O Estado de São Paulo, n. 46111, 16/01/2020. Política, p. A8

 

Bolsonaro desiste de subsídio a igrejas

Mateus Vargas

Julia Lindner

16/01/2020

 

 

Possibilidade de reduzir a conta de luz de templos religiosos foi mais uma ideia que opôs a ala política à equipe econômica do governo

O presidente Jair Bolsonaro desistiu de conceder subsídio na conta de luz para templos religiosos. O recuo ocorreu após o Estado revelar, na semana passada, que o governo preparava um decreto para adotar a medida, a pedido do próprio presidente, mas enfrentava resistências por parte da equipe econômica.

A decisão de Bolsonaro representa uma vitória do ministro da Economia, Paulo Guedes, no cabo de guerra com a ala política do governo. Nos últimos dias, Guedes sofreu algumas derrotas. Defendia, por exemplo, a redução de benefícios concedidos a usuários de energia solar e não queria dar aumento maior para o salário mínimo, que acabou ficando em R$ 1.045. Nos dois casos, o ministro foi obrigado a ceder. Agora, no entanto, conseguiu ganhar uma batalha.

Após se reunir ontem, no Palácio do Planalto, com o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, e com o missionário R.R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, Bolsonaro disse que estava suspensa a negociação para a concessão do subsídio aos templos.

Na prática, embora o estudo sobre o assunto tratasse de templos de uma forma mais ampla, a articulação tinha como alvo os evangélicos. A bancada formada por fiéis de várias denominações é hoje a maior apoiadora dos projetos do presidente dentro do Congresso.

Bolsonaro chegou a dizer que havia levado muita “pancada” sem nem mesmo ter assinado um decreto sobre o assunto. Afirmou, ainda, que “seria mínimo” o impacto do subsídio na conta de luz dos templos religiosos. “Mas a política da economia é de não ter mais subsídios. Está suspensa qualquer negociação nesse sentido”, avisou ele. “Na outra ponta da linha, quando se fala em subsídio, alguém vai pagar a conta.”

Mais cedo, na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente já avisara que pretendia acabar com benefícios desse tipo. “O

Brasil é o País dos subsídios. Queremos botar um ponto final nisso aí. O nosso caminho é a liberdade econômica e o livre mercado”, insistiu.

Como mostrou o Estado na última sexta-feira, uma minuta de decreto sobre o chamado “dízimo elétrico” foi preparada pelo Ministério de Minas e Energia e enviada à pasta da Economia, por ordem de Bolsonaro.

A articulação, porém, provocou atrito no governo, pois a equipe econômica rejeitou a ideia da medida. Auxiliares de Guedes lembraram que atos assim estão na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) e desafiam o ajuste fiscal. O TCU considerou que subsídios criados por decreto, sem dotação orçamentária, são inconstitucionais.

Popularidade. Com queda de popularidade, Bolsonaro age para se aproximar cada vez mais dos evangélicos, que já são 29% da população brasileira e têm atuado para aprovar projetos de interesse do governo no Congresso Nacional. Líderes evangélicos ajudaram na campanha do então candidato do PSL, em 2018, e devem apoiar sua provável candidatura à reeleição. Muitos deles também têm coletado assinaturas nas igrejas para a criação do Aliança pelo Brasil, novo partido do presidente.

O Estado apurou que o presidente pretendia mesmo assinar o decreto concedendo subsídio na conta de luz para templos religiosos, mas a medida provocou polêmica até entre seus apoiadores. Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o impacto econômico do benefício seria de R$ 37 milhões.

“Não se tratava de isenção, mas, sim, da retirada do horário de ponta a templos religiosos”, disse Silas Câmara ao Estado, em referência ao momento de maior consumo do dia, que se concentra entre o fim da tarde e o início da noite durante dias da semana. “Nunca houve compromisso de fazer absolutamente nada sobre isso. O que tinha era um estudo e esse estudo provocou esse alvoroço todo. O presidente decide as coisas na medida em que o interesse público e a sua própria equipe acham que é o momento certo.”

Nem todos, porém, concordavam com o benefício. O deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) – que na semana passada havia classificado como “muito bem-vinda” qualquer ajuda dada pelo governo a templos e a instituições filantrópicas – deu ontem uma estocada em Câmara ao dizer que “a bancada nunca pediu isso (subsídio)” a Bolsonaro. “Talvez tenha sido um pedido de algum parlamentar ou alguns isoladamente”, afirmou Sóstenes. “Pode criar desgaste (com a bancada) se alguém pediu esse absurdo. Não creio que alguém tenha coragem de pedir subvenção em energia para instituições religiosas”, completou. O vice-líder do governo no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), foi na mesma linha. “Se é para não gastar energia, que as igrejas façam cultos durante o dia”, disse o senador. 

QUEDA DE BRAÇO

Salário mínimo

Equipe econômica resistia a aumentar o salário mínimo, mas o presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem reajuste no mínimo de R$ 1.039 para R$ 1.045 a partir de 1º de fevereiro.

Reajuste de policiais

No fim de 2019, Bolsonaro desistiu de dar aumentos às polícias civil e militar do DF após alerta da área econômica do governo – a concessão dos reajustes poderia violar as leis orçamentárias e até a Constituição.

Taxação de energia solar

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendia a redução de benefícios a usuários de energia solar. Bolsonaro, no entanto, afirmou que não haverá taxação sobre esse tipo de energia.

Subsídio para igrejas

Em outra “disputa interna” no governo, Bolsonaro recuou da ideia de subsidiar a conta de luz de templos religiosos de grande porte. A equipe econômica do governo havia se posicionado contra a proposta.