantias no País

Rafael Moraes Moura

16/01/2020

 

 

Judiciário. Presidente do STF exclui de medida casos de homicídio e violência doméstica, além de processos eleitorais; ele confirma implementação de nova figura em seis meses

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Dias Toffoli, reduziu o alcance da atuação do juiz de garantias, criado na lei anticrime sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. O ministro determinou que a medida não deve ser aplicada para casos de violência doméstica e familiar, nem para os crimes contra a vida – de competência de tribunais de júri – e nem para os processos criminais que tramitam na Justiça Eleitoral. A medida cautelar ainda deve ser apreciada pelo plenário do Supremo, que dará a última palavra sobre o tema.

“Os casos de violência doméstica e familiar exigem uma disciplina processual específica, que traduza um procedimento mais dinâmico, apto a promover o pronto e efetivo amparo e proteção da vítima”, disse ontem Toffoli, em entrevista a jornalistas. O ministro observou ainda que a Justiça Eleitoral é “um ramo da Justiça com organização específica, cuja dinâmica é também bastante peculiar”.

Como antecipou o Estado, mesmo favorável à legislação, Toffoli decidiu prorrogar por seis meses a implementação da proposta, por entender ser necessário um regime de transição para o Judiciário se adaptar às novas regras. A lei deve entrar em vigor no próximo dia 23, em todo o País.

“O prazo (da lei) não é razoável nem factível para que os tribunais possam promover as devidas adaptações e adequações.

Por isso impõe-se a fixação de um regime de transição mais adequado e razoável, que viabilize, inclusive, a sua adoção de forma progressiva e programada pelos tribunais”, afirmou.

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foram comunicados previamente por Toffoli do teor da decisão. O presidente do Supremo se reuniu com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que havia recomendado a Bolsonaro o veto ao dispositivo, mas não foi atendido.

“Embora eu seja contra o juiz de garantias, é positiva a decisão do ministro Dias Toffoli de suspender, por seis meses, a sua implementação. Haverá mais tempo para discutir o instituto, com a possibilidade de correção de, com todo respeito, alguns equívocos da Câmara”, escreveu Moro no Twitter.

Rodízio. Em sua decisão de 41 páginas, o ministro atendeu Moro em alguns pontos e suspendeu um dispositivo do pacote anticrime que previa que nas comarcas com apenas um juiz os tribunais criariam “um sistema de rodízio de magistrados”.

Para Toffoli, esse dispositivo viola o poder dos próprios tribunais se organizarem. Outro item que tinha preocupado Moro era o que impedia um juiz de proferir sentença ou acórdão, caso tivesse acesso a uma prova considerada ilegal.

Atualmente, o juiz que analisa pedidos da polícia e do Ministério Público na investigação é o mesmo que pode condenar ou absolver o réu. De acordo com a nova lei, o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal e tomar medidas necessárias para o andamento do caso, como autorizar busca e apreensão e quebra de sigilo telefônico e bancário, até o momento em que a denúncia é recebida. A partir daí, outro magistrado vai acompanhar o caso e dar a sentença.

Cargos. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) acionaram o Supremo logo depois da sanção do pacote anticrime por Bolsonaro, sob a alegação de que não há como dar execução à lei “sem provocar aumento de despesas”. Cidadania, Podemos e PSL também entraram com ações no STF.

“A efetiva implementação do juiz de garantias não demanda necessariamente a criação de novos cargos, seja de servidores, seja de magistrados, não incrementa o volume de trabalho. Trata-se de questão que passa por muito mais gestão e administração judiciária”, rebateu Toffoli.

As ações foram sorteadas para ficar sob a relatoria do vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux, mas devido à urgência do assunto e à proximidade da vigência da lei, Toffoli decidiu agir com pressa. Fux assumirá o plantão do Supremo no dia 19.

“O relator, se houver pedido de reconsideração, tem competência para analisar. Não tem nenhum problema quanto a isso. O importante é fixar parâmetros que deem segurança jurídica”, afirmou o presidente do STF, esclarecendo que tratou previamente do tema com Fux.

Toffoli destacou em sua decisão que o juiz de garantias foi criado para reforçar a imparcialidade e o modelo de processo penal fixado pela Constituição de 1988. “O juiz das garantias é instituto que corrobora os mais avançados parâmetros internacionais relativos às garantias do processo penal, tanto que diversos países já o adotam.”

O ministro ainda fixou regras de transição: nas ações penais já em curso, não deve haver mudanças na condução dos processos. No entanto, nas apurações que estiverem menos avançadas daqui a seis meses, em que não houver ainda o recebimento da denúncia, a nova legislação já deve produzir efeitos.

Esse ponto deixa em aberto a situação do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), investigado pelo Ministério Público por conta de um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio. Na prática, o ritmo do inquérito do MP Estadual vai determinar se a apuração envolvendo o filho do presidente da República será afetada ou não pela lei.

‘Razoável’

“O prazo (da lei) não é razoável nem factível para que os tribunais possam promover as devidas adaptações. Por isso impõe-se a fixação de um regime de transição mais adequado e razoável que viabilize a sua adoção de forma programada pelos tribunais.”

Dias Toffoli

PRESIDENTE DO SUPREMO

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Associações de classe aprovam as mudanças

Tulio Kruse

16/01/2020

 

 

Associações que representam os juízes brasileiros elogiaram a decisão do presidente Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que delimitou a aplicação do juiz de garantias. As duas principais entidades nacionais de magistrados eram autoras de ações que questionam, na Corte, a legalidade da nova figura jurídica.

O presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Fernando Mendes, disse que a decisão foi “boa” para o que era possível realizar em meio ao recesso do Judiciário. A Ajufe tratava como prioridade a prorrogação de prazo e a aplicação do juiz de garantias apenas em novos processos, sem retroagir.

“A decisão foi um pouco mais ampla do que estávamos imaginando”, disse Mendes. Ele disse acreditar que a redução do alcance do juiz de garantias, o que excluiu a Justiça Eleitoral, deve ser motivo de debate no STF. “Criar o juiz só para o primeiro grau pode provocar um tratamento anti-isonômico. Apenas os réus que não têm foro privilegiado, em tese, terão o chamado juiz de garantias.”

A associação seguirá com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra as novas regras, para que o tema seja debatido no plenário do STF.

“No mérito, a Ajufe entende que há um vício de inconstitucionalidade no juiz de garantias, na maneira pela qual ele foi instituído no sistema penal brasileiro.”

Já a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou nota aprovando a decisão de Toffoli, em que ele acolheu argumentos da associação.

“Essa é uma demonstração de que a magistratura brasileira é imparcial e que o sistema atual já garante a isenção dos julgamentos”, disse a AMB, na nota. “Cumprimos nosso papel de defender a Constituição Federal, que estabelece o princípio da unicidade e do juiz natural.”