Valor econômico, v.20, n.4762, 31/05/2019. Legislação & Tributos, p. E2

 

Ganhamos a batalha, mas perderemos a guerra?

Ester Santana

31/05/2019

 

 

Há décadas que os Estados, como forma de atraírem investimentos para seus territórios, concedem de forma unilateral incentivos fiscais, usualmente sob a forma de outorga de créditos presumidos e outros métodos para redução de ICMS.

É a chamada guerra fiscal. A origem de tal problemática encontra-se principalmente na escolha do modelo de tributação do ICMS até então adotado: concentração da maior parte da tributação na origem e não no Estado de destino. Pois bem. Após décadas de guerra travada entre os Estados, finalmente chegou-se a um consenso sobre a validade da concessão dos mencionados benefícios.

Com a publicação da Lei Complementar 160 em 2017, os incentivos concedidos de forma unilateral pelos Estados, isto é, sem a aprovação no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) foram "convalidados", uma vez atendidos e cumpridos determinados requisitos pelos Estados, como a publicação, registro e depósito dos incentivos perante o Confaz.

Assim, deixou de existir o risco de glosa de créditos, pelos Estados de destino, em decorrência de operações incentivadas na origem. Ainda, o Convênio 190/2017, que regulamentou a LC 160/2017, trouxe a possibilidade de reinstituição dos incentivos fiscais, os quais deverão observar um prazo máximo de concessão que pode chegar a até 15 anos, a depender do tipo de atividade conforme previsto na referida legislação.

Dentre as formas de reinstituição, abriu-se espaço para as chamadas "Cola Regional" e "Cola do Contribuinte". Em linhas gerais, um determinado contribuinte pode pleitear junto à determinado Estado o mesmo benefício concedido por outro Estado na mesma região ou concedido a outro contribuinte nas mesmas condições.

Diante das possibilidades acima, iniciou-se uma corrida pelas empresas para buscarem incentivos fiscais em outras regiões como meio de planejar de forma mais eficiente suas operações. Em especial para o varejo e e-commerce a busca por este tipo de atrativo tem se mostrado relevante.

Assim, avaliar qual o melhor Estado ou região para instalar um novo centro de distribuição passou a ser tarefa prioritária do departamento tributário, fiscal e logístico das empresas.

Muitos Estados, por sua vez, estão olhando os incentivos dos Estados vizinhos e alguns até já incorporaram em suas respectivas legislações os mesmos incentivos concedidos por outros entes em suas regiões.

Porém, conforme vem sendo amplamente veiculado nos canais de comunicação, um dos pontos centrais das propostas para a reforma tributária gira em torno justamente da impossibilidade de concessão de incentivos fiscais.

Tanto a proposta para a reforma tributária do economista Bernard Appy, quanto a proposta do governo, capitaneada pelo secretário da Fazenda Marcos Cintra, preveem a unificação de determinados tributos, bem como a extinção dos incentivos fiscais.

A proposta do economista Bernard Appy além da unificação do PIS/Cofins/ISS/ICMS/IPI, estabelece um prazo de transição de dez anos até a substituição completa daqueles tributos para o IBS - Imposto sobre bens e serviços.

Neste novo modelo seria vedado aos Estados e municípios concederem incentivos fiscais.

Uma das razões para a estipulação do prazo de transição de dez anos reside no tempo necessário para amortização dos investimentos já realizados e permitir novos investimentos já dentro do novo modelo tributário.

Seria dez anos um prazo suficiente para amortização de um investimento? Essa amortização virá efetivamente acompanhada de uma proposta de desenvolvimento regional nos Estados, que contemple a qualificação de mão de obra e desenvolvimento da malha logística, por exemplo? Além disso, como fica a transição dos incentivos reinstituídos por 15 anos por força da Lei Complementar 160?

Imagine a título ilustrativo uma empresa que possui 50% ou mais de seus clientes localizados na região Sudeste e os outros 50% nas regiões Norte e Nordeste. A empresa está investindo na criação de uma empresa ou CD em Tocantins ou Piauí, não apenas porque há a necessidade de proximidade física com seus clientes finais localizados nas regiões Norte/Nordeste, mas principalmente porque há a concessão de incentivos fiscais consubstanciados em redução do ICMS.

Note que tal empresa, se não fosse a concessão do incentivo fiscal, muito provavelmente não teria tomado a decisão de instalar-se naquela região, pois os custos do frete (aéreo ou terrestre), muitas vezes, não compensam a operação.

Em dez anos, conseguirá essa mesma empresa se manter nesses Estados sem a existência do incentivo fiscal? Haverá prosperado uma malha logística e desenvolvimento da região forte o suficiente para manter o parque fabril ou CD nessas localidades?

Estes e tantos outros pontos devem ser levados em consideração na avaliação das empresas para a tomada de decisões quantos aos futuros investimentos, considerando os cenários com e sem incentivos fiscais. Enfim, após décadas de batalha pelos contribuintes para que os incentivos fossem finalmente aceitos, terão eles então seus dias contados?