O globo, n.31406, 02/08/2019. Mundo, p. 22

 

Presidente do Paraguai sai enfraquecido da crise 

Janaína Figueiredo

02/08/2019

 

 

Fiel da balança. Ex-presidente, Horacio Cartes apoiou, por ora, Abdo Benítez

Entre quarta-feira e ontem, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, recebeu três apoios cruciais que permitiram, por enquanto, sua sobrevivência no poder. Dois foram externos: dos governos do Brasil e dos Estados Unidos. O terceiro foi interno e determinante, provavelmente impulsionado pela pressão internacional: o da ala opositora dentro de seu próprio partido, o Colorado, liderada pelo ex-presidente Horacio Cartes.

Na noite da última quartafeira, confirmaram fontes paraguaias, Cartes ordenou à sua tropa avançar com o pedido de julgamento político do chefe de Estado por suposta traição à pátria nas negociações com o Brasil, até semana passada secretas, sobre a administração da energia produzida pela hidrelétrica binacional de Itaipu. Ontem de manhã, o líder colorado recuou e salvou seu rival na guerra instalada dentro do maior, mais tradicional e poderoso partido do Paraguai.

Abdo Benítez escapou do impeachment, mas com menos de um ano de gestão deverá continuar à frente do Executivo profundamente enfraquecido e agora muito mais condicionado por seus opositores colorados.

INIMIGOS EM PÚBLICO

O país já teve presidente destituído (Fernando Lugo, no poder entre 2008 e 2012), vice-presidente assassinado (o líder colorado Luis María Argaña, em março de 1999) e uma das ditaduras mais longas da América Latina (a do também colorado Alfredo Stroessner, entre 1954 e 1989).

Abdo Benítez e Cartes são inimigos em público, embora o ex-presidente tenha apoiado a campanha de seu sucessor a contragosto. O atual presidente não tem o controle do Parlamento, dependia e agora dependerá muito mais de negociações políticas, sobretudo com seu próprio partido, e ficou devendo um favor gigantesco a seu grande rival. No discurso de ontem ao país após cancelar a ata assinada com o Brasil, Abdo Benítez falou em grande acordo nacional, termo em que não se encaixa o atual cenário político paraguaio. Não existe acordo entre os colorados, como tampouco existe entre os liberais, principais opositores fora do partido governista.

As divisões partidárias são cada vez mais profundas, o que torna o desafio de governar o Paraguai muito mais difícil. O pedido de impeachment será mantido pela oposição liberal e alguns de seus aliados, mas, sem os votos de Cartes, parece destinado ao fracasso. O presidente do Partido Liberal, Efraín Alegre, reconheceu que a iniciativa perdeu força com a decisão de rivais colorados do presidente de respaldá-lo, mas afirmou que o restante da oposição apresentará o pedido, no máximo, hoje.

— A ata (anulada pelo Paraguai) afeta a livre disponibilidade de nossa energia, o preço que pagamos por essa energia, e nela não aparece o já famoso ponto 6, sobre nossa demanda de dispor da energia e poder vendê-la a preço de mercado no Brasil. E o pior de tudo é que esse ponto foi retirado a pedido de negociadores paraguaios — justificou o ex-candidato presidencial.

Mesmo admitindo que a possibilidade de impeachment foi enfraquecida com a anulação da ata a mando de Abdo Benítez, Alegre ainda acha que o caso não está encerrado:

— O impeachment está latente — diz ele. — A opinião pública perdeu a confiança no presidente. Itaipu é uma causa nacional, um assunto muito sensível para os paraguaios porque dele depende nosso desenvolvimento. Tem coisas que são inegociáveis.

SEGUNDA CHANCE

O apoio eventual de Cartes e de seu grupo no Partido Colorado que não significa uma vitória contundente de Abdo Benítez. Apenas um respiro, uma segunda chance que seus adversários colorados decidiram lhe dar, ampliando seu próprio poder de influência no governo. O presidente escapou, mas agora deverá governar com maiores limitações e, portanto, ainda mais vulnerável.

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Brasil teve prejuízo de R$ 1,5 bi, estima governo 

Manoel Ventura 

02/08/2019

 

 

O acordo anulado entre o Brasil e o Paraguai sobre a energia gerada pela hidrelétrica de Itaipu, firmado em maio, buscava corrigir uma regra que deu um prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos consumidores brasileiros, segundo fontes que acompanham as negociações. O valor foi calculado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.

O montante foi pago pelos brasileiros porme iodas contas de luz. A ata diplomática assinada entre os dois países, e que deflagrou uma grave crise política no Paraguai, previa corrigires sadis torção. Os brasileiros passariam apagar menos, até 2022, pela energia gera dana usina. A diferença seria compensada pelo Paraguai.

Por isso, a tendência era de a tarifa de energia subir no país vizinho — pois mais de 90% da eletricidade consumida por lá vêm da usina. Mesmo com o acordo, porém, o valor da tarifa paga pelo uso da energia no Brasil continuaria maior que o desembolsado pelos paraguaios.

ENERGIA 50% MAIS CARA

O Brasil sempre pagou mais que o país vizinho pela energia de Itaipu, mesmo com os dois países dividindo a administração e a eletricidade gerada pela usina. Isso ocorre porque o Paraguai fica coma maior parte da energia excedente, que é livre do pagamento dos juros para financiara usina.

Em 2018, o Brasil pagou, em média, US$ 38,72 por megawatt-hora (MWh) gerado em Itaipu, enquanto para o Paraguai esse custo saiu a US$ 24,60 MWh, segundo dados da administração da usina.

Além disso, o Paraguai, historicamente, declara uma estimativa de consumo de energia inferior à realmente verificada. Nos últimos quatro anos, porém, a distorção ficou muito maior, e o país vem declarando ter usado muito menos energia do que de fato consome. Essa diferença é paga pelo Brasil, e chega a R$ 1,5 bilhão ao longo de alguns anos.

A hidrelétrica de Itaipu tem tarifa de custo, diferentemente do modelo adotado por outras usinas nacionais. Ou seja, todo o custo da hidrelétrica, de geração de energia, royalties e obras sociais é pago pelos consumidores por meio das contas de luz.

Não há prejuízo nem lucro para as empresas (Eletrobras pelo Brasil e Ande do lado Paraguaio). Dessa forma, quando o Paraguai declara menos, quem paga a conta é o consumidor brasileiro. É essa distorção que o acordo firmado em maio tentava resolver.

— Não há espaço para falar em prejuízo do Paraguai em Itaipu. Ao contrário, se há desequilíbrio, ele é em desfavor do consumidor brasileiro — disse Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace) e ex-conselheiro de Itaipu.