Correio braziliense, n. 20531, 09/08/2019. Mundo, p. 17

 

Trump e Maduro rumo ao duelo

09/08/2019

 

 

EUA-Venezuela » Sanções ampliadas de Washington, que aposta na asfixia do regime chavista, dão cobertura ao presidente Nicolás Maduro para se retirar do diálogo e desafiar os adversários. Saída política fica ainda mais difícil

Donald Trump e Nicolás Maduro caminham para uma espécie de duelo sem retorno com os últimos movimentos de cada lado diante do impasse político na Venezuela. A retirada do governo chavista do ensaio de diálogo com a oposição, na ilha caribenha de Barbados, em resposta a um pacote de sanções com as quais Washington colocou o país em situação semelhante a de Cuba e do Irã, deu aos Estados Unidos a retaguarda para assumir uma posição de liderança nos esforços de outros governos da região para buscar uma transição em Caracas, na avaliação de analistas que acompanham o desenrolar da queda de braço.

“O tempo para o diálogo já passou. Agora, é hora de agir”, resumiu o conselheiro da Casa Branca para assuntos de Segurança Nacional, John Bolton. Veterano dos governos republicanos de Ronald Reagan e George W. Bush, expoente da linha dura no Departamento de Estado, Bolton tem sido o principal porta-voz dos que defendem, na equipe de Trump, uma ação mais decisiva para forçar a saída de Maduro do poder.

O processo de negociação inciado em Barbados foi mediado pela Noruega, que promoveu recentemente contatos iniciais entre as partes em Oslo — palco de processos de paz, como o desenvolvido entre Israel e os palestinos, no início dos anos 1990. Entre as ideias colocadas sobre a mesa estavam a antecipação de eleições na Venezuela, em troca do relaxamento das sanções econômicas. Ao adotar o caminho oposto, com medidas que punem empresas americanas e de terceiros países que mantenham transações com o regime chavista, os EUA podem ter dado a Maduro a justificativa para romper o diálogo.

No anúncio da retirada de seus representantes do processo de Barbados, o presidente venezuelano desafiou a oposição ao se colocar publicamente sobre o que o chavismo e seus aliados classificam como “o bloqueio econômico” americano. O novo pacote de Washington foi criticado pelos governos de Cuba, Rússia e China, que chegou a exigir de Trump que “deixe de assediar” o regime de Maduro. A alta representante das Nações Unidas para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que no mês passado condenou duramente a repressão imposta à oposição venezuelana, reforçou o coro contrário às medidas anunciadas pelos EUA.

“Trump está configurando como será a política venezuelana do futuro e, acima de tudo, como será a oposição do futuro”, analisa o centista político Ricardo Sucre, ouvido pela agência de notícias France-Presse. “Com as últimas sanções, é possível dizer que Trump passa a ser na prática o líder da oposição (na Venezuela).”

Sem opções

Observadores do cenário consideram sintomático o silêncio do líder oposicionista Juan Guaidó, proclamado presidente interino pela Assembleia Nacional, em janeiro, e reconhecido por mais de 50 países — entre eles, os EUA e o Brasil. David Smilde, estudioso de assuntos latino-americanos na Universidade de Tulane, nos EUA, avalia que o novo pacote de sanções americanas configura o predomínio de Bolton na fixação da política de Washington para a Venezuela. Mas, ao mesmo tempo em que investe na tentativa de asfixiar o regime chavista, o governo Trump não dá sinais de que se disponha a arriscar uma saída pela força.

“Há pouco ou nenhum movimento, na Casa Branca, na direção de algum tipo de solução militar para o conflito”, afirma Smilde. “É fato que estão trabalhando de forma agressiva, mas isso pode despertar apoio internacional para a mesa de negociações.”

Frase

"O tempo para o diálogo já passou. Agora, é hora de agir”

John Bolton, conselheiro da Casa Branca para assuntos de Segurança Nacional

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Manobras militares na fronteira

09/08/2019

 

 

Em meio ao acirramento da crise com os Estados Unidos, a Venezuela anunciou a mobilização de 3.500 militares e policiais na fronteira com a Colômbia, principal aliado de Washington na América do Sul. Oficialmente, a operação se destina a combater o narcotráfico e o contrabando de combustíveis, de acordo com uma fonte citada pela agência de notícias France-Presse.

A concentração de tropas no estado Táchira (oeste) faz parte de exercícios militares iniciados em 24 julho em várias regiões do país, disse aos jornalistas o chefe de operações das Forças Armadas, o almirante Remigio Ceballos. Participaram soldados, policiais e integrantes da milícia, um corpo civil fiel ao governo chavista e subordinado às forças regulares.

“Vamos continuar com distintas operações, para seguir lutando contra o contrabando de gasolina e o tráfico de drogas”, acrescentou o oficial. No âmbito das manobras, teriam sido apreendidas 20 toneladas de cocaína e outras substâncias ilegais em todo o país. Ceballos falou à imprensa enquanto supervisionava as operações na ponte binacional de Tienditas, no município de Ureña. A passagem de fronteira permanece bloqueada pelas autoridades venezuelanas desde fevereiro passado.

O almirante Ceballos reiterou o chamado do presidente Nicolás Maduro às autoridades colombianas para que reforcem os controles sobre o tráfico de cocaína e gasolina venezuelana, altamente subsidiada. Maduro determinou a realização dos exercícios depois que, em 22 de julho, o país sofreu um novo apagão — que o governo atribuiu a um ataque eletromagnético dos Estados Unidos.

A Venezuela rompeu relações com a Colômbia, país com o qual compartilha 2.200km de fronteira, em fevereiro, depois que o governo vizinho apoiou a tentativa frustrada do líder opositor Juan Guaidó para promover a entrada de ajuda americana pela fronteira bilateral. O presidente chavista denunciou a operação como uma intervenção militar norte-americana camuflada, com apoio da Colômbia.