O Estado de São Paulo, n. 46110, 15/01/2020. Política, p. A10

 

Governo ignora ministérios em PEC que extingue fundos

Ricardo Galhardo

Fernanda Boldrin

15/01/2020

 

 

Pasta da Mulher diz que vai ao Congresso para preservar reservas de verbas ‘carimbadas’; Guedes quer desvincular R$ 220 bilhões

O governo federal ignorou ministérios na proposta de extinguir 248 fundos públicos que constituem cerca de R$ 220 bilhões do Orçamento federal. Ao menos seis pastas afirmam não terem sido consultadas sobre a possível extinção das reservas, idealizada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Para tentar manter acesso à verba destinada exclusivamente a temas de sua área, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, pretende encaminhar ao Congresso projetos de lei para evitar o fim de dois fundos.

A PEC 187/2019 é uma das três propostas que fazem parte de um pacote econômico entregue pelo presidente Jair Bolsonaro e por Guedes em novembro. O texto prevê a extinção de duas centenas de fundos infraconstitucionais, aqueles que não são previstos na Constituição. O dinheiro destinado a esses fundos é “carimbado”, ou seja, só pode ser utilizado com o propósito específico de cada fundo e não pode ser transferido.

O objetivo da mudança, segundo justificativa do Ministério da Economia, é tirar “carimbo” dessa verba e usar esse montante para quitar parte da dívida da União.

Técnicos do ministério argumentam que nem sempre o dinheiro destinado a esses fundos é todo utilizado. Em geral, os Estados têm problemas para conseguir acesso à verba porque apresentam projetos falhos ou que não cumprem todos os critérios legais. Enquanto o ano não acaba, o dinheiro parado no fundo não pode ser transferido a outras áreas.

De acordo com a PEC, todos os 248 fundos serão eliminados em até dois anos após a aprovação da emenda a não ser que o Congresso aprove leis complementares que evitem a extinção de cada fundo. A aprovação de lei complementar depende de maioria absoluta na Câmara e no Senado.

Consulta. Entre novembro e dezembro, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) enviou dezenas de pedidos de informação aos ministérios por meio de seu gabinete ou via Lei de Acesso de Informação. Oito deles (Desenvolvimento Regional, Ciência e Tecnologia, Mulher, Família e Direitos Humanos, Justiça, Cidadania, Educação e Agricultura e Infraestrutura) responderam que não foram consultados ou não possuem estudos sobre qual é o impacto da extinção dos fundos na execução de políticas públicas.

“O Ministério da Economia funciona com base na centralização autoritária e não em pareceres técnicos. Vai soltando as propostas sem medir as consequências”, disse o deputado.

O Ministério da Mulher, comandado por Damares, respondeu que vai ao Congresso para tentar aprovar leis complementares que evitem a extinção de dois fundos ligados à pasta.

“No caso de eventual aprovação da PEC 187/2019 este ministério fará esforços para a manutenção do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente, como do Fundo Nacional do Idoso, apoiando se necessário a tramitação e aprovação complementar para ratificar a existência e o funcionamento dos mencionados fundos”, disse a ministra em resposta a questionamento do deputado no dia 16 de dezembro.

Os fundos têm por finalidade financiar projetos que atuam na garantia da promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente e “financiar os programas e as ações relativas ao idoso com vistas em assegurar os seus direitos sociais e criar condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”.

Nos dois casos as verbas são administradas por conselhos compostos, em parte, por representantes da sociedade civil.

Em resposta ao Estado, o Ministério da Mulher informou que “os dois fundos somam R$ 15 milhões no orçamento geral da pasta e estão sujeitos a contingenciamentos que possam ocorrer. Por serem voltados a iniciativas da sociedade civil, as políticas desenvolvidas não dependem desses fundos”.

Paternidade. Quatro ministérios se recusaram a responder aos questionamentos feitos por Valente (Casa Civil, Economia, Saúde e Secretaria Geral). Eles argumentam que as propostas de emenda à Constituição são iniciativa do Legislativo e portanto as pastas não tem obrigação de fazer comentários sobre elas. A assessoria da presidência do Senado, no entanto, diz que a PEC é de autoria do Executivo e foram protocoladas formalmente por senadores devido apenas a uma manobra política. Se fossem apresentadas pelo governo, as PECs teriam que necessariamente tramitar primeiro na Câmara, onde há mais resistência às propostas.

O ministério da Casa Civil informou que a PEC é responsabilidade da pasta da Economia. Procurado, o ministério de Guedes não respondeu ao Estado.

A PROPOSTA

‘PEC da Desvinculação’

Pela proposta elaborada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, R$ 220 bilhões que hoje são destinados a áreas específicas seriam usados para ajudar a pagar a dívida pública.

Fundos

Esses R$ 220 bilhões estão em 248 fundos públicos infraconstitucionais (criados por leis e não previstos pela Constituição). Para o dinheiro ser usado, todos esses fundos seriam extintos.

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Bolsonaro diz que não decidiu sobre benefício

Mateus Vargas

15/01/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que não decidiu sobre a concessão de subsídio para a conta de luz de igrejas. “Estou apanhando e não decidi nada ainda”, afirmou ele em frente ao Palácio da Alvorada.

“Eu não sei por que essa gana de dar pancada em mim o tempo todo. Eu assinei o decreto? Então por que essa pancada?”, continuou o presidente. Questionado se pretende assinar a concessão do subsídio, afirmou que vai decidir “na hora certa”, aos “48 do segundo tempo ou aos 54”. “Não tenho opinião para te dar”, declarou

Como mostrou o Estado na semana passada, a pedido do presidente, uma minuta de decreto para conceder benefício na conta de luz de templos religiosos foi elaborada pelo Ministério de Minas e Energia e enviada à pasta da Economia. A articulação provocou atrito no governo, já que a equipe econômica rejeita a medida.

A bancada evangélica é, atualmente, a principal base de sustentação do governo, e Bolsonaro tem atendido a suas reivindicações desde que assumiu a Presidência. A influência de líderes evangélicos sobre o Planalto é cada vez maior e o próprio presidente já disse que quer tê-los por perto na administração.

O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse ontem que, apesar de haver uma “diretriz geral” de redução de benefícios fiscais, novos subsídios poderão ser criados, se forem considerados “meritórios” pelo governo. “Governar é definir quais prioridades serão dadas. Para a criação de um novo gasto tributário, é preciso haver compensação”, afirmou. Rodrigues evitou comentar sobre a proposta de subsídio para o consumo de energia elétrica por templo. “(O impacto) ainda está em análise”, declarou.

Nos bastidores, a equipe econômica se posicionou contra a concessão do que vem sendo chamado de “dízimo elétrico”, que vai contra a agenda de redução do custo da energia, insumo considerado fundamental para a retomada do crescimento.

Livro. A decisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, de se ausentar em depoimentos convocados pelo Ministério Público do Rio teria tido aval do presidente Jair Bolsonaro, segundo o livro Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, da jornalista Thaís Oyama, que tem lançamento marcado para a próxima segunda-feira. Na obra, a autora afirma que Bolsonaro e o advogado Frederick Wassef atuaram para postergar o depoimento de Queiroz e levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). “O livro é fake news, um livro mentiroso, não vou responder”, disse Bolsonaro ontem. Procurado, Wassef não respondeu.