Correio braziliense, n. 20532, 10/08/2019. Política, p. 2

 

Sem consenso para a reforma tributária

Rosana Hessel

Rodolfo Costa

10/08/2019

 

 

Poder / Para analistas, parece haver discordância no governo sobre o texto que muda regras de tributação. Um dos três pontos principais da proposta elaborada pela equipe econômica, uma contribuição na linha extinta CPMF, é rejeitado por Bolsonaro

As declarações opostas do presidente Jair Bolsonaro e de integrantes da equipe econômica têm deixado analistas em dúvida se há realmente consenso dentro do governo a respeito da reforma tributária própria. Um dia depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, e do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, defenderem os pilares da proposta do Executivo, que inclui a criação de um imposto sobre pagamentos para compensar a desoneração da folha nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), Bolsonaro foi taxativo contra esse tributo. “Já falei que não existe CPMF. Ele (Cintra) quer mexer. São tudo propostas. Então, não vai dizer lá na frente que eu recuei”, afirmou. O chefe do Planalto disse que não vai tolerar a volta desse imposto, criado, inicialmente, para socorrer a Saúde durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e extinto há 12 anos pelo Congresso.

A expectativa é que a proposta de reforma tributária do Executivo seja apresentada na próxima semana. O texto está baseado em um tripé de medidas. A primeira prevê um Imposto de Valor Agregado (IVA) federal sobre consumo e serviços. O ministro e sua equipe não acreditam que um IVA com estados e municípios possa ser aprovado facilmente, ainda mais tendo de negociar com 27 governadores e mais de cinco mil prefeitos. Por isso, não poupam críticas à proposta que tramita na Câmara, baseada no estudo do economista Bernard Appy, criando o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), resultado da integração de três tributos federais (PIS-Pasep, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS).

A segunda perna do tripé é a reforma do Imposto de Renda, e a terceira, a desoneração da folha e a criação da contribuição sobre pagamentos. Em relação a este último item, a equipe econômica vem trabalhando numa alíquota de 0,60% tanto nas operações de depósitos quanto de saques na conta corrente, mais do que o dobro da última alíquota da CPMF cobrada em 2007, de 0,38% somente sobre as retiradas. Se isso for apresentado pelo Executivo, não terá apoio no Congresso, muito menos na sociedade, de acordo com especialistas e parlamentares. Em entrevista recente ao Correio, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), disse que o Legislativo não aprovará a volta da CPMF, mesmo com uma nova roupagem.

Dentro da equipe econômica, segundo fontes próximas, Guedes não abre mão da desoneração da folha, e ele vai fazer de tudo para acabar com a tributação sobre o emprego. Nesse sentido, o imposto sobre movimentação financeira para compensar essa perda de arrecadação é fundamental na reforma. Se não for esse tributo, será preciso criar outro “ou até mesmo reduzir a alíquota inicial proposta”. O principal argumento para essa CPMF é que a base será ampliada e a chance de evasão tributária, menor. Contudo, Guedes está incomodado com o fato de esse novo imposto ter recebido o carimbo de nova CPMF. O esforço agora será tentar convencer que são coisas diferentes, informou uma fonte próxima à equipe econômica.

Em relação à reforma do IR, alguns pontos estão bem definidos, como o fim das deduções de despesas com saúde e educação para a pessoa física, de acordo com a mesma fonte. Empresas também deverão ter redução do IR, mas passarão a ser taxadas sobre dividendos, acrescentou. O parâmetro serão outros países que não tributam investimento, de forma a estimular o gasto com capital no país.

Correção da tabela

A correção da tabela do IRPF teve o sinal verde do presidente. Ele disse pretender insistir que a faixa de isenção seja de até cinco salários mínimos, ou seja, quase R$ 5 mil, considerando o piso atual de R$ 998. “O IR passou a ser redutor de renda. Queremos mostrar que dá para fazer diferente. Sabemos das dificuldades que o Brasil atravessa e queremos facilitar a vida das pessoas. Em vez de declarar ‘X’ de Imposto de Renda todo ano, quem sabe ‘X’ - ‘Y’”, frisou.

