Valor econômico, v.20, n.4762, 31/05/2019. Política, p. A10

 

Em reação ao Planalto, congressistas articulam CPI das "fake news"

Andrea Jubé 

Vandson Lima 

31/05/2019

 

 

Em meio à onda de ataques nas redes sociais, deputados e senadores preparam a instalação, nos próximos dias, de uma comissão parlamentar mista de inquérito para investigar os "crimes cibernéticos" e a disseminação de "fake news" na internet. Na esteira do pacto de governabilidade proposto pelo presidente Jair Bolsonaro para unir os três poderes, a nova CPI tem potencial para se transformar no principal instrumento de pressão do Congresso sobre o Planalto.

Um dos alvos são as redes bolsonaristas, de onde têm partido ataques aos parlamentares que não declaram apoio explícito à reforma da Previdência ou mantêm postura independente ou de oposição ao governo. Os parlamentares querem saber, principalmente, quem financia e quem coordena as ofensas. Os integrantes do chamado Centrão - bloco de cerca de 200 deputados, de siglas como MDB, PL (ex-PR), PP, PRB, DEM - são os mais atacados.

Nas últimas semanas, intensificaram-se as ofensas contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Embora ele tenha ganhado projeção como principal fiador da reforma da Previdência, nas redes bolsonaristas é apontado como adversário do governo, e é alvo de xingamentos e chacotas de internautas que o chamam de "Nhonho" (o personagem rechonchudo do seriado Chaves). O boneco de Maia erguido nos protestos de domingo foi a materialização das ofensas cibernéticas.

Capitaneada pelo DEM, com o aval de Maia, e presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a investigação - que vem sendo chamada de "CPI das fake news" - mira os "ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público" e a "utilização de perfis falsos [robôs] para influenciar o resultado das eleições de 2018".

Com 15 deputados e 15 senadores, o colegiado deverá ser presidido por um senador do DEM. O relator será indicado pela Câmara. Interessada em explorar a disseminação de notícias falsas nas últimas eleições, a bancada do PT reivindica a relatoria, mas líderes de outros partidos alertam para o risco de um relator petista transformar a investigação em um "terceiro turno eleitoral".

O PT atribui a derrota de Fernando Haddad no pleito presidencial a uma avalanche de "fake news", que o acusaram, principalmente, de promover o "kit gay" e prometer distribuição de "mamadeiras de piroca". No entanto, em março, o Tribunal Superior Eleitoral multou a coligação do PT em R$ 176,5 mil por impulsionamento irregular de conteúdo contra Bolsonaro. Em nota, o PT protestou, alegando que Haddad "foi caluniado e acusado dos maiores absurdos", e ser multado por impulsionamento de notícias parecia irreal.

O líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (BA), diz que se for comprovado que o uso indevido das redes sociais interferiu no resultado de uma eleição, "ela pode ser anulada". Nascimento é um dos parlamentares que se tornou alvo de ataques diários nas redes.

Defensor da reforma da Previdência, ele é criticado em sua base eleitoral, porque o Nordeste em peso é contrário às mudanças na aposentadoria. Contudo, também é torpedeado por apoiadores de Bolsonaro, que o veem como uma liderança do Centrão e o acusam de trair o governo.

"Me chamam de cínico, canalha, enquanto na verdade estou trabalhando pela reforma, contra o interesse dos meus eleitores", desabafa. "Liberdade de expressão é uma coisa, mas calúnia, difamação é abuso, o anonimato das redes não pode proteger um criminoso".

O líder da oposição, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), observa que há evidências de uso ilegal das redes sociais desde a campanha. "Notadamente por meio do WhatsApp, tendo como testa de ferro o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente", diz o senador. "É uma rede obtusa, não sabemos quem mais está por trás disso, que serve para atacar, ameaçar e intimidar as pessoas".

Cotado para presidir a CPI, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) é um especialista do tema. Está concluindo um mestrado no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) sobre as comissões parlamentares de inquérito. "A CPI não tem poder de polícia, mas é um instrumento eficaz para jogar luz sobre acontecimentos que ainda não estão claros para a população", disse ao Valor. "A princípio fui contra a CPI, mas fui convencido da pertinência do tema", completou.

Correligionários e até parlamentares da oposição reconhecem em Marcos Rogério o perfil para a missão: além do conhecimento do tema, demonstrou não se intimidar nas situações mais espinhosas. Na Câmara, foi relator no Conselho de Ética do processo que levou à cassação do ex-presidente Eduardo Cunha. Recém-eleito ao Senado, é visto como quadro com bom trânsito nas duas Casas.

Deputados de todos os partidos assinaram o requerimento de criação da CPI, menos integrantes do PSL - a maioria mantém milhares de seguidores nas redes sociais. Na Câmara, as 171 assinaturas necessárias já foram alcançadas.