Correio braziliense, n. 20532, 10/08/2019. Política, p. 4

 

Após ruídos, Bolsonaro afaga Moro

Renato Souza

Rodolfo Costa

10/08/2019

 

 

Presidente muda o discurso e demonstra apoio à tramitação, no Congresso, do pacote anticrime elaborado pelo ministro da Justiça

O presidente Jair Bolsonaro fez uma série de elogios ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, após uma semana marcada por declarações interpretadas como sinais de enfraquecimento do ex-juiz no governo. Na quinta-feira, o chefe do Executivo chegou a dizer que a prioridade é a agenda econômica do país, e defendeu que o Congresso se debruce sobre projetos com esta temática após a tramitação da reforma da Previdência, sem mencionar o pacote anticrime elaborado pelo ministro. As declarações ocorreram em um momento em que Moro vem sendo acusado de parcialidade na condução dos casos da Lava-Jato.

Em sua fala, Bolsonaro destacou que as funções no Executivo se diferenciam do trabalho de juiz, onde o poder individual para tomar decisões é maior. “O ministro Moro vem da Justiça, mas não tem poder, não julga mais ninguém. Entendo a angústia dele, de querer que o projeto (anticrime) vá para frente, mas nós temos que diminuir o desemprego, fazer o Brasil andar”, disse o presidente na quinta-feira. No entanto, para evitar uma crise com o ministro mais popular do governo, Bolsonaro convidou moro para uma live no Facebook, horas depois.

Ontem, durante cerimônia no Clube do Exército, o presidente demonstrou apoio ao ministro. “Quero fazer um elogio público aqui ao nosso ministro Sérgio Moro, o homem que teve coragem, a galhardia e a vontade de fazer cumprir a lei. Fazer com que as entranhas do poder fossem colocadas à vista de todos, do passado e também do presente. Uma pessoa a quem devemos, em grande parte, a situação em que o Brasil se encontra, ao lado da democracia e da liberdade”, disse.

Também ontem, depois de um café da manhã com Moro, no Palácio da Alvorada, afirmou que são os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os responsáveis pela agenda de votações no Congresso, manifestando a intenção de que o pacote anticrime, vitrine da gestão de Moro na pasta da Justiça, comece a tramitar.

Ao sair do Alvorada, o presidente se posicionou ao lado de Moro. Questionado sobre as declarações anteriores, Bolsonaro desconversou, dizendo que “ninguém tem mais paciência” do que ele. “Ouço 22 ministros. Ninguém tem mais paciência. Logicamente, o Moro veio para o governo com propostas que quer ver aprovadas. Tem consciência que não depende apenas dele, mas do Parlamento. A paciência que eu peço para ele, ele pede para mim, também, o que é muito comum. Quantas vezes ele me conteve. Faz parte do dia a dia”, minimizou.

Questionado se estaria se aconselhando com Moro, Bolsonaro foi evasivo. “Ele, em grande parte, me aconselha em muita coisa. Eu sou o técnico do time de futebol, ele é o jogador. Jogador dá sugestões. Assim como os demais ministros. Para contrariar o que muitos falam de mim, sou extremamente democrático”, afirmou.

O ministro brincou quando questionado pela imprensa a respeito do motivo da visita a Bolsonaro no Alvorada. “O café da manhã aqui é melhor que o do Ministério da Justiça”, disse. Segundo o presidente, Moro foi convidado para acompanhá-lo à cerimônia no Ministério do Exército. Aos jornalistas, Moro negou se sentir pressionado.“ Não. Talvez pela imprensa”, disse.

Ruídos de que estaria sendo escanteado em detrimento da agenda econômica foram rejeitados por Moro, que disse entender a prioridade do governo. “A reforma (da Previdência) sempre teve prioridade, porque existe aí uma necessidade de alavancar a economia. Superada a votação na Câmara, não existe nenhum óbice para ser debatido o pacote anticrime na Câmara. Projeto importante do governo, não seria possível se não fosse a eleição do presidente. Se tivesse tido outro resultado (nas eleições), provavelmente estaríamos discutindo anistia a criminosos. Pelo contrário, estamos discutindo um projeto que fortalece o combate ao crime e o projeto está sendo muito discutido”, declarou.

Frase

“Quero fazer um elogio público aqui ao nosso ministro Sérgio Moro, o homem que teve coragem, a galhardia e a vontade de fazer cumprir a lei. Fazer com que as entranhas do poder fossem colocadas à vista de todos”

Jair Bolsonaro,presidente da República

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Bancada debala defendo projeto

Luiz Calango

10/08/2019

 

 

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter sugerido que o pacote anticrime pode ficar em segundo plano, a chamada bancada da bala pretende insistir no texto. No Congresso, o projeto de lei do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, já sofreu pequenas desidratações. Dentre outras coisas, caiu o dispositivo chamado “plea bargain”, que possibilita acordo entre acusação e suspeitos, em que criminosos poderiam se declarar culpados antes da abertura do processo, e a possibilidade de prisão em segunda instância sem necessidade de alterar a Constituição. Outros dispositivos, como o excludente de ilicitude, que livraria policiais de processos penais por matar em confronto com criminosos, também terão dificuldades de passar no Legislativo.
O líder do governo na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), integrante da bancada da segurança pública, admitiu que o projeto enfrenta dificuldades. “Será aprovado aquilo que o parlamento achar mais viável. Vamos ver o que é possível aprovar. Em outros tempos, a base eleitoral aprovava o projeto, mas não temos número suficiente. O próprio presidente entendeu o erro quando montou bancada temática, que traz menos votos”, disse. “A questão é que nosso governo está enfrentando um caos. E isso exige um ataque à pauta econômica”, completou.
Relator do grupo de trabalho que avalia o projeto na Casa, Capitão Augusto (PL-SP), chegou a falar em risco de derrota, mas, ao Correio, defendeu o pacote. “Tenho certeza que vai andar. A própria sociedade vai cobrar do Congresso. O Bolsonaro também o tem como prioritário. É compromisso de campanha”, disse. Sobre o pacote ter ficado em segundo plano, o que, inicialmente, trouxe desconforto, o parlamentar minimizou. “Ele (Bolsonaro) vai deixar a critério do Rodrigo (Maia, presidente da Câmara) para ver qual seria a prioridade. Mas, Bolsonaro, se diz algo que foi mal interpretado, volta atrás”, argumentou.
Especialistas não veem futuro promissor para o pacote de Moro. Cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Sérgio Praça demonstra ceticismo sobre o pacote. “Os parlamentares já retiraram do projeto dois componentes importantes e têm demonstrado má vontade com a proposta. Na minha opinião, o que segurava o projeto era a popularidade do Moro. Ele ainda é o ministro mais popular, mais que o próprio presidente, e isso é levado em conta pelos parlamentares. Mas também tem a Vaza-Jato, a declaração a respeito da violência contra mulheres. Ele está se enfraquecendo”, avaliou.
Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Arthur Trindade faz críticas ao texto. “Acho o projeto complicado. A despeito de ter algumas medidas interessantes, no que diz respeito especialmente ao crime organizado e à criminalização do caixa 2, as outras medidas tendem a agravar a situação de violência e letalidade policial, e aumentar as taxas de encarceramento de pessoas que praticam crimes de baixo potencial ofensivo. Os efeitos que isso pode gerar no sistema penitenciário são graves.”
“Vamos ver o que é possível aprovar. Em outros tempos, a base eleitoral aprovava o projeto, mas não temos número suficiente.
Delegado Waldir (PSL-GO), líder do governo na Câmara