Correio braziliense, n. 20531, 09/08/2019. Cidades, p. 21

 

Solução para abastecimento, Corumbá apresenta atrasos

Ana Viriato

09/08/2019

 

 

Questão hídrica » Apontada como fundamental para a garantia de água no Distrito Federal e Entorno nos próximos 30 anos, obra para captação em lago goiano enfrenta uma série de entraves. O mais recente é a falta de acordo com invasores de terras

Passados nove anos desde o início da construção do Sistema Produtor Corumbá IV, principal aposta do Governo do Distrito Federal para garantir o abastecimento da capital pelas próximas três décadas, ainda não há data marcada para a entrega da obra. Problemas fundiários atrasam a empreitada. Em quatro terrenos da Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap) pelos quais passarão as linhas de transmissão de energia, há ocupações irregulares, segundo a Companhia Saneamento de Goiás (Saneago).

A estatal do governo vizinho integra o consórcio responsável pela maior obra de captação em execução no Brasil, realizada em parceria com a Companhia de Saneamento do DF (Caesb). A princípio, 54 lotes estavam comprometidos. Por meio de negociações ou ações jurídicas, 50 foram desocupados. Além da linha de transmissão, a Saneago é responsável pela subestação elétrica. Os dois processos “estão avançando”, informou a estatal goiana, em nota.

Na parte da obra conduzida pela Caesb, 95% das edificações foram concluídas. No início do ano, a sociedade de economia mista finalizou as etapas de instalações elétricas, soldas e blocos de ancoragem de adutoras. As parcelas remanescentes, porém, dependem diretamente das linhas de transmissão. “Para avaliarmos os sistemas de bombeamento e tratamento de água, por exemplo, precisamos de energia. Quando a Saneago entregá-las, passamos para o processo final de montagem. Depois, comissionamento e testes das instalações”, detalha o diretor de Engenharia da Caesb, Virgílio de Melo Peres.

A fase de testes durará de 30 a 60 dias. “Com a finalização desta etapa, se não houver mais problemas jurídicos, Corumbá IV deve entrar em pré-operação no fim do ano. O desejo do governador (Ibaneis Rocha) é que a conclusão não passe de dezembro. Caso passemos por novos percalços, entregaremos a obra no primeiro trimestre de 2020”, emenda Virgílio.

O Lago Corumbá ocupa 173 quilômetros quadrados. Os números do espelho d’água mostram a dimensão da obra, com investimento estimado em R$ 550 milhões. O projeto prevê a retirada de 2,8 mil litros de água por segundo do reservatório. Com o passar do tempo, o número deve subir para 5,6 mil l/s. Assim como o investimento, o abastecimento também será dividido igualmente entre Goiás e DF.

Para se ter ideia do tamanho do volume de Corumbá IV, são retirados por segundo do Descoberto, principal reservatório do DF, 3,2 mil l/s de água por segundo. O recurso do lago goiano, além de atender quatro municípios do Entorno do DF, chegará a Santa Maria, Park Way, Gama e parte do Riacho Fundo II, regiões mais próximas do corpo d’água. Por meio de obras de interligação, o GDF planeja levar os recursos também para Águas Claras, Arniqueiras, Núcleo Bandeirante, Recanto das Emas e Taguatinga Sul.

Atrasos

A entrega das obras de Corumbá IV atrasa de forma sistemática (confira Linha do tempo). No ano passado, estimava-se o pleno funcionamento dos reservatórios a partir de dezembro. No início daquele mês, o então governador Rodrigo Rollemberg (PSB) revisou o cronograma e previu a entrega para abril ou maio de 2019, pois faltava realizar a instalação de válvulas, concluir a linha de transmissão de energia (alta-tensão) e iniciar o período de testes. Nos sete primeiros meses deste ano, a intervenção avançou em apenas 2% em razão dos entraves fundiários.

Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Sérgio Koide explica que o novo atraso não acarretará problemas ao abastecimento brasiliense em 2019. Caso persista, porém, a demora apresenta riscos a médio prazo. “Neste ano, choveu bastante. Mas e se 2020 for mais seco, a exemplo de 2017? Corumbá é a única grande alternativa aos lagos do Descoberto e de Santa Maria, pois a estação de tratamento do Paranoá teve recursos cortados e não há perspectiva de retomada das obras”, argumenta.

O estudioso acrescenta que o governo precisa traçar outros planos para evitar uma nova crise hídrica na capital — entre 2017 e 2018, a população do DF enfrentou o racionamento por 17 meses. “O abastecimento precisa ser planejado com 10 ou 15 anos de antecedência. Quanto mais opções, melhor. Isso porque o abastecimento de Corumbá tem altos custos”, completa Koide.

Nos sete primeiros meses do ano, choveu mais que o esperado em Brasília. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) previu 776,2 milímetros em precipitação. O acumulado, porém, chegou a 884,2 milímetros. O resultado dos bons números reflete-se nos quase transbordantes reservatórios. Apesar da seca de julho, ontem, o nível do Descoberto marcava 95,4% da capacidade e o de Santa Maria, 98,3%.

Linha do tempo

2006

» O então governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, anuncia o plano de retirada de água do Lago Corumbá para abastecer o DF e Goiás.

2011

» A obra começa, sob responsabilidade da Caesb e da Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago).

2014

» Uma empresa contratada pelo Governo do Distrito Federal desiste da licitação.

2015

» A Companhia de Saneamento do DF (Caesb) retoma a construção.

2016

» A Saneago faz uma interrupção, devido a suspeitas de superfaturamento, investigadas pela Operação Decantação. Um acordo firmado entre os órgãos de transparência e as empresas envolvidas garante a continuidade dos repasses do Ministério das Cidades ao estado vizinho.

Clima

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) previa 776,2 milímetros em chuva entre janeiro e julho. O acumulado ficou em 884,2 milímetros:

Janeiro

Choveu 74,3 milímetros

Esperado 209 milímetros

Fevereiro

Choveu 151 milímetros

Esperado 183 milímetros

Março

Choveu 265 milímetros

Esperado 211 milímetros

Abril

Choveu 311 milímetros

Esperado 133 milímetros

Maio

Choveu 76 milímetros

Esperado 29 milímetros

Junho

Choveu 6,9 milímetros

Esperado 4,9 milímetros

Julho

Choveu 0 milímetro

Esperado 6,3 milímetros

A obra

R$ 550 milhões

Custo total da empreitada, iniciada há nove anos

2,5 milhões

Quantidade de pessoas que serão beneficiadas pela intervenção

13

Número de cidades que devem ser abastecidas pelo sistema