O chefe do Executivo também admitiu que tem interesse em reduzir a alíquota máxima do IR, de 27,5%. A proposta de campanha previa que essa taxa fosse de 25%, outra clara sinalização de perda de receita num momento em que as contas públicas estão no vermelho pelo sexto ano consecutivo. “(Temos) proposta para facilitar o IR para aumentar a base, diminuir o imposto, de 27,5%”, afirmou. “Nós sabemos também que não são todos, mas muita gente arranja nota fiscal para justificar educação, saúde. Queremos acabar com isso, simplificando.”

O economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, considera que a proposta da Câmara tem mais chances de ser aprovada. “Ainda não está claro se há consenso no governo sobre a reforma tributária. Por enquanto, a proposta defendida por Marcos Cintra não parece viável e será uma perda de tempo do governo no Congresso”, ressaltou. “Ao desonerar a folha e aumentar a faixa de isenção do IR, certamente, haverá perdas. O cenário fiscal não é confortável, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, para o governo cogitar abrir mão de receita. Nesse contexto, ele corre o risco de errar a mão e acabar aumentando a carga tributária para a população, que já é muito alta”, alertou.

“Ao desonerar a folha e aumentar a faixa de isenção do IR, certamente, haverá perdas. O cenário fiscal não é confortável para o governo cogitar abrir mão de receita”

Bruno Lavieri, economista

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Arrecadação do IR só aumenta

10/08/2019

O desemprego atinge 12,8 milhões de pessoas, conforme os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas a arrecadação do Imposto de Renda sobre os rendimentos do trabalhador, aquele descontado diretamente na folha, não para de crescer.

No primeiro semestre deste ano, a Receita Federal registrou a entrada de R$ 65,6 bilhões, volume 3,4% superior ao montante computado no mesmo período de 2018. Essa taxa de crescimento foi quase o dobro do aumento de toda a receita administrada pelo Fisco, de 1,17%.

O recolhimento do IR sobre a folha do trabalhador no acumulado dos primeiros seis meses do ano vem registrando elevação desde 2016, quando houve uma pequena queda em relação a 2015, de acordo com dados do Fisco corrigidos pela inflação. No ano passado, a arrecadação do IR retido na fonte teve aumento real (descontada a inflação) de 2,77% em relação a 2017, totalizando R$ 120,2 bilhões — o maior volume em pelo menos 10 anos.

Um dos motivos de essa receita garantida não cair, mesmo com o desemprego em alta, é a falta de correção na tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), que não é atualizada desde 2015, lembram analistas. De acordo com levantamento feito pelo Sindifisco Nacional, a defasagem da tabela do IRPF entre 1996 e 2018 é de 95,4%, considerando apenas a inflação do período. Logo, se essa correção tivesse sido aplicada nesse período, o limite para a isenção do pagamento ao Leão passaria dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 3.969,93, pelas contas da entidade.

Assim, se houver correção do limite, o governo certamente vai deixar de arrecadar não apenas esse tributo, mas também o IRPF total, porque a maioria da população ganha bem menos do que cinco salários mínimos. Pelas contas de um técnico do governo, a perda de receita, se o limite de isenção passar para R$ 5 mil, ficaria entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões. Procurada, a Receita não comentou o assunto.

O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, considerou apropriado que o governo corrija a tabela do IRPF pelo menos com a inflação, a fim de recuperar o poder de compra do trabalhador. O especialista, no entanto, criticou o fato de o governo tentar compensar esse possível ajuste pela inflação com o fim das deduções com saúde e educação. “Essas deduções são de direito do contribuinte, que não vê a tabela do Imposto de Renda corrigida desde 1996”, declarou. Ele argumentou que o governo não está abrindo mão de um recurso que é dele. “O valor mínimo de contribuição, que hoje é de R$ 1.903, deveria ser quase o dobro, porque só tivemos atualizações pontuais”, enfatizou. (RH e Hamilton Ferrari)