O globo, n.31406, 02/08/2019. País, p. 07

 

A guinada à direita na comissão de desaparecidos 

Leandro Prazeres 

Daniel Gullino

Guilherme Caetano

Francisco Leali

Daniel Biasetto

Júlia Cople

02/08/2019

 

 

Nomeado. Assessor de Damares, Marco de Carvalho assume presidência

Após contestar documentos históricos sobre a morte, na ditadura militar, de Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, o presidente Jair Bolsonaro trocou quatro dos sete integrantess da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A mudança foi publicada ontem no Diário Oficial da União. Entre os novos membros, há um deputado federal que usou suas redes sociais para comemorar o golpe de 1964 e um militar reformado do Exército que fez elogios ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado como torturador.

Dos quatro novos integrantes da comissão, dois são filiados ao PSL, mesmo partido de Bolsonaro: o deputado federal Filipe Barros (PR) e o advogado e assessor da ministra Damares Alves, Marco Vinícius Pereira de Carvalho, que substitui a presidente da comissão, a procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero.

Ao deixar o Palácio do Planalto ontem, Bolsonaro declarou que a mudança reflete a orientação política de seu governo, “de direita”, e negou, assim como a ministra Damares Alves, que a mudança tenha relação com suas recentes declarações sobre Fernando Santa Cruz ou com a certidão de óbito emitida pelo governo para o ex-militante na semana passada.

—O motivo (é) que mudou o presidente. Agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles (governos anteriores) botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente. Igual mudou a questão ambiental também —afirmou.

Ontem, o novo presidente da comissão também negou que a troca de comando tenha relação com as declarações de Bolsonaro:

— Houve declaração de que (a mudança) teria sido casuística, mas não é verdade. Em maio já havia a sinalização de que haveria essa mudança. Tem documentos que provam isso. Não tinha ocorrido por questões burocráticas —afirmou Carvalho.

Já Eugênia Fávero, que deixa o posto de presidente do colegiado, criticou as mudanças feitas por Bolson aro e classificou como“barbárie” a hipótese de o governo interromper os trabalhos do órgão.

—Agente vê com apreensão( a alteração na comissão ). É uma tentativa de frustrar os objetivos pelos quais ela foi criada. Vai ser difícil destruir o que já fizemos, mas temos temor que isso aconteça —declarou.

O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), também substituído na comissão, classificouatro caco mouma to de “extrema violência” contra a memória do país.

—Imagina fazer um trabalho na Alemanha de resgate da memória da verdade sobre achagado nazismo ecolocar simpatizantes do nazismo no trabalho —disse o deputado.

APOIO À DITADURA

Novo integrante da comissão, o deputado Filipe Barros é um parlamentar em primeiro mandato, eleito na onda bolsonarista. Em março, ele comemorou o golpe de 1964, em seu perfil no Twitter.

—31 de Março. O dia que o Brasil foi salvo da ditadura comunista. O dia da contra revolução. Esses são os fatos históricos. O resto é revisionismo. É um dia a ser comemorado sim —escreveu.

Opiniões do parlamentar em redes sociais já resultaram em um processo criminal aberto na Justiça do Paraná. Em 2016, quando não era deputado, Barros comentou a realização de uma encenação teatral sobre a importância de uma lei que torna obrigatório o estudo da cultura afro-brasileira nas escolas brasileiras. O Ministério Público o denunciou pelo crime de praticar, incitar ou induzir a discriminação ou preconceito. Sua defesa tentou trancar o andamento da ação, masa Justiça rejeitou o pedido. Ocaso aguarda decisão.

Outro novo integrante da comissão que costumas eexpressaremre desso ciai sé o coronel reformado do Exército Weslei Antônio Maretti. Ele é formado na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman )— a mesma onde Bolso na rose formou —, tem mestrado em Ciência Política e doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). No Facebook, Maretti costuma fazer críticas a políticos de esquerda, como o exdeputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2013, ele usou seu perfil para defender o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, falecido em 2015 e apontado como torturador durante a ditadura.

— O comportamento e a coragem do coronel Ustra servem de exemplo para todos os que um dia se comprometeram a dedicar-se inteiramente ao serviço da pátria —publicou na época.

Outro militar que entra na comissão é o tenente-coronel do Exército Vital Lima Santos. Ele também se formou na Aman e trabalhou na segurança presidencial, nos governos Fernando Henrique e Lula. Recentemente, atuava na chefia de gabinete do Ministério da Defesa.

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'Cumpriram seu papel', afirma presidente da OAB

02/08/2019

 

 

Filho de ex-militante desaparecido, Santa Cruz manifestou apoio a excluídos da comissão

Reação. Felipe Santa Cruz, que cobra explicações de Bolsonaro

Filho de Fernando Santa Cruz, que teve a certidão de óbito emitida pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos na semana passada, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, manifestou ontem solidariedade aos integrantes excluídos do órgão.

“Hoje foram afastados integrantes da comissão que há anos tenta dar respostas a pessoas sofridas como minha querida avó. Minha solidariedade aos que deixam tão relevante missão, com a certeza de que cumpriram seu papel”, escreveu Santa Cruz em seu perfil no Twitter.

Na postagem na rede social, Felipe Santa Cruz lembrou a avó Elzita Santa Cruz, que morreu aos 105 anos, em junho, sem ter notícias do filho, Fernando. Desde 1974, quando o então estudante de Direito desapareceu no Rio de Janeiro, ela buscava notícias em cartas a ministros, apelos a generais e súplicas a presidentes.

Em 24 de julho, a comissão emitiu um atestado de óbito que contrastava com a versão paralela do presidente Jair Bolsonaro para sua morte. O documento diz que o estudante “faleceu provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro, em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”.